Acórdão nº 9/20.8GGABT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | ALBERTO BORGES |
Data da Resolução | 23 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Cível e Criminal de Portalegre, Juiz 1, correu termos o Processo Comum Coletivo n.º 9/20.8GGABT, no qual foi julgado o arguido P… - nascido a …, solteiro, filho de R… e A…, natural da freguesia de …, concelho de …, residente na rua …, em …, atualmente em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Elvas - pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131, 132 n.ºs 1 e 2 alínea h), 22 e 23, todos do Código Penal. O Centro Hospitalar Médio Tejo, EPE, veio deduzir pedido de reembolso das despesas hospitalares concernentes à assistência médica prestada à vítima em consequência do comportamento perpetrado pelo arguido, pedindo seja este condenado a pagar-lhe a quantia total de € 486,18, acrescida de juros vincendos até integral pagamento
O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, EPE, veio deduzir pedido de reembolso das despesas hospitalares concernentes à assistência médica prestada à vítima em consequência do comportamento perpetrado pelo arguido, pedindo seja este condenado a pagar-lhe a quantia total de € 12.657,53, acrescida de juros vincendos até integral pagamento. A final veio a decidir-se: A) Absolver o arguido P… da prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 22, 23, 131, 132 n.ºs 1 e 2 al.ª h), todos do Código Penal, e, convolando a acusação, condená-lo pela prática, como autor material dum crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22, 23 n.ºs 1 e 2, 73 n.º 1 al.ªs a) e b) e 131, todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; B) Julgar procedentes, por provados, os pedidos de reembolso deduzidos pelo Centro Hospitalar Médio Tejo, EPE, e pelo Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, EPE, e condenar o arguido/demandado: - a pagar ao Centro Hospitalar Médio Tejo, EPE, a quantia total de € 486,18, acrescida de juros, calculados à taxa legal, desde a data da notificação a que se reporta o art.º 78 n.º 1 do Código de Processo Penal até integral pagamento; - a pagar ao Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, EPE,a quantia total de € 12.657,53, acrescida de juros, calculados à taxa legal, desde a data da notificação a que se reporta o art.º 78 n.º 1 do Código de Processo Penal até integral pagamento; C) Arbitrar, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos por H…, a quantia de € 1.500,00 (mil euros), e condenar o arguido a pagar tal valor indemnizatório, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos art.ºs 483 n.º 1, 494, 496 n.ºs 1 e 3, todos do Código Civil, art.ºs 1 alíneas b) e l) e 82-A do Código de Processo Penal, e art.º 16 n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 130/2015, de 4/09
--- 2. Recorreu o arguido desse acórdão, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1 - Quanto ao recurso do douto despacho que indeferiu o requerimento de submissão de arguido suspeito de anomalia mental à perícia respetiva: 2 - No início da audiência, após a defensora do arguido/recorrente ter sido notificada do relatório social supra referido, e após análise do mesmo, requereu, entre outras coisas, “a audição da senhora técnica que elaborou o relatório social e a realização da perícia prevista no artigo 351 do CPP", tudo conforme consta da ata de audiência de discussão e julgamento do dia 23.10.2020, pelas 9:30h, com a referência citius 30390248, e ainda do respetivo despacho de que se recorre
3 - Por despacho constante da mesma ata com a mesma referência e após deliberação, a Sr.ª Juiz Presidente indeferiu o requerido por entender que o arguido prestou declarações de forma fluente, com discurso e capacidade de se pronunciar sobre os factos que relatou de forma objetiva e que falou também sobre o circunstancialismo posterior e anterior aos factos e que por isso o tribunal não tem qualquer dúvida sobre a sua imputabilidade, tudo conforme melhor consta do referido despacho e para onde se remete
4 - Por outro lado, o mesmo despacho diz que as conclusões do relatório social assentam na apreciação feita por uma técnica que procedeu à entrevista do arguido e que dali não se infere qualquer problema de imputabilidade independentemente daquilo que nele é referido
5 - Indeferindo, por isso, o tribunal a quo a realização de qualquer perícia ao arguido e também a audição da técnica, uma vez que a mesma não tem conhecimentos científicos que lhe permitam atestar sobre qualquer tipo de doença do arguido (…), tudo como melhor consta do referido despacho de 23.10.2020 com a referência citius 30390248
6 - Por outro lado, decorre da fundamentação de facto do douto acórdão proferido e do ponto 29 dos factos dados como provados que o ora recorrente “apresenta como principais fatores de risco, a sua problemática aditiva, que desvaloriza, associada a eventual problemática de saúde mental”
7 - E ainda, do ponto 16 da fundamentação de facto, que “No passado registaram-se agressões entre o arguido e o progenitor, após o que o primeiro terá efetuado uma tentativa de suicídio”
8 - E no ponto 24 da fundamentação de facto, que “O arguido apresenta reduzidas competências pessoais e sociais, com algumas dificuldades ao nível do relacionamento interpessoal, da comunicação eficaz e do estabelecimento de relações empáticas”
9 - Acresce que na página 15 do douto acórdão sub judice se diz ainda que “De ponderar, ainda, e reforçando o que se deixou dito em sede de audiência de julgamento a propósito da desnecessidade de submeter o arguido a perícia psiquiátrica, que não obstante se dar como provado que o arguido poderá apresentar problemática na área da saúde mental – associada, porventura, e em face do que decorre do teor do relatório e da factualidade globalmente apurada, ao ser caráter violento associado a problemática aditiva – tal não significa que se equacione a possibilidade do mesmo ser inimputável ou ter uma imputabilidade diminuída à data dos factos, porquanto, a prova produzida em audiência, e nomeadamente aos próprias declarações do arguido, não deixaram quaisquer dúvidas a este tribunal sobre a sua imputabilidade”
10 - Pelo que se verifica uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão para realização da perícia ao arguido e da audição da técnica, por a mesma não ter conhecimentos científicos que lhe permitam atestar sobre qualquer tipo de doença do arguido
11 - Não só porque o tribunal a quo não tem conhecimentos científicos que lhe permitam afirmar com base nas declarações do arguido que este não tem problemas de qualquer tipo de doença mental e que por isso só pode suscitar-se fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido, ordenar a comparência de um perito para se pronunciar sobre o estado psíquico daquele ou requerer a perícia a estabelecimento especializado para efeito do apuramento da imputabilidade diminuída do arguido
12 - O tribunal a quo, ao justificar, quer no douto despacho, quer no douto acórdão, o indeferimento, quer da audição da técnica que ouviu o arguido em sede de relatório social, quer a realização da perícia, emite opiniões unicamente com base nas declarações do arguido
13 - Mas os factos dados como provados e supra referidos falam-nos, quer na dificuldade do arguido numa comunicação eficaz, num suicídio tentado e duma problemática aditiva associada a uma eventual problemática de saúde mental
14 - O que, desde logo, deveria ter suscitado junto do tribunal a quo a submissão, porque fundada, do arguido a uma perícia psiquiátrica, tudo com base no que foi dado como provado no douto acórdão em crise
15 - Assim sendo, temos uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão a qual decorre do texto da decisão recorrida e que, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, leva à conclusão da existência de uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (n.º 2 al.ª b) do artigo 410 do CPP)
16 - A verdade é que, quando a perceção da personalidade do arguido ou a prática dos factos por ele perpetrados, designadamente, uma anterior tentativa de suicídio, exigirem especiais conhecimentos técnicos ou científicos, deve ter lugar a prova pericial, não prevalecendo perante estes conhecimentos técnicos ou científicos a livre convicção do tribunal nos termos do artigo 127 e artigo 151, ambos do CPP
17 - Decidindo como decidiu o tribunal a quo, não só violou o artigo 351, como os artigos 151 e 127, todos do CPP
18 - Porque, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma no sentido de que lhe era permitido afastar a perícia com base na sua livre convicção e ainda de que poderia ter conhecimento técnico suficiente para avaliar a saúde mental do arguido/recorrente
19 - Ao invés, deveria ter decidido interromper a audiência de julgamento e ordenar a perícia psiquiátrica à saúde mental do arguido, nos termos do artigo 351 do CPP
20 - Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido e realizando-se a perícia, nos termos do artigo 351 do CPP, ao arguido/recorrente
21 - Quanto à medida da pena aplicada ao arguido, pena de prisão efetiva de 6 anos e 6 meses 22 - Da matéria de facto dada como provada no douto acórdão resulta que o arguido não tem antecedentes criminais
23 - Consta da fundamentação de facto dada como provada o seguinte: 14. O arguido P… é o mais novo de cinco irmãos. O progenitor era pedreiro de profissão e a progenitora foi funcionária da …. Estão ambos reformados
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O processo de desenvolvimento psicossocial do arguido decorreu num ambiente familiar marcado pelas vicissitudes económicas e num contexto de violência física e emocional, por parte do progenitor, quer sobre a progenitora quer sobre os filhos. Estes episódios, decorriam no quotidiano; porém com mais...
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