Acórdão nº 110/19.0PFBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução11 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

No âmbito do Processo Especial Abreviado nº 110/19.0PFBRG, do Juízo Local Criminal de Braga, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi submetido a julgamento o arguido: I. S., casado, músico, filho de R. B. e de A. B., natural do Brasil, nascido em - de Março de 1983, residente na Rua Padre …, em Braga, e titular do C.C. nº ..........

*2.

Em 11/09/2020 foi proferida sentença, depositada no mesmo dia, na qual, como questão prévia, se decidiu o seguinte (transcrição (1)): “Questão prévia Nos presentes autos, depois de obtida a concordância do Juiz de Instrução, o Ministério Público, por despacho proferido em 04/11/2019, determinou a suspensão provisória do processo, pelo período de 5 (cinco) meses, mediante o cumprimento pelo arguido das seguintes injunções:

  1. Prestar 65 (sessenta e cinco) horas de serviço de interesse público em instituição a indicar pela DGRSP; b) Abster-se de conduzir veículos a motor durante o período de 4 (quatro) meses consecutivos, devendo proceder à entrega, nos Serviços do Ministério Público, do respectivo título de condução, no prazo de 10 (dez) dias a contar da data da notificação desse despacho; e c) Abster-se de requerer a 2.ª via da carta de condução – cfr. fls. 21/22, 24 e 26.

    O arguido foi notificado do referido despacho por via postal simples com prova de depósito, ocorrido em 08/11/2019 (fls. 27 e 30), considerando-se notificado em 13/11/2019, 5º dia posterior ao depósito (art. 113º, nº 3 do CPP).

    O prazo de 10 (dez) dias para entrega da carta de condução tinha o seu término em 23/11/2019. Como tal dia correspondeu a um sábado, o termo do prazo transferiu-se para o dia 25/11/2019, primeiro dia útil seguinte (art. 138º, nº 2 do CPC, ex vi do art. 104º, nº 1 do CPP), data em que o arguido entregou a sua carta de condução (fls. 31 ss).

    Em 06/12/2019, a DGRSP remeteu aos autos o plano para cumprimento da injunção supra referida em a). Desse plano constava como data prevista para o início da prestação de trabalho o dia 06/01/2020 (fls. 39).

    Conclusos os autos em 04/05/2020, por despacho de 05/05/2020, foi determinada a notificação do arguido para se apresentar, na data estipulada (?), nas instalações onde decorreria a prestação de serviço público, com a advertência de que o processo prosseguiria caso não cumprisse a mesma (fls. 40).

    O arguido foi notificado de tal despacho por via postal simples com prova de depósito, ocorrido em 11/05/2020, considerando-se notificado em 16/05/2020, 5º dia posterior ao depósito (art. 113º, nº 3 do CPP) – fls. 41 e 45.

    Por informação datada de 28/04/2020, a DGRSP veio dar conta de que, em face do plano de contingência para o COVID-19, não era possível dar continuidade à prestação de trabalho, entretanto, iniciada pelo arguido. Mais informou que o mesmo já tinha executado 8 (oito) horas de serviço de interesse público e que retomaria o cumprimento findo o referido plano de contingência (fls. 43).

    Em 03/07/2020, a DGRSP informou que contactou o arguido em 28/05/2020, tendo o mesmo referido que se encontrava a realizar trabalhos esporádicos de apanha de mirtilos para sobrevivência do seu agregado familiar, não tendo disponibilidade de horário para retomar o serviço de interesse público. Nos dias seguintes, foi tentado o contacto telefónico, mas sem sucesso porquanto o arguido não atendeu. Mais informou que remeteu, por carta, convocatória para entrevista no dia 29/06/2020, mas o arguido não compareceu nem justificou os motivos da sua ausência (fls. 49/50).

    Em face de tal informação, em 11/07/2020, o Ministério Público, sem que tivesse notificado o arguido para esclarecer as razões do incumprimento, concluiu pela verificação de incumprimento culposo e, ao abrigo do disposto no art. 282º, nº 4, al. a) do CPP, deduziu acusação para julgamento em processo abreviado (fls. 51 ss).

    Apreciando.

    A suspensão provisória do processo é um instituto jurídico-processual, previsto nos arts. 281º e 282º, ambos do CPP, imbuído do espírito dos sistemas de oportunidade, para crimes de reduzida gravidade, em que o Ministério Público, com a concordância do arguido, do assistente (se o houver) e do Juiz de Instrução, suspende provisoriamente a tramitação do processo penal e determina a sujeição do arguido a injunções ou regras de conduta durante um determinado período de tempo.

    Na parte que ora nos interessa, dispõe o art. 282º do CPP que: «(…) 3 - Se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto.

    4 - O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas:

  2. Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou b) Se, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.

    (…)».

    A opção pela dedução da acusação em vez do arquivamento compete ao Ministério Público e ocorre quando o arguido não cumpre – total ou parcialmente – as injunções ou regras de conduta, ou quando, durante o período da suspensão do processo, comete crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.

    Interessa-nos a primeira das situações acabadas de mencionar (incumprimento das injunções ou regras de conduta).

    É pacífico o entendimento de que a revogação da suspensão provisória do processo e dedução de acusação não decorre automaticamente de qualquer incumprimento – muito menos quando o incumprimento é parcial -, envolvendo, antes, um juízo de culpa por parte do arguido quanto a esse incumprimento.

    O incumprimento das injunções ou regras de conduta pode conduzir à revogação da suspensão provisória do processo, à revisão das injunções ou regras de conduta decretadas, optando-se pela imposição de outras, ou à prorrogação do prazo das anteriores até ao limite legalmente admissível, sendo que, nestas duas últimas hipóteses, é necessário o prévio acordo do arguido, do assistente e do Juiz de Instrução.

    Trata-se aqui de aplicar, por analogia, as regras previstas nos arts. 55º e 56º do CP para o incidente de incumprimento da suspensão da execução da pena.

    Assim, a revogação da suspensão provisória do processo, à semelhança da revogação da suspensão da execução da pena, prevista no art. 56º, nº 1, al. a) do CP, pressupõe uma actuação indesculpável, em que o comum dos cidadãos não incorreria e que, por isso, não mereça ser tolerada nem desculpada, pressupondo culpa grosseira ou reiterada no não cumprimento das obrigações impostas.

    Como refere PAULO PINTO DE ALBURQUERQUE, «[n]ão há revogação automática da suspensão provisória do processo, pois ela depende de uma valoração da culpa do arguido no incumprimento. O critério estabelecido é o do incumprimento das injunções e regras de conduta com culpa grosseira ou reiterada do arguido, tal como prevê o artigo 56.º do CP» - in Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, p. 741.

    E como afirma MAIA COSTA, «o incumprimento deverá ser culposo, ou repetido, em termos idênticos aos que o Código Penal prevê para a revogação da suspensão da pena, no art. 56º, nº 1, a). Ou seja, o incumprimento não terá que ser doloso, mas deverá ser imputável pelo menos a título de negligência grosseira ao arguido, ou então repetidamente assumido (…)» - in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, p. 989.

    Deste modo, incumbe ao Ministério Público averiguar da verificação de incumprimento e, uma vez verificado este, averiguar dos respectivos motivos para aferir da existência e medida da culpa do arguido, em ordem a decidir pela revogação, modificação ou prorrogação da suspensão do processo.

    A prossecução do processo com a dedução de acusação pressupõe, assim, que o Ministério Público se pronuncie sobre o incumprimento e conclua pelo incumprimento das injunções ou regras de conduta com culpa grosseira ou reiterada do arguido.

    Para tal, o arguido deve ser ouvido, sob pena de violação das garantias de defesa que, em processo penal, devem ser asseguradas (art. 32º, nº 1 da CRP). Com efeito, o exercício do contraditório, é, no nosso ordenamento jurídico, um princípio natural, uma exigência fundamental do Estado de Direito e, em processo penal, abrange as decisões susceptíveis de afectar pessoalmente o arguido (art. 61º, nº 1, al. b) do CPP), ressalvadas as excepções previstas na lei (corpo do nº 1 do art. 61º do CPP).

    No caso concreto, o processo ficou suspenso pelo período de 5 (cinco) meses, mediante o cumprimento pelo arguido das injunções supra referidas, período que se iniciou em 13/11/2019, com a notificação ao arguido do despacho que determinou a suspensão, com término em 13/04/2019.

    O arguido procedeu à entrega da carta de condução no prazo estipulado, não havendo notícia do incumprimento das injunções supra referidas em b) e c).

    Relativamente à injunção supra referida em a), constata-se que o arguido iniciou o seu cumprimento mesmo antes de notificado para o efeito pelo Ministério Público. Na verdade, o arguido apenas foi notificado para dar início à prestação de trabalho em 16/05/2020. Sucede que, nessa altura, já o mesmo tinha iniciado a prestação de trabalho e cumprido 8 (oito) horas de serviço de interesse público, conforme decorre da informação da DGRSP datada de 28/04/2020. Repare-se, ainda, que, aquando do despacho proferido em 05/05/2020, já tinha decorrido o período da suspensão, pelo que se impunha uma decisão acerca da prorrogação do referido período.

    A prestação de trabalho, iniciada pelo arguido mesmo antes de notificado para o efeito, foi interrompida na sequência da implementação do plano de contingência da doença COVID-19, que o impossibilitou de continuar a cumprir a injunção fixada.

    Entretanto, como decorre da informação da DGSRP datada de 03/07/2020, ficaram reunidas as condições para reinício da prestação de trabalho, mas o arguido deu conta da indisponibilidade de horário para o efeito, na medida em que se encontrava a trabalhar na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT