Acórdão nº 10/19.4PFVIS-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução28 de Outubro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1.

No Processo comum colectivo nº 10/19.4 PFVIS que corre termos na comarca de Viseu, juízo central criminal – Juiz 1, foi proferido despacho com data de 13/05/2020, que indeferiu, por extemporâneo, o pedido de indemnização civil apresentado em 27 de Abril de 2020 pela assistente M., considerando ter decorrido o prazo normal previsto no art.º 77º do CPP, na sua aplicação conjugada com as normas das leis n.º 1-A/2020 de 19-03 e n.º 4-A/20 de 07-04.

  1. Não se conformando com tal decisão, a assistente interpôs recurso, concluindo: “1º Vem o presente recurso interposto do despacho que indeferiu, por extemporâneo, o pedido de indemnização civil apresentado pela ora recorrente.

    1. Deve ser modificado o despacho proferido e considerar-se que a apresentação do PIC deu entrada a tempo, nos termos dos diplomas legais que estabeleceram medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19.

    2. Porquanto, consideramos que a interpretação dos mesmos pelo Mmº Juiz do tribunal a quo, é manifestamente contrária ao vertido naqueles diplomas, bem assim de diversas interpretações doutrinais, quer de magistrados, juízes, advogados e demais agentes conceituados da justiça.

    3. Acresce a circunstância de os fundamentos elencados pelo Tribunal a quo, e com base nos quais propugnou e amparou a convicção para indeferir a apresentação do PIC, não serem minimamente aferíveis no escopo da lei.

    4. O sentido da lei é, claramente, o da paralisação generalizada dos processos e procedimentos nela referidos – pelo menos, é o que se intui da previsão relativa à suspensão de prazos para a prática de actos processuais.

    5. Com efeito, se estão suspensos os prazos para a prática de actos em processos e procedimentos, nos termos definidos na diversa legislação aplicável, daí resulta que a tramitação respectiva não tem desenvolvimento.

    6. Compulsada a legislação que estabeleceu medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19, é inequívoco que regime aplicável aos processos urgentes, será o da redacção original entre 09.03.2020 e 06.04.2020 e o da redacção da Lei n.º 4-A/2020 desde 07.04.2020.

    7. Veio a Lei 1-A/2020, de 19 de Março, no seu art. 7º/1 sujeitar os actos processuais e procedimentais que devessem ser praticados nas diversas jurisdições ao regime das férias judiciais.

    8. No entanto, estabeleceu no nº5 daquele preceito legal um desvio à solução das férias judiciais, no que se refere aos processos urgentes, na medida em que estabelecia igualmente a suspensão dos mesmos.

    9. Considerando as excepções previstas nos números 8 e 9, do citado artigo, as mesmas não têm aplicabilidade no caso em apreço, pois que, a dedução do PIC, não se enquadra em nenhuma circunstância aí prevista.

    10. Finalmente, a Lei 4-A/2020, de 6 de Abril, alterou em diversos pontos o art.7º da Lei 1-A/2020 relativamente aos prazos e actos processuais.

    11. Assim, cronologicamente: - A Lei 1-A/2020, de 19.03, entrou em vigor a 20 de Março, mas, no art.10º fez retroagir os seus efeitos à data da produção de efeitos do DL 10-A/2020, de 13 de Março, estabelecidos no art.37º deste último diploma, ou seja 9 ou 12 de Março consoante os casos; - A Lei 4-A/2020, de 06.04, no seu art.5º, vem estabelecer uma norma interpretativa do art. 10º da Lei 1-A/2020, no sentido de retroagir os efeitos do art.7º, nesta nova redação, a 9 de Março, exceptuando, no art.6º/2, as normas aplicáveis aos processos urgentes (a partir desta nova versão do art.7º), que só produzem efeitos à data de entrada em vigor da Lei 4-A/2020, isto é, a 7 de Abril.

    12. Concordamos, assim, que o regime aplicável aos processos urgentes é: - Entre 09.03.2020 e 06.04.2020, o da redação original do artigo 7º, aprovada pela Lei 1-A/2020; - Desde 07.04.2020, o da nova redação do artigo 7º, conferida pela Lei 4-A/2020.

    13. Pelo que, tendo sido efectuada a notificação a 9 de Março – data em que se suspenderam os prazos, também quanto aos processos urgentes, o prazo de 20 dias para apresentar o PIC começou a contar apenas a 7 de Abril, data que entrou em vigor a Lei 4-A/2020.

    14. Portanto, tal prazo terminou a 26 de Abril, mas como foi domingo, nos termos do disposto no art.113º/2 do CPP, o prazo para a prática do acto transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja 27 de Abril, data em que foi enviado o PIC pelo correio electrónico profissional da mandatária.

    15. Em virtude da inobservância das disposições legais, que foram interpretadas de forma imprecisa pelo Tribunal a quo – o que, apenas se poderá dever à sucessão de diplomas ambíguos - tal não deixa ter efeitos adversos no exercício de direitos por parte da ofendida, nomeadamente, no direito de deduzir pedido de indemnização civil, inviabilizando o ressarcimento pelos danos físicos e morais causados por um acto ilegítimo e violento por parte do arguido, tanto mais que o próprio julgamento já está marcado para o próximo dia 13 de Julho de 2020, podendo ver preterido o seu direito.

    16. Importa, pois, aferir pela obediência aos princípios constitucionalmente consagrados, da Igualdade (art.13º CRP), da Força Jurídica (art.18º CRP), do Acesso ao direito e à Justiça (art.20º CRP) bem como os princípios gerais que se devem reger os tribunais (art.202ºss CRP) - os quais foram sonegados pela análise e decisão contra o escopo da lei – para que a ofendida não seja, por isso, penalizada.

    Termos em que deve o recurso ser julgado procedente e, consequentemente, aceite o Pedido de Indemnização civil apresentado pela ofendida, seguindo-se os ulteriores termos processuais e legais consequências.

    Só assim se fará justiça!” * 3. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

    * 4. Ao recurso respondeu o MP, concluindo: “(…) Dúvidas não existem de que à situação dos autos é aplicável o disposto no artigo 7 nºs 1, 5, 8 e 9 da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, na sua redação original – do qual serão todas as normas doravante citadas sem indicação expressa de diploma - e de que a regra, até 7/4/2020, foi a de que, mesmo nos processos urgentes, os prazos estavam suspensos e só excepcionalmente corriam (cfr. artigo 7, nº5), encontrando-se essas excepções previstas nos citados nºs 8 e 9 do artigo 7, nos seguintes termos: «8 - Sempre que tecnicamente viável (sublinhado nosso), é admitida a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou videochamada.

    9 - No âmbito do presente artigo, realizam-se apenas presencialmente os atos e diligências urgentes em que estejam em causa direitos fundamentais, nomeadamente diligências processuais relativas a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente, diligências e julgamentos de arguidos presos, desde que a sua realização não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.» A questão que se coloca ao Venerando Tribunal de recurso é, afinal, a de saber se a apresentação de PIC no âmbito de processo de arguido preso se enquadra, ou não, nas excepções supra citadas. Entende a recorrente que não, afirmando que: «Por um lado, não se trata de acto que seja viável ser praticado, nos termos elencados no nº8 do supra citado artigo. Por outro lado, não estavam em causa actos referentes a direitos fundamentais, estatuídos no nº9 do referido artigo.» (sic). Salvo o devido respeito não podemos deixar de discordar.

    O PIC pode seguramente ser deduzido nos autos por via electrónica, ou seja, através de meios de comunicação á distância, sem dependência de quaisquer outros, assim como podem ser obtidos por...

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