Acórdão nº 148/12.9TAACN.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução25 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, n.º 148/12.9TAACN, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Central Criminal de Santarém, Juiz 2, foi submetido a julgamento o arguido (...), melhor identificado nos autos, pronunciado pela prática, em autoria material, de um crime de peculato, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 375º, n.º 1, 386º, n.º 1, alínea d) e 66º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, todos do Código Penal.

1.2. (…) constituíram-se assistentes nos autos.

1.3. Realizado o julgamento, foi proferido acórdão, em 17/09/2020, depositado nessa mesma data, com o seguinte dispositivo: «(…) decide o Tribunal: a) Condenar (...) pela prática, em autoria material, de um crime de peculato, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 66.º, n.ºs 1, alíneas a) e b) e 2, 375.º, n.º 1 e 386.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão e na pena acessória de proibição de exercício das actividades compreendidas na função pública que (...) desempenhava na (…) pelo período de 3 (três) anos e 8 (oito) meses; b) Declarar perdida a favor do Estado a vantagem patrimonial alcançada por (...) com a prática do crime, a qual não sendo susceptível de apropriação se substitui pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, e consequentemente, condenar (...) a pagar ao Estado a quantia de € 960.000,00 (novecentos e sessenta mil euros), sem prejuízo dos direitos da ofendida (…); c) Condenar (...) a pagar as custas criminais, fixando em 5UC a taxa de justiça devida; (…).» 1.4. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as conclusões que seguidamente se transcrevem: (…) 1.5. O recurso foi regularmente admitido.

1.6. O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso, pronunciando-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso e mantido, na íntegra, o acórdão recorrido.

1.7. Os assistentes (...), também responderam ao recurso, pugnando para que seja negado provimento ao mesmo, mantendo-se o acórdão recorrido, nos precisos termos em que foi proferido.

1.8. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso e mantido, na íntegra, o acórdão recorrido, aderindo à posição defendida pelo Ministério Público junto da 1ª Instância, na resposta que ofereceu, acrescentando outros argumentos, nos termos que constam de fls. 2026 a 2034.

1.9. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, tendo os assistentes respondido, manifestando adesão ao parecer do Exm.º PGA.

1.10. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, foi realizada a conferência, tendo sido, por este Tribunal da Relação, proferido acórdão, em 13/04/2021, no qual, por se admitir poder verificar-se uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos no acórdão recorrido, em termos de serem suscetíveis de integrar a prática pelo arguido/recorrente, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a), com referência ao artigo 202º, al. b), todos do Código Penal, foi determinada, nos termos do disposto no artigo 424º, n.º 3, do CPP, a comunicação ao arguido/recorrente dessa alteração da qualificação jurídica dos factos, para, querendo, se pronunciar, no prazo de dez dias.

1.11. Na sequência tal comunicação, o arguido/recorrente pronunciou-se, manifestando o entendimento de que «os factos que devem ser dados como provados não conduzem à sua qualificação jurídica como crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a), com referência ao artigo 202º, al. b), todos do Código Penal», enquadrando-se antes no crime de infidelidade, p. e p. pelo artigo 224º do Código Penal.

1.12. Vieram os autos, de novo, à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

(…) 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1.

Delimitação do objeto do recurso Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais: O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cfr. artigo 428º do C.P.P.

As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cfr. artºs. 402º, 403º e 412º, todos do C.P.P.

Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas alíneas a), b) e c), do n.º 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cfr. Ac. do STJ n.º 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.

Tendo presentes as considerações que se deixam enunciadas e atentas as conclusões extraídas pelo arguido/recorrente da motivação de recurso, são as seguintes as questões a decidir: - Impugnação da matéria de facto dada como provada sob os pontos 33) a 44), 57), 58), 65) a 76), 80) a 93), 100), 109) e 110); - Erro notório na apreciação da prova; - Erro na qualificação jurídica dos factos; - Medida da pena; - Suspensão da execução da pena de prisão propugnada.

*Para que possamos apreciar as questões suscitadas no recurso, importa ter o teor do acórdão recorrido, nos segmentos que, para tal efeito, relevam e que se passam a transcrever: 2.2. Acórdão recorrido «(…) III – FUNDAMENTAÇÃO A) – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1.º FACTOS PROVADOS Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da mesma: 1) Por Escritura Pública, datada de 10 de Dezembro de 1991, exarada a fls. 45 verso a 48 verso do Livro de Notas Dez-D, do Cartório Notarial de (...), foi constituída a Associação (...) – (doravante designada apenas por (...)), com sede no concelho de (...).

