Acórdão nº 276/16.1PBTMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | F |
Data da Resolução | 23 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1 - RELATÓRIO 1.1. Nestes autos de processo comum n.º 276/16.1PBTMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Central Criminal de Santarém, Juiz 2, foi submetido a julgamento, com intervenção do tribunal coletivo, o arguido (...), melhor identificado nos autos, acusado pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de: dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143º, n.º 1 e 145º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132º, n.º 2, alíneas e) e h), do Código Penal; dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, na forma tentada, p e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, alíneas a) a c), 23º, 143º, n.º 1 e 145º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132º, n.º 2, alíneas e) e h), todos do Código; quatro crimes de coação, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 154º n.º 1, do Código Penal; um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291º n.º 1, alínea b), do Código Penal e de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.
1.2. Realizado o julgamento, na ausência do arguido, ao abrigo do disposto no artigo 333º, n.º 2, do CPP, foi proferido acórdão, em 27/01/2020, depositado nessa mesma data, com o seguinte dispositivo: «
-
Absolver (...) da prática de quatro crimes de coação, na forma consumada, previstos e punidos pelos artigos 154.º n.º 1, do Código Penal; b) Condenar (...) pela prática, em autoria material e em concurso real e efectivo, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h), do Código Penal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão; de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h), do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão; de um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, alíneas a) a c), 23.º, 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, alíneas a) a c), 23.º, 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291 n.º1, alínea b), do Código Penal, na pena de 20 (vinte) meses de prisão; e de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, nº. 1 e 2, do Decreto-Lei nº. 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) Condenar (...) a pagar as custas criminais, fixando em 3UC a taxa de justiça, respectivamente; (…).» 1.3. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as seguintes conclusões: «1. Em cúmulo jurídico, decidiu o Tribunal a quo condenar o ora recorrente na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
-
Ora, no entender do Recorrente, os factos contantes dos pontos 4 a 32 dos factos deviam constar dos “Factos não provados”, pelo menos, no que tange à autoria/prática pelo ora Recorrente.
II - PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA (art.º 412º, nº 3, al. b), do CPP): - Imagens de videovigilância recolhidas junto da discoteca (...); - Declarações das testemunhas (...) (que confirmou que o arguido adquiriu o veículo com a matrícula (...)), (...) (que asseverou que o arguido era o condutor habitual do mesmo veículo) e (...) (que é amigo do arguido e viu-o indistintamente a exercer a condução do veículo no momento da prática dos factos) – entre parenteses encontra-se a síntese efetuada no acórdão recorrido.
-
O ora recorrente, não se conforma de modo algum com a condenação de que foi alvo, no âmbito dos presentes autos, entendendo que, atenta a fundamentação constante do acórdão, mormente, a síntese das declarações prestadas pelas testemunhas, não foi produzida prova de que arguido haja sido o autor dos factos elos quais foi condenado.
-
Quanto à dinâmica dos factos o arguido não irá recorrer, pois entende que a mesma resulta da prova carreada para os autos, quer da prova testemunhal quer das imagens das câmaras de videovigilância.
-
Contudo, entende que a sua autoria não resulta provada, não tendo as testemunhas indicadas na fundamentação do acórdão recorrido logrado identificar o arguido como autor dos factos.
-
Refere o Tribunal a quo em síntese que: (...) (que confirmou que o arguido adquiriu o veículo com a matrícula (...), (...) (que asseverou que o arguido era o condutor habitual do mesmo veículo) e (...) (que é amigo do arguido e viu-o indistintamente a exercer a condução do veículo no momento da prática dos factos), não resta a mínima dúvida de que (…) foi o autor da prática dos actos ilícitos em presença.
-
Depois, o Tribunal a quo, conjugou estes depoimentos com os demais elementos de prova para valorar a forma e a dinâmica com que os factos ocorreram 8. Sucede que, o recorrente entende que embora os factos hajam resultado como provados, não resulta da prova produzida e indicada no acórdão recorrido, que foi o arguido o autor dos mesmos.
-
Importa desde já ressalvar, que das imagens de vigilância captadas não é possível visualizar o rosto de nenhum dos ocupantes do veículo, sendo apenas possível verificar que no interior do veículo se encontravam dois homens.
-
Mais acresce que, foi possível visualizar que o arguido abandonou o local acompanhado de dois indivíduos, sendo que um deles regressou, chegando a ser identificado nos autos como (...) com alcunha de (…), o qual foi inclusive ouvido na qualidade de testemunha durante o inquérito.
-
O outro individuo que acompanhava o arguido, não foi identificado em momento algum do processo, nem em sede de inquérito nem de julgamento.
-
Vejamos então, os depoimentos prestados pelas mencionadas testemunhas, (…), (…) e Agente (…), apenas no tocante à identificação do arguido (ou não) autor dos factos.
-
Analisado o segmento que aqui nos interessa do depoimento da testemunha (...), verificamos que a mesma, afirmou perentoriamente não conhecer o arguido, não se compreendendo, porque motivo se afirma no acórdão recorrido afirma inclusive que a testemunha e o arguido eram amigos.
-
Mais, a testemunha referiu-se sempre “indivíduos” nunca referiu o arguido.
-
Assim, jamais se poderia alicerçar o acórdão recorrido no depoimento desta testemunha, o qual foi crucial para o Tribunal fundamentar a condenação do arguido.
-
Pois segundo o acórdão recorrido, foi esta a única testemunha presente no local que identificou cabalmente o arguido, como sendo o individuo que conduzia a viatura no momento em que os factos ocorreram.
-
Este depoimento “alegadamente” prestado pela testemunha (...) e que como supra se demonstrou não corresponde ao depoimento que este prestou na realidade o depoimento prestado em sede de julgamento, foi conjugado com os depoimentos abaixo transcritos das testemunhas (...) e do Agente (...).
-
Tais testemunhas, afirmaram que era o arguido o condutor habitual daquela viatura interveniente nos factos, mas que nenhum deles havia assistido aos mesmos.
-
Mais há que ressalvar que aquando do depoimento da testemunha (...), a própria Juiz do Tribunal a quo, salvaguardou aquando das suas instâncias que das imagens não era possível visualizar que era o arguido que conduzia a viatura naquele momento, e, que questionava em concreto se o arguido era o condutor habitual, sendo que poderia não ser o condutor naquele momento, como abaixo se pode verificar através da transcrição dos segmentos dos depoimentos das testemunhas.
-
Em conclusão jamais pode colher a fundamentação constante do acórdão recorrido, pois como supra se demonstrou através da transcrição a testemunha (...) afirmou não conhecer o arguido e referiu sempre a terminologia “indivíduos”.
-
E ainda, que haja resultado provado que o arguido era o condutor habitual da viatura, não logrou provar-se que era este o condutor do veículo no momento em que ocorreram os factos.
-
De facto, a síntese das declarações da testemunha (...), que o acórdão refere para fundamentar a condenação do arguido, não corresponde nem no todo, nem em parte ás declarações efetivamente prestadas pela testemunha em sede de julgamento.
-
Mais se dirá: Que face ao exposto, até aqui pelo ora Recorrente, entende o mesmo que foram violadas várias normas, mormente o artigo 127º do CPP e ainda, os artigos 32º nº 1 e 205º nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa.
-
Por último, diga-se, ainda, que com a violação de tais normativos constitucionais, o Tribunal a quo, e quanto à ora recorrente, fez uma interpretação inconstitucional do princípio consagrado no art.º 127º do CPP (livre apreciação da prova).
-
Ora, essa fundamentação só será possível e clara se o julgador estiver certo relativamente à questão de facto solvenda, com apoio em provas concretas e inequívocas, o que não sucedeu no caso concreto, em que a fundamentação no que tange ao depoimento prestado pela testemunha (...), não corresponde nem no todo, nem em parte às declarações que este efetivamente prestou.
-
Face ao supra exposto e sem necessidade de mais considerandos, deverá ser a final proferida DECISÃO QUE ABSOLVA OS RECORRENTES DA PRÁTICA DE TODOS OS CRIMES PELOS...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO