Acórdão nº 134/14.4T8ENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelFLORBELA MOREIRA LAN
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA I.

Relatório Caixa …, SA intentou, em 25.11.2014, a presente acção executiva, para pagamento de quantia certa, contra P… A… e M…, para deles haver a quantia de € 5.937,80, acrescidos de juros vincendos, dando à execução um contrato de mútuo com fiança, datado de 05.07.2007, celebrado entre a exequente, enquanto mutuante; a executada P…, enquanto mutuária e os executados A… e M…, enquanto fiadores, alegando que o crédito cuja cobrança coerciva se requer e respectivos juros, vencidos e vincendos, está consubstanciado em título executivo, de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 9.º do Decreto-Lei 287/93 de 20 de Agosto A Senhora Agente de execução, por duvidar da suficiência do título executivo, remeteu os presentes autos de execução para despacho liminar, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 855.º n.º 2, al. b) e 726.º n.º 2 do CPC.

Conclusos os autos, no dia 12.12.2014 foi proferido o seguinte despacho: “ (…) Ora, este contrato, atenta a sua natureza, apenas poderia servir de base à execução, ou seja, apenas poderia ser título executivo, não se tratando de sentença condenatória, nem de um título de crédito, nas hipóteses previstas nas als. b) e d) do nº 1 do artº 703º do C.P.C., ou seja : - se constituísse um documento exarado ou autenticado por notário ou por outra entidade ou profissional, com competência para tal, que importasse a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; - se constituísse um documento ao qual, por disposição especial, fosse atribuída força executiva.

Não estamos perante nenhum destes dois casos.

É certo que o contrato de mútuo com fiança teve as suas assinaturas reconhecidas pelo notário privativo da instituição mutuante ( a « Caixa … » ), mas isso não é o bastante para se dizer que estamos perante um documento autêntico ou autenticado por notário, porque, no caso dos autos, o contrato dos autos não foi celebrado perante o notário : as assinaturas que constam do documento é que, depois dele celebrado e assinado foram reconhecidas pelo notário (mas o contrato não foi feito perante o notário, que apenas se limitou a conferir a autenticidade das assinaturas), pelo que não podemos dizer que estamos perante um documento exarado ou autenticado, por notário ou por outra entidade ou profissional com competência para tal, que importe a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 703º nº 1, al. b) do C.P.C.

- para além disso, o documento em causa não é um documento a que, por força de disposição especial, seja atribuída força executiva, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 703º nº 1, al. d) e 9º nº 4 do DL 287/93 de 20/8. Aliás, esta última norma legal, salvo melhor opinião, tem a sua vigência cessada, como ensinam Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. II, 2014, págs. 192-193.

Com base no ensinamento daqueles autores e no próprio entendimento deste Tribunal, existem três razões pelas quais cessou a vigência do artº 9º nº 4 do DL 287/93 de 20/8 : - primeira, porque resulta claro da Exposição de Motivos da L 41/2013 de 26/6, que aprovou o N.C.P.C., que o legislador pretendeu retirar exequibilidade aos documentos particulares quaisquer que sejam as obrigações que titulem ( salvo os títulos de crédito, dotados de segurança e fiabilidade no comércio jurídico em termos de justificar a possibilidade do respectivo credor poder aceder logo à via executiva ); - segunda, porque resulta do artº 107º nº 1 do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que « salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados (…), independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameaçam falsear a concorrência, favorecendo certas empresas »; - terceira, porque esta norma de Direito Europeu tem inteira aplicação ao Direito Nacional, por força do disposto no artº 8º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, sendo certo que o artº 9º nº 4 do DL 287/93 de 20/8, na opinião deste Tribunal, conferia, à « Caixa …, S.A. », uma posição de vantagem perante outras instituições financeiras a operar em Portugal, e perante particulares, o que viola as regras europeias de protecção da livre concorrência.

Pelo exposto, com estes fundamentos de facto e de direito, entendo que o contrato em referência não constitui título executivo, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 703º nº 1, als. b) e d) do C.P.C., pelo que, nos termos do disposto no artº 726º nº 2, al. a) do C.P.C., indefiro liminarmente o requerimento executivo.

