Acórdão nº 122/13.8TELSB-BK.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE GONÇALVES
Data da Resolução13 de Outubro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1.

No Tribunal Central de Instrução Criminal, NUIPC 122/13.8TELSB, aos 21/11/2019, foi proferido despacho pelo Mm.º J.I.C. que decidiu “por falta de interesse em agir e verdadeiro abuso de direito na posição processual e atribuições de assistente, retira-se a (…) LR (…) a qualidade de assistente nos presentes autos”.

  1. Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso LR , apresentando as seguintes conclusões (transcrição das conclusões): A. O presente recurso deve, obrigatoriamente, subir em separado, imediatamente e com efeito meramente devolutivo, porque a sua retenção o tornaria absolutamente inútil, outra decisão só seria possível mediante uma interpretação inconstitucional do n.º 1 do artigo 407.º do CPP, em violação do disposto nos artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP); B. O despacho recorrido, sem a necessária fundamentação de facto e de direito, violando o disposto n.º 5 do artigo 97.º do CPP, retirou o estatuto de assistente ao Recorrente; C. Mais grave ainda, o despacho recorrido não cumpriu o princípio do contraditório, a que estava obrigado, como é defendido pelas inúmeras decisões dos Tribunais superiores, das quais se cita, a título meramente exemplificativo, que "IV - O princípio do contraditório - com assento constitucional no art. 32.º, n.º 5, da CRP - impõe que seja dada oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afecte ... VI - A densificação do princípio deve, igualmente, relevante contributo à jurisprudência do TEDH, que tem considerado o contraditório, um elemento integrante do princípio do processo equitativo, inscrito como direito fundamental no art. 6.º, § l.º da CEDH."- cfr. c STJ de 07/11/2007 in www.dgsi.pt.; D. O Recorrente não escreveu notícias sobre a matéria em causa nos presentes autos, conforme foi aliás se infere do despacho recorrido, que nem sequer o menciona; E. Desde de 12 de Março de 2019, que o Recorrente não assistiu a qualquer acto de instrução, não requereu, nem lhe foi entregue cópia das inquirições e/ou dos interrogatórios; F. Isto porque, nessa data, o Juiz a quo vedou o acesso dos assistentes aos actos de instrução, o que impossibilitou o Recorrente de exercer os direitos que lhe são conferidos pelo artigo 69.º do CPP; G. Tendo sido impossibilitado o exercício de um direito, não pode ser invocado o seu alegado abuso; H. O despacho recorrido surge, por causa da decisão anterior de vedar o acesso dos assistentes aos actos de instrução, ter sido revogada, por dois acórdãos proferidos pelas 5.ª e 9.ª Secções do Tribunal da Relação de Lisboa; I) Ou seja, para evitar o cumprimento das decisões do Tribunal Superior, foi proferido o despacho recorrido, numa conduta reiterada para impedir que o Recorrente exerça os seus direitos como assistente; J) O despacho recorrido limitou-se a tecer juízos genéricos, não concretizados em factos concretos, pese embora o douto acórdão proferido pela 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, a 15 de Outubro de 2019, ter consignado: "Na verdade, o que se faz é um juízo genérico sobre a ausência de intervenção processual dos vários assistentes, imputando a todos eles, de forma global e não individualizada, os relatos na comunicação social, do conteúdo de interrogatórios e de depoimentos de testemunhas prestadas no âmbito da instrução, sem cuidar de assinalar em relação em qual ou quais deles (dos relatos) interveio a assistente e onde (qual a peça e onde foi publicada)."; K. É público e notório que os meios de prova, as decisões do MP e judiciais, têm sido amplamente divulgados por todos os meios pela comunicação social, dos quais se citam, a título meramente exemplificativo, a SIC, RTP, TVI, Expresso, DN, JN, o que se percebe por causa do relevante interesse público, mas contradiz em absoluto a tese criada pelo Juiz a quo; L. O despacho recorrido repetiu a fundamentação constante do despacho de fls. 53.284 a 53.297, ao invocar uma deliberação da Comissão da Carteira Profissional e o entendimento defendido por algumas personalidades, em órgãos de comunicação social e códigos anotados; M. No entanto, o elemento literal da alínea e) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP, de acordo com as regras previstas no n.º 2 do artigo 9.º do CC, não permite a leitura defendida no despacho recorrido; N. E, não pode ser invocada uma Deliberação da CCPJ, que violou o previsto na lei e que ultrapassou as suas competências legais, já que essa não tem carácter vinculativo e a sua eventual aplicação é inconstitucional, por violação do disposto na alínea c) do artigo 161.º da CRP; O. Ao contrário do invocado pelo Juiz a quo, “...na verdade, o assistente tem o direito de intervir no processo, não está, porém, obrigado a fazê-lo e muito menos de acordo com o juízo de oportunidade ou a vontade do Magistrado do Ministério Público titular do processo (ou do Juiz de Instrução Criminal) porquanto a subordinação não impede que face aquele tenha autonomia." - cfr. Acórdão proferido pela 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, supra mencionado; P. A conduta do Recorrente não integra o abuso de direito, bem pelo contrário, pois tem lhe sido vedado o exercício dos seus direitos; Q. Pese embora não ser aplicável ao caso concreto, acrescenta-se que para se verificar abuso de direito, é necessário que o titular exerça o direito de forma que exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito; R. O Recorrente foi admitido como assistente, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP, por despacho transitado em julgado, sendo titular dos direitos previstos no artigo 69.º, que não podem ser restringidos; S. A decisão proferida, violou, nomeadamente: Artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa Artigos 68.º, 69.º e 289.º do Código de Processo Penal  Pelo que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando o despacho recorrido, com todas as consequências legais.

