Acórdão nº 1154/18.5JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelC
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Desembargadora Relatora: Cândida Martinho Desembargador Adjunto: António Teixeira.

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. Relatório 1.

    Nos presentes autos com o número 1154/18.5JABRG, do Tribunal da Comarca de Braga, por despacho proferido em 27/5/2019 pela Mma Juiz de Instrução do Juízo de Instrução Criminal de Braga – Juiz 1 – foi indeferido o requerimento no qual foi invocada pelo arguido F. T., ora recorrente, uma nulidade – que não qualificou - decorrente do facto de não ter sido notificado de um relatório pericial que veio a ser ponderado na decisão instrutória, no caso, o relatório pericial em criminalística forense de fls. 379 e segs.

    É do seguinte teor o mencionado Despacho: “Vem o arguido invocar nulidade decorrente, em seu entender de não ter sido notificado de um relatório pericial que veio a ser ponderado na decisão instrutória o relatório pericial em criminalística forense de fls. 379 e ss.

    Diz que a decisão instrutória ter-se-ia de limitar ao conjunto de prova constante do processo à data da dedução da acusação, pois de contrário, o juiz de instrução viola a estrutura acusatória do processo e o direito de defesa do arguido.

    O Ministério Público teve vista e pronunciou-se quer pela extemporaneidade da alegação do arguido, quer, subsidiariamente, pela inexistência de qualquer nulidade, quando muito uma irregularidade, já sanada.

    Apreciando.

    As nulidades, em processo penal, são taxativas, pois “a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular – artigo 118º do CP.

    O catálogo de nulidades está elencado nos artigos 118º nº 1, 119º e 120º do CP, para além de outras previstas noutras disposições legais.

    Ora a falta de notificação de um relatório pericial não consta do elenco das nulidades insanáveis do artigo 119º do CPP. Nem sequer uma nulidade dependente de arguição, do elenco previsto no artigo 120º do CP. E mesmo que fosse uma nulidade deste jaez, sempre teria de ter sido alegada antes que tivesse terminado o debate instrutório, porque ao debate e prolação de decisão instrutória assistiram tanto o arguido como a sua Ilustre Defensora, tudo nos termos do artigo 120º nº 3 al. a) do CPP.

    Não se tratando de nulidade, estaríamos perante uma irregularidade, que teria de ter sido arguida pelo arguido no próprio acto a que assistiu, nos termos do artigo 123º nº 1 do CPP.

    Assim, por ter estado presente do ato de leitura da decisão instrutória, a arguição posterior de uma irregularidade é extemporânea.

    Mas ainda que assim não se entenda.

    Subsidiariamente, sempre se dirá que inexiste qualquer irregularidade, porquanto em local algum da fundamentação da decisão instrutória foi utilizado, nem sequer mencionado, o relatório pericial em criminalística forense de fls. 376 e ss. Apenas ali se aludiu à prova produzida em inquérito, a que acresceu as declarações do arguido na instrução.

    E, por ter sido realizado no inquérito, em matéria de prova pericial, apenas se aludiu na decisão instrutória, (mormente a fls. 390), ao relatório pericial de natureza sexual em direito penal de fls. 116 e ss. elaborado pelo INMLCF, conjugado com a demais prova testemunhal.

    Até porque este relatório pericial de fls. 116 e ss., ainda sem conclusões quanto aos crimes de natureza sexual, aguardava precisamente o relatório pericial em criminalística forense, onde foram examinados os vestígios recolhidos de zaragatoas várias e de peças de vestuário da ofendida, para estudos de ADN, consignando-se, a final, que se aguarda o resultado desses exames para a elaboração das conclusões finais.

    Ora, a decisão instrutória apenas considerou a final, que “Com cópia do relatório de criminalística forense a fls. 379 e ss. oficie ao INMLCF, IP para que seja concluído o exame pericial médico-legal, relativo à ofendida S. S., de fls. 116 a 118, cuja cópia também se remeterá.” – vide fls. 396.

    Tal não configura qualquer convicção da decisão instrutória baseada em tal relatório pericial, antes uma diligência processual, a fim de ser completado, finalmente, o relatório pericial do INMLCF de fls. 116 e ss.

    Assim, a decisão instrutória nunca poderia tirar deste relatório de criminalística forense de fls. 376 e ss. qualquer indício de agressão de natureza sexual, pois de per si, tal relatório não confirma tal facto (aliás, o arguido alega precisamente que teve relações sexuais consentidas com Sónia Patrícia, o que confere com o resultado da perícia segundo a qual, dos vestígios recolhidos para exame, não pode excluir-se que o arguido tenha contribuído para o material biológico analisado).