(…)” A exequente, Caixa …, SA, não se conformando com a decisão prolatada dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “I- O documento particular dado à execução é título executivo por força do art.9º.-4 do D.L. 287/93 de 20 de Agosto e artigo 703º d) do CPC II- Esta norma não foi revogada pelo NCPC, atenta a regra de que a lei geral não revoga a lei especial III- Nem se pode considerar derrogada pelo espírito da lei nem pelo princípio da igualdade, pois existem inúmeras outras normas especiais que prevêem documentos particulares como títulos executivos, como decorre da alínea d) do artigo 703 do CPC IV- E não viola em nada o direito comunitário ao contrário do que pretende a decisão recorrida; V- Mas mesmo que assim não se entendesse, o documento dada à execução também é um escrito particular assinado antes da entrada em vigora do novo Código; VI- E os contratos particulares assinados antes da entrada em vigor do NCPC têm de se considerar títulos executivos para as novas execuções, sendo que a interpretação em sentido contrário do artigo 703º do NCPC e do artigo 6º., nº3 da Lei 41/2013, é manifestamente inconstitucional por violar o principio constitucional da segurança e protecção de confiança integrador do principio do Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, sendo que os objectivos que ditaram a eliminação dos títulos dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos não são suficientemente fortes para derrogar tal princípio.

VII- Decidindo em sentido contrário violou o tribunal “a quo” o disposto no n.º 4 do artigo 9º do Decreto Lei n.º 287/93 de 30 de Agosto, o artigo 703º ,d) do NCPC , o artigo 12º do Código Civil e ainda o artigo 2º da CRP.

Termos em que.

A decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento da execução, Com o que fará Justiça,” Dispensados os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II.

Objecto do Recurso Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC).

São pois questões a decidir: - se a norma constante do n.º 4 do art.º 9.º do Dec.-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto está revogada; - se o documento particular dado à execução é título executivo, por força do art.º 9.º, n.º 4 do Dec.-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto e art.º 703.º, al. d) do CPC; - subsidiariamente se o documento particular dado à execução deve ser aferido à luz do art.º 46.º, n.º 1, al. c), do VCPC e não dos art.ºs 703.º do CPC e 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013 de 26 de Julho, por a sua aplicação imediata afectar o princípio constitucional da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático (art.º 2.º da CRP), valendo como título executivo, porque constituído em momento anterior à entrada em vigor do NCPC.

III.

Fundamentação 1.

De Facto O quadro factual a atender para a decisão é o que consta do antecedente relatório.

  1. De Direito 1.ª e 2.ª Questões solvendas A acção executiva, que visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (art.º 2.º, 10.º, n.ºs 1, 4 e 5 do CPC).

    O título executivo é, em termos substanciais, um instrumento legal de demonstração da existência do direito exequendo e a sua exequibilidade resulta da relativa certeza ou da suficiência da probabilidade da existência da obrigação nele consubstanciada[1].

    “O título executivo constitui pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão executiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto, assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação.”.

    [2] Nas palavras de ANSELMO DE CASTRO[3] “Define-se título executivo como o instrumento que é condição necessária e suficiente da acção executiva” A inexequibilidade do título pode ser absoluta, se aquele se não reporta ao direito a uma prestação, ou meramente relativa, se a pretensão de realização do direito diverge quantitativamente do título que serve de suporte à acção executiva.

    O legislador condicionou, assim, a exequibilidade do direito à prestação à verificação de dois pressupostos: a) a existência de título executivo com as características formais legalmente exigíveis (exequibilidade extrínseca); b) a certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação (exequibilidade intrínseca).

    A ação executiva pressupõe, pois, o incumprimento da obrigação que emirja do próprio título dado à execução, isto é, que o direito inscrito no título dado à execução está definido e acertado.

    Nesta conformidade o título executivo é condição necessária e suficiente da acção.

    Necessária porque não há execução sem título. Suficiente porque, perante ele, deve ser dispensada...

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