Acórdão nº 2417/16.0T8VIS-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelS
Data da Resolução14 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Embargantes: J. - Reparação e Comércio de Máquinas, Lda., J...

O...

Embargada: E..., S.A. Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra Por apenso à execução que lhes foi movida os Executados vieram deduzir oposição alegando, em síntese e como consta do relatório da decisão proferida: Do título não constam os cálculos que estiveram na base das quantias peticionadas; deve considerar-se ilíquida a dívida exequenda; sendo ónus do exequente efectuar a liquidação de forma clara e inteligível, deve julgar-se inepta a petição e insuficiente o título; apenas a citação dos embargantes pode relevar enquanto acto de interpelação para a intenção da exequente de fazer actuar a exigibilidade imediata de todas as prestações até ao final do contrato; o vencimento da totalidade da dívida ocorreu com a citação e não com a data indicada como sendo o início do não pagamento das prestações; não tendo feito tal interpelação extrajudicialmente, só pode considerar-se efectuada no momento da citação, só sendo devidos os juros e cláusula penal desde tal data.

Notificada da dedução de oposição por parte dos executados, veio a exequente apresentar contestação, alegando, em suma, o seguinte: em consequência do não pagamento das prestações desde 01.11.2014, enviou aos executados carta de interpelação para pagamento das quantias em mora; tais cartas foram-se repetindo no tempo e com regularidade; posteriormente a exequente declarou o vencimento antecipado de todas as prestações; o valor peticionado no âmbito da execução, calculado à data de 15.04.2016, corresponde aos seguintes montantes: €76.833,05 a título de capital, €1.572,31 a título de juros relativos a 03.12.2015 a 15.04.2016, e €478,98 a título de despesas; ainda que se entendesse existir falta da interpelação, sempre a mesma se teria por realizada com a citação dos executados.

Na audiência prévia foram apreciadas e julgadas improcedentes as excepções de ineptidão do requerimento executivo e da iliquidez.

Veio a ser proferida sentença que julgou os embargos nos seguintes moldes: Considerando o supra exposto, julgo procedentes os presentes embargos, julgando demonstrada a insuficiência do título executivo/ inexigibilidade da obrigação no âmbito dos autos de execução que constituem a acção principal, declarando a extinção dos mesmos.

A Embargada interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: ...

BB) Ou seja, não tendo o Recorrente feito prova do envio de carta a declarar o vencimento antecipado de todas as prestações, deveria o tribunal a quo entendido que os juros apenas são devidos após a citação, ou seja, após 27/03/2018.

CC) POR TODO O SUPRA EXPOSTO DEVERÁ A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR SENTENÇA A JULGAR IMPROCEDENTES OS EMBARGOS DEDUZIDOS PELOS RECORRIDOS POR NÃO SE ENCONTRAR DEMONSTRADA A INSUFICIÊNCIA DO TÍTULO EXECUTIVO/INEXIGILIDADE DA OBRIGAÇÃO, DEVENDO APENAS OS EXECUTADOS ABSOLVIDOS DOS JUROS PETICIONADOS CALCULADOS EM €878,46.

Não foi apresentada resposta.

  1. Objecto do recurso Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas a questão a conhecer é: A escritura junta com o requerimento executivo é título suficiente para demandar os Embargantes, valendo a sua citação na acção executiva como interpelação para o pagamento da dívida exequenda? 2. Os factos: São os seguintes os factos provados: ...

  2. O direito aplicável O Embargado demandou os embargantes em acção executiva para pagamento de quantia certa, visando a cobrança da quantia de €78.884,34, a qual respeita a capital mutuado (€76.833,05), cláusula penal (€1.172,83), e juros de mora (€878,46).

    Juntou como título executivo a escritura compra e venda e mútuo, através da qual declarou emprestar à 1.ª Embargante a quantia de €76.833,05, obrigando-se esta a reembolsá-la em prestações mensais.

    Os Embargantes deduziram oposição à execução, alegando, além do mais, que não foram interpelados extrajudicialmente para pagar todo o capital mutuado, tendo essa interpelação apenas ocorrido com a sua citação para a acção executiva.

    Foi proferida sentença que julgou extinta a execução, por falta de título da obrigação exequenda.

    Esta decisão teve como fundamento o facto da falta de pagamento de algumas prestações de uma obrigação apenas tornar exigível o valor total da obrigação assumida, mas não determinar o vencimento automático desse valor total, pelo que, não tendo o Embargado, antes da propositura da presente acção, interpelado extrajudicialmente os embargantes para pagarem o valor da totalidade do capital mutuado, as meras declarações constantes da escritura pública apresentada como título executivo não legitimam a execução da totalidade da dívida, uma vez que não titulam esta obrigação.

    O Embargado recorreu, alegando que a citação dos Embargantes para a acção executiva vale como interpelação para o pagamento do valor mutuado, pelo que a escritura pública do mútuo pode ser considerada título suficiente para a dedução da execução.

    A decisão deste recurso obriga a encarar a questão colocada em dois planos distintos, uma vez que na execução estão demandados a sociedade devedora da obrigação assumida pelo contrato de mútuo e quatro fiadores, tendo o recurso em análise sido interposto pela devedora e dois desses fiadores.

    Há que apurar, separadamente, da existência de título executivo contra a devedora e contra os fiadores recorrentes [1].

    3.1. Da inexistência de título executivo contra a devedora Em regra, nas obrigações cujo cumprimento foi aprazado, o credor só pode exigi-lo após esse prazo ter decorrido.

    Contudo, o art.º 781º do C. Civil estabelece como excepção que se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, como é o caso, a falta de realização atempada de uma delas importa o vencimento de todas, mesmo que o prazo para o seu cumprimento ainda não tivesse decorrido.

    Este art.º tem como seu antecessor o art.º 742º do Código de Seabra que, numa redacção mais feliz, dispunha que nas dívidas, que têm de ser pagas em prestações, a falta de pagamento de uma destas dá ao credor o direito de exigir o pagamento de todas as que ainda se devem.

    Tal preceito foi introduzido no Projecto do Visconde se Seabra, no decurso dos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1867, na sessão da Comissão Revisora realizada em 6.2.1865 [2].

    Dias Ferreira [3], com a concordância de Cunha Gonçalves [4], vislumbrava o fundamento desta solução excepcional, no facto da falta de pagamento de algumas das prestações revelar desde logo má fé ou insolvabilidade do devedor, o que era indiciador de que as restantes prestações também não seriam satisfeitas, revelando-se desnecessário aguardar pelo prazo do seu cumprimento.

    Com uma perspectiva semelhante e que é hoje seguida pela maioria dos autores, Manuel de Andrade referia que se o credor permitiu que o devedor pagasse por prestações para lhe facilitar o pagamento, de maneira que, se este deixa de pagar uma prestação, o credor perde a confiança que nele tinha e, portanto, desaparece a base de que o credor partiu ao fazer concessão, bem se justificando que o credor possa exigir o pagamento da dívida [5].

    Já...

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