Acórdão nº 278/19.7T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução04 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I.

RELATÓRIO S. B., intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra S. R., na qualidade de sócia e liquidatária da sociedade X – UNIPESSOAL, LDA, ao diante designada “X”.

Pede que:

  1. Seja declarado o despedimento da autora ilícito, por não observância dos trâmites legais exigíveis; b) Por via disso, ser a ré condenada a pagar à autora: a quantia de €6.300,00, referente a indemnização por despedimento ilícito; os salários desde o despedimento até à data da sentença, nos termos do disposto nos artºs 381º, 389º e 390º do CT; a quantia de €600,00, referente a férias vencidas em 01/01/2019; a quantia de €600,00, referente a subsídio de férias vencido em 01/01/2019; a quantia de €450,00, referente aos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal do ano de 2019 (€150x3); €363,30, referente a 105 horas de formação não ministradas; €1.200,00 relativo ao pré-aviso em falta (nº 4, al. c) do artº 363º); €1.000,00 referente a indemnização por danos morais; juros de mora à taxa legal desde a citação, custas e legais acréscimos.

    Alega, em síntese, que: foi admitida ao serviço da “X”, em 16-08-12, para exercer as funções inerentes à categoria de costureira, sendo a remuneração (última) de €600,00; o contrato vigorou entre as partes até 09/07/2019, data em que a ré, encerrou total e definitivamente a empresa e registou na Conservatória do Registo Comercial ..., a dissolução e encerramento da liquidação da referida sociedade; a relação laboral cessou por decisão unilateral da entidade empregadora, consubstanciando um despedimento ilícito, nos termos do disposto no artº 381º do CT; a sociedade empregadora não respeitou as exigências previstas no artº 346º, nº 3 e 360º e ss do CT para os casos de encerramento da empresa. Demanda a ré, na qualidade de sócia e liquidatária da referida sociedade, ao abrigo do disposto no artº 163º do Código das Sociedades Comerciais. Dos documentos que se encontram arquivados na CRC e que serviram de base para o dito registo de dissolução e liquidação da sociedade, consta uma “Ata”, onde se pode ler que, em 04/07/2019, a sócia- gerente da sociedade declarou que a mesma não possuía activo nem passivo e, como tal, não havia lugar a partilha. Com tais declarações, designadamente de que a sociedade não tinha quaisquer dívidas, a R., signatária da dita “Ata”, faltou à verdade, uma vez que, a sociedade tinha débitos laborais decorrentes da cessação do contrato de trabalho por liquidar, pelo menos, à A. e a outros trabalhadores, a quem não pagou os montantes devidos pelo despedimento em virtude do encerramento da empresa. Relativamente à questão do que teria a antiga sócia recebido na partilha dos bens sociais, a A desconhece com exactidão quais os concretos bens pertencentes à extinta sociedade, mas é certo que a sociedade possuía 6 máquinas e era ainda proprietária de diverso mobiliário (mesas, cadeiras, armários) e material de escritório e informático, além do capital social. Ao que a A. julga saber, a sociedade possuía veículos automóveis. Aliás, a R. e respectivos familiares têm sido vistos a conduzir os referidos veículos, pelo que, os mesmos se mantém na sua posse. Por último, a sociedade possuía contas bancárias.

    CONTESTAÇÃO DA RÉ: alega, em síntese, que: a sociedade teve de encerrar a sua actividade, por força da ausência de encomendas e em virtude da vaga de deslocalização do fabrico de peças do Grupo Y para outras zonas do globo e por terem resultado infrutíferas as diligências encetadas pela empresa para angariar novos clientes; antes da decisão de extinção, o legal representante daquela sociedade apurou que a sociedade denominada W, estava a contratar funcionárias, mostrando-se disponível para assegurar os postos de trabalho de todas as funcionárias e respectiva antiguidade, bem como assegurar o transporte das mesmas desde a sua residência para o local de trabalho, inclusive no horário das refeições; em Maio de 2019, a ré reuniu com as trabalhadoras da extinta sociedade e comunicou-lhes que a sociedade não tinha mais encomendas e que teria de encerrar a sua actividade; a sociedade W estava disposta a integrar nos seus quadros as referidas trabalhadoras, tendo estas aceite a respectiva transferência; como a autora não se encontrava presente na referida reunião, o marido da ré deslocou-se à residência da autora, que, depois de esclarecida da situação, aceitou a proposta de passar a integrar os quadros da W, comunicando-lhe que assim que terminasse o seu período de incapacidade começaria a trabalhar para a referida sociedade, pelo que nenhuma quantia é devida à autora, dado a mesma ter aceite a transmissão do seu vínculo contratual à sociedade denominada W; quando a ré declarou na acta de dissolução e liquidação da sociedade que a mesma não tinha activo nem passivo, já tinha vendido o seu património a empresas que têm por objecto a venda de maquinaria e de automóveis e na convicção de que a autora, à semelhança das demais funcionárias, tinha iniciado funções na nova empresa; a convicção da ré alicerçou-se no facto de autora não comparecer nas instalações da extinta sociedade à data da venda da maquinaria e ter deixado de lhe entregar qualquer documento comprovativo do seu estado de saúde; não tendo a ré recebido qualquer bem na partilha do património da extinta sociedade (que aliás a autora não alegou na petição inicial), por o mesmo inexistir à data da sua extinção, não poderá ser responsabilizada pelo pagamento à autora das quantias por esta peticionadas. Concluindo pela total improcedência da acção.

