Acórdão nº 1531/19.4T9BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 1531/19.4T9BRG, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Braga - Juiz 3, foi proferido despacho, ao abrigo do art. 311º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. d), do Código de Processo Penal, a rejeitar a acusação particular deduzida pela sociedade assistente, “X, Lda.", contra o arguido, J. C.

, imputando-lhe a prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, previsto e punido pelos arts. 187º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.

  1. Inconformados com essa decisão, dela recorreram a assistente e o Ministério Público.

    2.1 - A assistente motivou o recurso com as conclusões que a seguir se transcrevem[1]: «CONCLUSÕES: 1. Não pode a Recorrente concordar com o teor do despacho do tribunal a quo que determinou o arquivamento do presente processo, pois que, tal decisão é completamente infundada de razão, de prova bastante e sobretudo de discernimento das consequências que da prática dos factos imputados aos Arguido podem advir para a aqui Recorrente.

  2. Nos termos do disposto no art.º 187.º, n.º 1, do CP, são elementos do tipo objetivo do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva: a) a afirmação ou propalação de factos inverídicos; b) não ter o agente fundamento para, em boa fé, reputar inverídicos esses factos; c) a idoneidade de tais factos para ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que se mostrem devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação.

  3. O tipo objetivo do art.º 187.º, n.º 1, do CP pressupõe que os factos inverídicos afirmados ou propalados pelo agente sejam capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que se mostrem devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, bem como a pessoa coletiva, instituição ou corporação.

  4. De acordo com os ensinamentos de RENATO LOPES MILITÃO, “para o preenchimento do tipo objetivo do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva não basta que os factos inverídicos afirmados ou propalados pelo agente sejam potencialmente lesivos da credibilidade, prestígio ou confiança da entidade coletiva visada. O segmento da honra objetiva ou exterior dessa entidade capaz de ser agredido por tais factos tem de ser-lhe devido. Ou seja, tal entidade tem de possuir efetivamente esse segmento da honra objetiva ou exterior” [A este propósito, MILITÃO, Renato Lopes, “Sobre a tutela penal da honra das entidades coletivas”, Revista Julgar, março 2016, p. 38.] (sublinhado nosso).

  5. Pode, por isso, dizer-se que uma entidade coletiva é credível quando, por virtude da atuação dos seus órgãos ou membros, se mostra cumpridora, diligente e séria. Tem prestígio se, pelo comportamento dos seus órgãos ou membros, adquire notoriedade no domínio da respetiva atividade e obtém o respeito das suas congéneres, bem como, consequentemente, da comunidade em que se insere. É merecedora de confiança quando, pelo seu historial, é tida na comunidade envolvente como fidedigna [Nesta senda, COSTA, José de Faria, “Comentário ao artigo 187.º do Código Penal”, Comentário Conimbricense do Código Penal, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 681.].

  6. No que tange a pessoas coletivas, existe crime quando alguém afirme ou propale factos inverídicos sem ter razões para, em boa fé, os reputar verdadeiros.

  7. Já no que concerne ao tipo subjetivo do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, o mesmo basta-se com o dolo genérico, em qualquer das modalidades deste (art. 14º do CP). Não se exigindo, pois, que o agente tenha uma especial intenção de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da entidade coletiva visada.

  8. Deveremos pois, atender se os impropérios perpetrados no post partilhado no perfil da rede social Facebook “J. C.”, no passado dia 16 de janeiro de 2019, pelas 11h16, poderão, eventualmente, sequer lograr ser discutido em sede de audiência e discussão de julgamento, ou, por outro lado, se merece ser vítima de rejeição e posterior arquivamento, conforme decidiu o tribunal a quo.

  9. No que concerne ao primeiro elemento do tipo objetivo (afirmação ou propalação de factos inverídicos) e, contrariamente ao que sucede nos crimes de difamação e de injúria, o crime que ora nos ocupa apenas contempla a afirmação ou prolação de factos inverídicos, ou seja, apenas releva a imputação de factos.

  10. Para o preenchimento do tipo objetivo de ilícito, necessário se torna, desde logo, que os factos afirmados e ou propalados sejam inverídicos, ficando de fora “a afirmação ou propalação de factos verídicos, suscetíveis de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança” [MENDES, António Oliveira, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, Coimbra, Almedina, 1996, p. 115.].

  11. No caso em apreço, o Recorrido, no passado dia 16 de janeiro de 2019, escreveu no seu perfil de Facebook: “Que bela memória, 3 anos de roubalheira e um grande pesadelo mas todos somos peritos na hora de cobrar e eu n vou fugir à regra.

    não se metam com essa escumalha.

    ”.

