Acórdão nº 4679/12.2TBGMR-A.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | ALEXANDRA VIANA LOPES |
Data da Resolução | 22 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACÓRDÃO As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam: I.
Relatório: No processo de verificação e reclamação de créditos de X., Lda., que se apresentou à insolvência a 17.12.2012, declarando ser uma sociedade comercial que tinha “por objecto a construção civil e a compra e venda de imóveis”, sociedade esta declarada insolvente por sentença de 03.01.2013: 1.
A Senhora Administradora apresentou lista de créditos reconhecidos a 6.3.2013, no qual declarou em relação aos créditos dos trabalhadores: «* Os créditos reclamados sob os n.ºs7 a 36, de natureza laboral, constituem-se como PRIVILIEGIADOS nos termos do art.47º, nº4 , al.a) do C.I.R.E por força do disposto no art.333º do CTrabalho/Lei n.º99/2003, de 27 de Agosto alterado pela Lei nº7/2009, de 12 de fevereiro- Cfr. norma revogatória (…) * O privilégio é mobiliário geral e gradua-se antes dos créditos privilegiados contidos no art.º747.º, nº1, do CCivil, «in casu» créditos por impostos- cfr. art.333º, nº1s, alínea a) e 2, al. a) do C. Trabalho- e imobiliário especial, apenas sobre os bens imóveis onde decorria a laboração da insolvente, graduando-se este privilégio antes dos créditos privilegiados contidos no art.748.º do C. Civil, «in casu» créditos por contribuições sociais- crf. art.º 333º, nº1, alínea b) e 2, alínea b) do C. Trabalho.» 2.
A 13.12.2018 a Sra. Administradora foi convidada a esclarecer: «* A conexão entre os bens imóveis com hipoteca e as verbas apreendidas; * Quais os imóveis (se os havia) onde os trabalhadores exercessem funções e nas quais gozem de privilégio imobiliário; * Quais os imóveis (apreendidos para a massa insolvente e alvo de liquidação) sobre os quais haja sido reclamado o pagamento de IMI .».
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A 06.02.2019 a Senhora Administradora apresentou a seguinte exposição e requerimento: «1. O resultado da Liquidação do Activo dos bens apreendidos para a Massa Insolvente apura-se da seguinte forma: 1 Produto da Venda de Veiculo Apreendido Matricula MQ /Verba 9 / Auto de Apreensão de Bem Móvel de 22.04.13 550,00 € 2 Produto da Venda das Verbas 2 a 5 (Fracções Autónomas “Q”, “S”, “T” e “V” / Auto de Apreensão de Bens Imóveis de 03.02.14 47.327,00 € 3 Produto da Venda de Bem Imóvel / Verba 7 (Fracção “CA”) /Auto de Apreensão de Bens Imóveis de 03.02.14 10.000,00 € 4 Produto da Venda de Bem Imóvel / Verba 1 (Fracção “BV”)/ Auto de Apreensão de Bens Imóveis de 02.10.14 10.000,00€ 5 Produto da Venda de Bem Imóvel / Verba 9 (Fracção “AY”) /Auto de Apreensão de Bens Imóveis de 03.02.14 6.500,00 € 6 Produto da Venda de Bem Imóvel / Verba 10 (Fracção “AX”) /Auto de Apreensão de Bens Imóveis de 03.02.14 6.500,00 € 7 Produto da Venda de Bem Imóvel / Verba 8 (Fracção “AI) /Auto de Apreensão de Bens Imóveis de 03.02.14 7.025,00 € 8 Produto da Venda de Bem Imóvel / Verba 11 (Fracção “AK) /Auto de Apreensão de Bens Imóveis de 03.02.14 6.000,00 € 9 Produto da Venda de Bem Imóvel / Verba Única (Fracção “AO)/ Auto de Apreensão de Bens Imóveis de 13.10.14 6.000,00 € 10 Transacção Efectuada no Apenso G / Desistência Pela Massa Insolvente da Resolução Operada Contra o Pagamento Pelo A. à Massa Insolvente da Quantia de 50.000,00 € / Prédio Urbano sito … ou … Freguesia e Concelho de Vila do Conde, Descrito na CRPredial sob o n.º … e inscrito na matriz sob o artigo … 50.000,00 € 11 Transacção Efectuada nos Apensos H e I / Desistência Pela Massa Insolvente da Resolução Operada Contra o Pagamento Pelos AA. à Massa Insolvente da Quantia de 30.000,00 € /Fracção “AS” Freguesia e Concelho de Vila do Conde, Descrito na CRPredial sob o n.º … e inscrito na matriz sob o artigo … 30.000,00 € 12 Produto da Venda de Bem Imóvel / Verba 2 (Fracção “E”) / Auto de Apreensão de Bens Imóveis de 02.10.14 Encontra-se na Posse da AI 2.000,00 € 13 Transacção Efectuada na Acção n.º 1681/13.0 TBVCD – J1 Em Que é A. O Edf. Do Condominio … 150,00 € 14 Produto da Venda das Verbas 1 a 5 do Auto de Apreensão de Bens Imóveis de 22.04.13 / Fracções AJ, AO, AP AQ e AR / Lote 1 do Prédio Urbano sito na freguesia e concelho de Vila do Conde, descrito na CRPredial de … sob o n.º … e inscrito na matriz sob o artigo … 80.000,00 € 2. Assim, quanto à identificação dos credores com garantia real, apenas o credor Banco …/BANCO … beneficia de garantia hipotecária sobre os bens apreendidos sob as Verbas n.ºs 2 a 5 (Fracções Autónomas “Q”, “S”, “T” e “V” / Auto de Apreensão de Bens Imóveis de 03.02.14.
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Por sua vez, quanto aos créditos laborais, verifica-se que, quanto às Verbas n.ºs 1 a 5 do Auto de Apreensão de Bens Imóveis de 22.04.13 / Fracções AJ, AO, AP AQ e AR / Lote 1 do Prédio Urbano sito na freguesia e concelho de Vila do Conde, descrito na CRPredial de … sob o n.º … e inscrito na matriz sob o artigo …, embora se encontrasse registada a propriedade horizontal, tal imóvel nunca foi alvo de qualquer edificação, sendo constituído apenas pelo terreno em si; 4. Pelo que os trabalhadores não beneficiam de privilégio imobiliário especial sobre tal imóvel.
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Quanto aos demais imóveis identificados nos pontos 2 a 9 e 12 do gráfico supra, verifica-se que tais imóveis se encontraram num momento ou outro afectos à actividade da insolvente, pelo será de considerar que os trabalhadores aí prestaram trabalho, num sentido abrangente do estabelecimento industrial abrangido pelo privilégio imobiliário especial reconhecido aos créditos laborais.
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Contudo, verifica-se que todos esses bens - identificados nos pontos 2 a 9 e 12 do gráfico supra - resultaram apreendidos para a Massa Insolvente por força das resoluções operadas; 7. Ou seja, à data da cessação do vínculo laboral, tais bens não pertenciam à insolvente, nem estavam afectos à actividade da insolvente, sendo que, nessa data, os trabalhadores não exerciam qualquer actividade nesses bens.
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Pelo exposto, V.ª Ex.ª doutamente decidirá sobre o reconhecimento ou não do privilégio imobiliários especial ao créditos laborais. (…)».
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Notificado o requerimento de I- 3 supra aos credores: 4.1.
A 25.02.2019 O. S. defendeu que o crédito privilegiado sobre os bens imóveis, defendendo: «3.
O legislador refere-se apenas a “bem imóvel” e não a “bem imóvel edificado”.
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Qualquer bem imóvel, urbano ou rústico, com ou sem edificação, desde que seja propriedade do empregador e esteja afeto à atividade desenvolvida pelo trabalhador, representará para este uma garantia, na modalidade de privilégio imobiliário especial.
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Na verdade, apenas “Ficam afastados de tal privilégio todos os imóveis pertencentes ao empregador, que estejam arrendados e/ou que tenham sido afectados a quaisquer outros fins, diversos da sua específica actividade económico/empresarial.”, sendo que “O privilégio imobiliário especial a que alude o artigo 333º, nº1, alínea b) do CTrabalho, abrange todos os imóveis da entidade patronal que estejam afectos à sua actividade empresarial e, à qual, os trabalhadores estejam funcionalmente ligados, independentemente da localização do seu posto de trabalho.” (cfr. Ac. STJ, datado de 30.05.2017, proferido no âmbito do processo n.º 4118/15.7T8CBR-B.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
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Do exposto parece resultar que todos os bens imóveis da empresa necessários à prossecução do seu objeto social serão, em abstrato, objeto de privilégio creditório a favor dos trabalhadores.
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Como referencia a jurisprudência já citada, “igualmente deflui da factualidade assente, a actividade da empresa insolvente não se reduzia àquelas instalações, utilizando também, de forma complementar […] (terrenos para construção urbana e prédios rústicos), para estacionamento de viaturas, cargas e descargas, bem como para depósito de materiais, servindo-se assim dos mesmos para o prosseguimento do seu objecto social.” 8. Em face de tudo quanto se expôs, não merece acolhimento a tese da Sr.ª Administradora de Insolvência no sentido em que será necessária a existência de uma edificação para que os trabalhadores, ora Credores Reclamantes, beneficiem de privilégio imobiliário especial sobre as verbas n.ºs 1 a 5 do Auto de Apreensão de bens imóveis de 22.04.2013.
ALÉM DISSO, 9. Não se compreende a dúvida da Sr.ª Administradora de Insolvência sobre o reconhecimento ou não de privilégio imobiliário especial relativamente aos imóveis identificados nos pontos 2 a 19 e 12 do gráfico apresentado.
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Isto porque, o facto de os bens em causa terem sido apreendidos para a massa insolvente em data anterior à cessação do vínculo laboral dos trabalhadores nada tem que ver com a existência ou não da garantia.
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Se se admitisse que os bens apreendidos para a massa em momento anterior à cessação dos vínculos laborais, por já não “pertencerem” à empresa insolvente, não pudessem consubstanciar uma garantia para os trabalhadores que continuam a desenvolver a sua atividade, assistir-se-ia a uma desproteção intolerável desses mesmos trabalhadores.
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Trabalhadores que continuam a laborar em prol da subsistência da empresa, almejando a sua recuperação e a manutenção dos respetivos postos de trabalho.
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E nem se diga que, à data da cessação do vínculo, os trabalhadores já não exerciam qualquer atividade nesses bens e que essa situação os impede de ser titulares de privilégio imobiliário especial sobre os mesmos.
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A jurisprudência, nesta matéria, é unânime a entender que “O local específico onde cada trabalhador presta funções constitui, como tem sido reconhecido, "mero elemento acidental da relação laboral", "não sendo elemento diferenciador dos direitos dos trabalhadores"; não pode, por isso, funcionar como critério de atribuição de garantias dos créditos que emergem daquela relação” (cfr. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.º 8/2016, publicado em Diário da República – I Série, n.º 74, de 15 de abril de 2016).
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Nesta perspetiva, outro não poderá ser o entendimento senão o de que os trabalhadores gozam de privilégio imobiliário especial sobre as verbas identificados nos pontos 2 a 9 e 12 do gráfico apresentado pela Sr.ª Administradora de Insolvência, reconhecimento que...
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