Acórdão nº 4203/19.6T8MTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Setembro de 2020
Data | 08 Setembro 2020 |
Órgão | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º 4203/19.6T8MTS.P1Recurso de Contra-ordenação laboral 4.ª SECÇÃOI. RELATÓRIOI.1 B…, SA, C… e D…, inconformados com a decisão da Autoridade Para as Condições do Trabalho, aplicando-lhe uma coima única de 22.000 € , interpuseram recurso de impugnação judicial.
A coima impugnada foi aplicada com base na imputação à arguida sociedade da prática das infracções seguintes: - violação do disposto no art.º 15º n.º 1, 2, 3, 4, 5 e 11 da Lei n.º 102/2009 de 10/09 - incumprimento da obrigação de assegurar aos trabalhadores, de forma continuada e permanente, condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do trabalho, sendo inexistente o planeamento da prevenção, integrando a identificação e a avaliação dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores e a adopção das adequadas medidas de prevenção -, que constitui contraordenação grave punível com coima de 55 UCs (5.610€) a 280 UCs (28.560€), em caso de actuação negligente, e de 145 UCs (14.790€) a 800 UCs (81.600€) em caso de actuação dolosa – art. 15º n.º 14 da referida Lei e, ainda, arts. 554º n.º 4, al. d) e 556º n.º 1, ambos do CT; - violação do disposto no art.º 111º n.º 1 da Lei n.º 102/2009 de 10/09 - não comunicação à ACT da ocorrência de acidente de trabalho, no prazo legalmente previsto para o efeito -, que constitui contraordenação grave punível com coima de 12 UCs (1.124€) a 25 UCs (2.550€), em caso de actuação negligente, e de 26 UCs (2.652€) a 50 UCs (5.100€) em caso de actuação dolosa – cfr. n.º 3 do citado art. 111º e art. 554º n.º 3, al. d), do CT.
Ambas as infracções foram imputadas a título de negligência, tendo-lhes sido aplicadas, respectivamente, as coimas parcelares de 20.000€ e de 2.000€, sendo a final fixada a coima única acima referida.
Pelo pagamento da coima foram, ainda, condenados, como responsáveis solidários, os administradores da arguida sociedade – C… e D….
Na impugnação da decisão judicial os arguidos apresentaram as conclusões seguintes: 1º A participação do acidente de trabalho não foi efectuada de imediato uma vez que se desconhecia a gravidade das lesões sofridas pelo sinistrado, sendo que a lei não define o que se deve entender por “lesão física grave”; 2º A arguida “B…” não violou quaisquer regras de segurança, tendo, inclusive, contratado os serviços de uma empresa externa para elaboração de um estudo de segurança, higiene e saúde no trabalho (datado de 13/01/2013), no qual, contudo, não foi previsto o risco de queda aqui em causa (pelo que nenhuma responsabilidade tem a arguida por tal omissão, a qual só à referida empresa é imputável); 3º A queda apenas ocorreu em virtude de o sinistrado não ter actuado com o cuidado que lhe era exigível (por sua própria iniciativa subiu ao telhado e circulou sobre as telhas, afastando-se da zona correspondente ao percurso seguro); 4º As coimas parcelares são elevadas e, a coima referente ao Proc. n.º 191501085 ultrapassa os limites máximos previstos para uma actuação negligente.
Pediram a sua absolvição ou, subsidiariamente, a aplicação das coimas pelos montantes mínimos.
A impugnação judicial foi admitida e designada data para julgamento.
I.2 Realizado o julgamento, o tribunal a quo proferiu sentença fixando os factos e aplicando o direito, concluindo-a com o dispositivo seguinte: - «De harmonia com o exposto, decide-se julgar totalmente improcedente, por não provado, o presente recurso e, consequentemente, manter a decisão condenatória da autoridade administrativa que condenou a arguida no pagamento de uma coima única de 22.000€, acrescida de custas, sendo os respectivos legais representantes – C… e D… – solidariamente responsáveis por tal pagamento.
Custas a cargo da arguida/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.
Notifique e deposite de imediato.
Após trânsito, comunique, com cópia da presente decisão, à ACT do Porto (art. 45º n.º 3 da Lei n.º 107/09 de 14/09).
(..)».
I.3 Não se conformando, a arguida B…, SA interpôs recurso, o qual foi admitido com o efeito e modo de subida adequados, apresentando alegações finalizadas com as conclusões seguintes: ……………………………………………………..
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I.4 Notificado do requerimento do recurso e respectivas alegações, o Digno Magistrado do Ministério Público apresentou contra-alegações, sintetizando-as nas conclusões seguintes: ……………………………………………………..
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I.5 Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (art.º 416.º do CPP), acompanhando, no essencial, a posição assumida pelo Ministério Público nas contra-alegações, em síntese, entendendo não se verificar qualquer das arguidas nulidades, não dever o recurso ser admitido quanto à condenação numa coima parcelar de 2.000,00€ e, por último, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
I.5.1 Respondeu a recorrente, replicando o que alegou no recurso e, assim, reiterando a posição a posição ai assumida.