    Mais se acrescenta que será com o relatório pericial de natureza sexual em direito penal a realizar em breve pelo INMLCF (e que completa o de fls. 116 e ss.) que o arguido será juntamente notificado do relatório de criminalística forense de fls. 376 e ss. a que aquele aludirá e no qual se fundamentará para elaborar as conclusões finais.

    E só então o arguido poderá exercer os seus direitos de defesa, nomeadamente, reclamando do teor do relatório pericial do INMLCF, nos termos legais.

    Assim, decidindo, inexiste qualquer nulidade ou irregularidade da decisão instrutória, que, em qualquer caso é de alegação extemporânea, improcedendo totalmente o requerimento de fls. 400 e ss.

    Notifique, com cópia de fls. 404 e ss.» 2.

    Não se conformando com essa decisão da Mma Juiz de Instrução, veio o arguido recorrer do mencionado despacho judicial, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: «A O presente recurso visa a revogação do despacho proferido pelo Tribunal a quo a 27/05/2019 que indeferiu a arguição da nulidade da decisão instrutória.

    B O aqui recorrente arguiu a nulidade da decisão instrutória porquanto, entende que à mesma foi adicionado um novo elemento de prova surpresa, violador do princípio do contraditório e da estrutura acusatória do nosso sistema processual — art.° 32° CRP, art(s). 267°, 286° e seg. CPP — e que deve ser considerado proibido.

    C A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito e, apenas e somente, pode recair sobre o objecto que é fixado pela acusação ou requerimento de abertura de instrução, D Estando impedida — salvas as excepções previstas na lei — de ultrapassar o thema decidem/um e o thema probandum, sob pena de violação dos princípios do acusatório e da tutela das garantias do arguido.

    E Ou seja, a decisão de pronúncia tem de conter-se dentro dos elementos factuais que constituem o acervo investigatório e probatório do processo.

    F Porém, verifica-se que a decisão que pronunciou do arguido, adicionou meios de prova não contemplados na acusação, nem produzidos em sede instrutória, pelo que, estamos perante urna decisão que padece do vício de nulidade.

    G De facto, perfilha o recorrente que estamos perante uma nulidade, nulidade essa de cariz insanável.

    H Ao extravasar o thema probandum constante na acusação foi violado o princípio do acusatório, pois não pode haver alterações à acusação por parte do Julgador, não tendo o mesmo competência para tal.

    I que não estivesse tipificada, J E em conformidade com outras situaçãoes consagradas na Jurisprudência, teria que ser considerada, em nome da lógica do sistema, urna nulidade atípica insanável e de conhecimento oficioso.

    L Tudo, sob pena de violação dos artigos 118°, 119°, 267°, 283°, 268°, 269°, 309° do CPP e arts.° 32° e 219° n.° 1 CRP.

    M Deste jeito, impetra-se a revogação do despacho proferido, devendo a arguida nulidade ser julgada procedente, tudo com as consequências legais».

    1. O Exmo Procurador da República junto da primeira instância respondeu ao recurso e, concluindo pela sua improcedência, apresentou as seguintes conclusões: «

      1. Apesar de o presente recurso versar exclusivamente sobre matéria de direito, o recorrente não observou o disposto no n.° 2 alínea b) do art.° 412.° do CPP; B) Resulta no entanto claro que pretende arguir o vício da nulidade da decisão instrutória, por dela constar um meio de prova “novo” (o relatório de criminalística forense, de fis. 379 a 380); C) No entanto, esse relatório veio complementar o relatório de exame médico-legal de fis. 116 a 118, nada tendo de novo, nem de surpresa; D) As conclusões que se extraem do mesmo são inócuas para a defesa do arguido, vindo até ao encontro das declarações que prestou em sede de primeiro interrogatório judicial; E) Esse relatório não foi valorado para efeitos de pronúncia do arguido; F) Da sua indicação como meio de prova não resulta qualquer alargamento do thema probandum dos autos; G) O arguido terá oportunidade para contraditar o teor desse relatório, se nisso tiver interesse, em sede de audiência de julgamento; H) Não foi, assim, praticada qualquer nulidade; 1) E a decisão recorrida não merece qualquer censura.

      Termos em que deverá o recurso em apreço ser considerado improcedente.

      Este o entendimento que perfilhamos.

      Vossas Excelências, porém, farão Justiça».

    2. Por despacho proferido em 14/6/2019, foi o presente recurso admitido, a subir nos próprios autos com o recurso que for interposto da decisão que ponha termo à causa e com efeito devolutivo e subida em separado.

    3. Remetidos os autos à distribuição e realizada a audiência de julgamento foi proferido o acórdão final em 24/1/2020, tendo-se decidido, para além do mais: - Absolver o arguido F. T. da prática, como autor material, na forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1 e 26º, 1ª proposição, todos do CP, e artigo 25º, nº1, alínea a), este do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa; - Absolver o arguido F. T. da prática, como autor material, na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física simples, p. e p...

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