  2. O Ministério Público junto do tribunal reorrido respondeu ao recurso, concluindo nos seguintes termos (transcrição das conclusaões): 1.º - A decisão recorrida representa uma forma de sanção para comportamentos processuais desenvolvidos nos autos por parte dos assistentes que têm a profissão de jornalistas.

    1. - A decisão agora recorrida não se confunde com a anterior, proferida em Março de 2019, onde se limitava a possibilidade dos assistentes estarem diretamente presentes em diligências de produção de prova, em fase de instrução, até porque se suporta em factos ocorridos posterionnente a essa primeira decisão.

    2. - Os assistentes com profissão de jornalistas admitidos nos presentes autos não tomaram posição sobre a acusação deduzida pelo Ministério Público e não utilizaram o conhecimento dos autos que lhes veio a ser conferido para o exercício de qualquer direito intra processual.

    3. - A admissibilidade da intervenção como assistente, pressupõe a verificação de um requisito de legitimidade (art. 68.º-1 do CPP) e exige o assumir de uma posição processual (art. 69.º-1 do CPP).

    4. - Estando em causa qualquer um dos crimes previstos na alínea e) do art. 68.º do Cod. Processo Penal, desaparece o pressuposto da legitimidade, porquanto o mesmo se passa a verificar relativamente a qualquer cidadão - ficando apenas excluídos casos de conflitualidade de papéis no mesmo processo, uma vez que a alguém constituído como arguido não será admissível assumir o estatuto de assistente.

    5. - No caso dos presentes autos, estando em causa a eventual prática de crimes de corrupção, não existe base legal para distinguir ou sequer para, no momento da admissão, escrutinar a razão de ser do pedido de admissão como assistente, razão pela qual foram proferidas as decisões de admissão como assistentes de cidadãos que exercem as funções de jornalista.

    6. - No entanto, para além do requisito de admissibilidade inicial, entendemos que subsiste para o assistente, uma vez investido nesse estatuto, a vinculação a uma posição processual, isto é, o exercício do direito encontra-se vinculado a determinados princípios, nos quais se devem conjugar a subordinação à actividade do Ministério Público e a defesa de interesses próprios, em particular inerentes à qualidade de vítima.

    7. - Verifica-se que o ora Recorrente, apesar de admitido como assistente, não só não teve qualquer intervenção na conformação do objeto processual, como se fez valer dessa mesma qualidade para ter um acesso privilegiado à actividade desenvolvida pelos demais intervenientes processuais, que de outro modo lhes estaria vedado, com o único propósito de suportar o desenvolvimento de peças jornalísticas acerca dos factos em causa nos autos e dos actos processuais aqui praticados.

    8. - A decisão recorrida identifica um procedimento continuado, constatado em acta e censurado em diversas diligências, que se traduziu na utilização da presença em Tribunal para fazer passar para fora, em direto, via diversos meios de comunicação social, o relato dos depoimentos e interrogatórios ocorridos.

    9. - Entendemos que a exigida vinculação processual subsiste, mesmo que o assistente se decida por uma estratégia de inactividade processual, mas deve, ainda assim, revelar um interesse na causa processualmente legítimo - que pode até ser autónomo e divergente do Ministério Público, ainda que a ele se tenha de subordinar.

    10. - Não é processualmente legítimo que esse interesse próprio, exigido aos assistentes, se reconduza aos inerentes ao exercício da profissão de jornalista.

    11. - Se se puder concluir que o assistente não utiliza as suas prerrogativas para a defesa de um interesse processual mente relevante...

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