I.6 Foram cumpridos os vistos legais e determinada a inscrição para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (art.ºs 403, nº 1, e 412º, n.º 1, do CPP), as questões que se colocam para apreciação são as seguintes: i) Nulidade da audiência de discussão e julgamento e da sentença, por “violação do justo impedimento previstas no artigo 107º n.º 2 e 117º do CPP e (..) nulidade prevista no disposto no artigo 119.º al. c) do CPP, ex vi o disposto no artigo 64.º n.º 1 al. g) do mesmo diploma, e ainda, (..) violação do direito constitucionalmente consagrado de defesa, plasmado no artigo 20º n.º 2 da CRP” [Conclusões 1 a 9 e 13].
ii) Nulidade do despacho de 28-01-2020, que indeferiu o requerimento de 23-01-2020, arguindo a nulidade da audiência de julgamento [Conclusões 10, 11 e 12].
iii) Erro de Julgamento na aplicação do direito aos factos [Conclusões 14 e segts].
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FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTOO tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte: 1. A arguida “B…, S.A” dedica-se à actividade do comércio de veículos automóveis (CAE …..) e tem sede e local de trabalho na Rua …, n.º …, …, Matosinhos.
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É legalmente representada por C…, residente na Av. …, n.º …, Porto, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, e por D…, residente na Rua …, n.º …., …, Santa Maria da Feira, na qualidade de Vogal.
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No ano de 2013, de acordo com o respectivo relatório único, a arguida apresentou um volume de negócios de 5.386.493€.
Processo 191501085 4. F… foi admitido pela arguida no dia 02/01/2014 para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer funções inerentes à categoria profissional de lavador de automóveis.
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No dia 20/08/2014, pelas 16h, no cumprimento de prévia ordem transmitida pela arguida, F… e o colega G… (o qual tem a categoria profissional de pintor de automóveis) deslocaram-se para a cobertura das instalações da arguida para procederem à limpeza de caleiras e à colocação de fios dissuasores de aves.
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A referida cobertura é constituída por placas de fibrocimento e placas translúcidas.
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Os trabalhadores acederam ao local através de uma escada fixa, existente no interior das instalações.
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Na sequência da rutura de uma placa translúcida, F… caiu de uma altura de cerca de oito metros, para o interior da nave, embatendo no solo e sofrendo fraturas múltiplas, ao nível costas/coluna, ombro, braço e mão.
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Notificada para apresentar o relatório de avaliação de riscos, a arguida juntou um documento intitulado “Estudo dos Postos de Trabalho”, elaborado pela sociedade “H…, L.da”, datado de 14/01/2013, do qual não consta a avaliação dos possíveis riscos decorrentes dos trabalhos desenvolvidos pelos dois trabalhadores (F… e G…) – cfr. doc. de fls. 14 a 19 (vide, ainda, doc. junto de fls. 294 a 314).
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Apresentou, ainda, o relatório /análise de acidente, onde é referido não existir avaliação dos riscos nem procedimentos de segurança/plano de trabalhos para as tarefas realizadas na cobertura no momento do acidente – cfr. docs. de fls. 20 a 28.
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Os trabalhos de limpeza desenvolvidos pelos dois trabalhadores envolviam risco elevado de queda em altura.
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A arguida não adoptou/implementou medidas para prevenção de tal risco (nomeadamente o uso de equipamento de proteção coletiva e/ou proteção individual para a realização dos trabalhos em curso no momento do acidente), nem promoveu a sua planificação (tendente à segurança dos trabalhadores), uma vez que não fez a avaliação dos referidos riscos.
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Igualmente não garantiu que o trabalhador F… tivesse conhecimentos adequados e aptidão para executar as tarefas que lhe foram determinadas, assim como que o equipamento de trabalho reunisse as necessárias condições para segurança do trabalhador (designadamente para diminuição do risco de queda em altura).
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A arguida sabia e também não podia desconhecer que tinha a obrigação de se certificar de que o seu trabalhador estava a exercer as tarefas por si determinadas com todas as condições de segurança e que tinha a formação necessária.
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Com relação à limpeza das caleiras no telhado, a arguida tinha transmitido ao sinistrado F… que o mesmo apenas deveria circular pelo percurso de segurança delimitado nas mesmas (as quais estão reforçadas a cimento).
Processo 191501084 16. A arguida não comunicou à Autoridade para as Condições do Trabalho a ocorrência do supra descrito acidente de trabalho no prazo de 24 horas.
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No dia 02/09/2014, a arguida deu entrada nos serviços da ACT, Centro Local do Grande Porto, uma comunicação de acidente de trabalho ocorrido no dia 20/08/2014, através da qual informava que o trabalhador sinistrado estava a subir uma escada no interior das instalações (oficina) para proceder à limpeza do telhado – cfr. doc. de fls. 323 e ss.
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Na sequência dessa comunicação, no dia 18 do mesmo mês, pelas 11h, foi efectuada visita inspetiva ao local do acidente (sito nas instalações da arguida).
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A arguida sabia e não podia...
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