2) A referida associação tem como fim assegurar a gestão do sistema de tratamento de águas residuais de (...), nomeadamente a sua exploração e conservação, podendo igualmente assegurar a gestão do tratamento e reciclagem do crómio e de quaisquer outros resíduos resultantes da actividade dos utilizadores, sendo, no entanto, seu objecto específico o tratamento de águas residuais relacionadas com a utilização do domínio público hídrico, conforme os respectivos Estatutos.

3) A (...) é uma associação sem fins lucrativos, que não distribui dividendos pelos seus associados e detém o estatuto de entidade de utilidade pública, nos termos do disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei nº 460/77, de 7/XI, conferido por despacho do Primeiro-Ministro, datado de 20 de Março de 1995, publicado no DR nº 95, II Série, de 22 de Abril de 1995.

4) A referida associação dispõe de património próprio, constituído, segundo o artigo 22.º, n.º 1, dos Estatutos, pelos bens e direitos transferidos no acto da sua constituição ou posteriormente adquiridos.

5) Por sua vez, constituem receitas da associação, de acordo com o artigo 21.º dos Estatutos: a) As joias pagas pelos associados; b) As tarifas cobradas dentro da competência da (...); c) O produto de quaisquer outras contribuições de cada associado; d) Os rendimentos de bens próprios e o produto da sua alienação ou da sua constituição de direitos sobre eles; e) Os subsídios ou comparticipações de outras entidades; f) O produto de empréstimos contraídos nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 16.º g) Quaisquer outros rendimentos permitidos por lei; h) O produto de eventuais indemnizações ou sanções.

6) De acordo com o artigo 4.º, n.º 1, dos respectivos Estatutos, podem ser associados da (...) quaisquer pessoas singulares ou colectivas que utilizem ou pretendam utilizar o Sistema de Tratamento de Águas Residuais de (...), designadamente autarquias e indústrias.

7) Constituem órgãos da referida associação a assembleia geral, o conselho de administração e o conselho fiscal.

8) De acordo com o artigo 15.º, n.º 1, dos Estatutos da associação, o conselho de administração constitui o respectivo órgão executivo, sendo composto por cinco membros, um deles a Câmara Municipal de (...) e os restantes quatro eleitos pela Assembleia Geral de entre os seus membros.

9) Ainda nos termos do artigo 15.º, n.º 2, dos Estatutos, o Conselho de Administração elege, de entre os seus membros, aquele que exerce o cargo de Presidente.

10) Também nos termos do artigo 17.º, alínea d), dos referidos Estatutos, a associação obriga-se com a assinatura de três membros do Conselho de Administração, sendo uma dessas assinaturas do respectivo presidente.

11) Nos períodos de 2008 a 2010 e 2011 a 2012, o conselho de administração foi composto pelas sociedades comerciais: - (…) S.A, representada por (...); - (…) S.A, representada por (…); - (…) S.A., representada por (…); - (…) S.A., representada por (…).

12) O cargo de presidente foi exercido por (...), em representação da sociedade (…) S.A.

13) Por sua vez, no que concerne à representação da Câmara Municipal de (...) no Conselho de Administração da (...), esta foi representada pelo respectivo presidente, (…), até ao dia 30 de Outubro de 2009.

14) Na sequência das eleições autárquicas, ocorridas no dia 11 de Outubro de 2009, os novos órgãos autárquicos tomaram posse no dia 31 de Outubro de 2009, entre eles a Presidente da Câmara, (…).

15) Mediante ofício remetido à (...), no dia 27 de Novembro de 2009, a referida presidente comunicou que passaria ela própria a assumir a representação da Câmara Municipal de (...) na associação.

16) (...), para além do cargo de presidente da referida associação, intervinha também em diversas sociedades comerciais, umas na qualidade de sócio, por deter participação no respectivo capital social, noutras por exercer a respectiva gerência e noutras ainda por a sua gerência ou representação ser exercida por familiares próximos, entre eles o seu filho (…), o seu irmão (…) e a sua companheira (…).

17) A sociedade...

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