    Seguiu-se a prolação de despacho saneador, procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

    DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): “Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente, decide-se: 1. Que o contrato de trabalho celebrado entre a autora e X – Unipessoal, Lda cessou por caducidade, nos termos dos artºs 343º, al. b), e 346º, nº 3 e 4, do CT; 2. Condenar a ré, S. R., na qualidade de liquidatária da sociedade X – Unipessoal, Lda, a pagar à autora S. B.: a) a quantia de €1.655,12 (mil seiscentos e cinquenta e cinco euros e doze cêntimos), a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho (artº 366º, nº 1 ex vi artº 346º, nº 5, ambos do Código do Trabalho).

    b) a quantia de €600,00 (seiscentos euros) a título de férias vencidas em 01/01/2019; c) a quantia de €600,00 (seiscentos euros) a título de subsídio de férias vencidas em 01/01/2019; d) a quantia de €433,97 (quatrocentos e trinta e três euros e noventa e sete cêntimos), a título de férias, subsídio de férias e de natal proporcionais ao tempo efectivo de serviço prestado no ano da cessação do contrato; e) a quantia de €581,70 (quinhentos e oitenta e um euros e setenta cêntimos) a título de compensação por formação profissional não prestada; f) sendo todas as quantias acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal de 4% desde a data dos respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento; g) No mais, absolve-se a ré do pedido.

    *Custas da acção pela autora e pela ré, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 63,18% para a primeira e 36,82% para a segunda – artº 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – sem prejuízo de isenção ou de apoio judiciário de que beneficiem. “ FOI INTERPOSTO RECURSO PELA RÉ -CONCLUSÕES: 1. Por sentença datada de 11.07.2020 foi a ora Ré condenada a pagar à Autora… 2. Analisando a selecção da matéria de facto dada como provada verifica-se que nos pontos O, P, Q e R, o Tribunal a quo dá como provado que a sociedade possuía 6 máquinas de ponto corrido; 7 máquinas de corte-e-cose; 3 máquinas de recobrimento; 2 máquinas clorete; 1 máquina de casear e 1 máquina de mosque, era proprietária de diverso mobiliário (mesas, cadeiras, armários) e material de escritório e informático, possuía os veículos automóveis matrículas LB, HR e QO e contas bancárias, designadamente uma conta na Caixa ...”.

    1. O Tribunal recorrido socorreu-se da documentação junta pela ora Recorrente para dar como provado a existência do dos bens e conta bancária, nomeadamente, faturas de venda do referido património e os extractos bancários da conta de que a Recorrente era titular na Caixa ....

    2. Apesar de o Tribunal recorrido ter dado como provado a existência do referido património tendo por referência as facturas emitidas pela dissolvida sociedade a favor de K-Comércio de Máquinas Têxtil, L.da, ... Automóveis, L.da e V. M., a verdade é que, o Tribunal recorrido não deu como provada, ou não provada, a venda dos bens que integravam o património da sociedade dissolvida, e, em caso de resposta afirmativa, em que datas, tais bens foram alienados.

    3. O modo e tempo verbal usado pelo Tribunal recorrido na decisão ora em crise, mais concretamente, nos pontos da matéria de facto supra elencados, não permite concluir com certeza, e sem quaisquer margem para dúvida, se à data da sua extinção a sociedade dissolvida era, ou não, titular de quaisquer bens, e em caso de resposta positiva o destino dado aos mesmos após a dissolução.

    4. O Tribunal a quo não faz qualquer menção nem na fundamentação de facto nem na fundamentação de direito da decisão ora em crise sobre o destino do património da sociedade dissolvida, sendo totalmente omissa a esse respeito.

    5. A decisão ora em crise é nula, porque da lista de factos assentes e não assentes se torna impossível inferir em que concreto momento a sociedade dissolvida deixou de ser titular dos bens que integravam o seu património (na data aposta nas faturas? Na data da dissolução da sociedade?) e se, que bens, e de que valor, eram os bens que passaram a integrar, no entendimento do Tribunal recorrido, o património da Recorrente e completa omissa quer na fundamentação de facto quer na fundamentação o de direito sobre o destino de tais bens.

    6. Face às ambiguidades patenteadas pela decisão ora em crise, evidenciadas nos pontos da matéria de facto assente e não assente acima...

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