  12. Em primeiro lugar, sempre se dirá que, atendendo a todo o historial mantido entre a sociedade Recorrente e o aqui Recorrido, certamente que o último com a publicação supra mencionada pretendia referir-se a toda a factualidade decorrida durante a longa relação comercial mantida com a sociedade Recorrente.

  13. A verdade é que JAMAIS em tempo algum, a Recorrente, ou até mesmos os seus sócios e gerentes, “roubaram” o Recorrido, conforme o mesmo o incita, nem tampouco foram condenados pela prática de tal ilícito, seja contra o último, seja contra terceiros, nunca o tendo feito, seja há 1, 2 ou 3 anos, ou até mesmo mais.

  14. O Certificado de Registo Criminal da sociedade Recorrente e dos seus sócios e gerentes encontra-se totalmente “limpo”, razão pela qual, sempre se alegará que a sociedade Recorrente não pode deixar de se sentir lesada e ofendida pela conduta do Recorrido.

  15. Por outro lado, a sociedade RECORRENTE, é apelidada de “ESCUMALHA”, sendo que, mais uma vez, nem a RECORRENTE, nem os beneficiários da sociedade, se consideram membros de um grupo considerado de baixa condição moral, cultural e social ["escumalha", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/escumalha [consultado em 01-03-2020]].

  16. Como tal, dúvidas não podem subsistir quanto ao preenchimento do primeiro elemento do tipo objetivo (afirmação ou propalação de factos inverídicos).

  17. O segundo elemento que compõe o tipo objetivo de ilícito impõe que os factos inverídicos sejam idóneos a ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa coletiva, importando salientar que o tipo de ilícito não exige a ofensa do bom-nome da entidade, sendo suficiente o perigo dessa ofensa ocorrer, em virtude de uma conduta do agente com a potencialidade adequada para causar esse dano.

  18. A credibilidade de uma instituição afere-se pelo comportamento cumpridor, diligente e pontual, mas sobretudo pela sua conduta séria e parcial revelada na atuação dos seus órgãos e membros; sendo o prestígio demonstrado pela imposição da pessoa coletiva no seu domínio específico da sua atuação, perante instituições congéneres e, por isso mesmo, perante a própria comunidade que serve e que a envolve; mostrando-se uma instituição digna de confiança “quando pela sua génese e atuações posteriores se apresenta, paradigmaticamente, como entidade depositária daquele mínimo de solidez de uma moral social que faz com que a comunidade a veja como entidade em quem se pode confiar” [COSTA, José de Faria, Idem, p. 681.].

  19. Salvo douto entendimento por opinião diversa, sendo o estabelecimento explorado pela Recorrente na cidade de Braga um dos principais pontos turísticos/atrações da cidade de Braga –, já com quase nove anos de exercício de funções [Para mais informações, consulte http://www.S.cupcakes.com/about.php], sendo constantemente avaliada e reavaliada através de todas as plataformas digitais para o efeito e, sobretudo, passando com distinção, dúvidas não podem subsistir que a Recorrente revela, tanto na sua atuação como nos seus órgãos e membros, uma enorme credibilidade, prestígio e confiança, não só para os bracarenses, como para os portuenses, como para os restantes que diariamente procuram os seus serviços.

  20. A Recorrente é uma sociedade comercial por quotas, com sede em Braga, que se dedica com intuitos evidentemente lucrativos à produção, distribuição e exploração de espaços de venda de bebidas, pastelaria e gelados, bem como exploração e gestão de conceitos de franchising e ainda formação e consultoria em pastelaria, gelataria, bebidas, café, franchising e negócios, sendo exploradora do SISTEMA S., bem como de todos os respetivos direitos imateriais que compõem este sistema, onde se inclui a marca registada S. – CUPCAKES & COFFEE.

  21. O Sistema S. Cupcakes & Coffee é comummente reconhecido por todos os amantes de fabrico de bolos, de gelados artesanais e de bebidas à base de café, tendo, desde a data da sua abertura a público, excedido TODAS as espectativas, não merecendo, de todo, os ataques perpetrados pelo Recorrido à sua credibilidade, prestígio e confiança, depositadas pelos seus clientes.

  22. Dúvidas não poderão subsistir quanto ao preenchimento do segundo elemento do tipo objetivo.

  23. Não subsistem dúvidas quanto à falta de fundamentos legais para que o Recorrido tenha partilhado na rede social Facebook o post do dia 16 de janeiro de 2019, até porque, conforme se poderá depreender do próprio conteúdo da publicação, por um lado o Arguido visava vexar e humilhar em “praça pública” a Recorrente e, por outro lado, afastar potenciais clientes e/ou parceiros da mesma.

  24. No que se refere ao seu elemento subjetivo, deixamos desde já claro que não procederemos a...

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