Acórdão nº 44/19.9TXLSB-C.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Agosto de 2020

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MOTA RIBEIRO
Data da Resolução03 de Agosto de 2020
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 44/19.9TXLSB-C.P1 – 1.ª Secção Relator: Francisco Mota Ribeiro *Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto 1. RELATÓRIO 1.1 Por despacho de 18/05/2020, proferido no processo n.º 44/19.9TXLSB-C, que corre termos no Juízo de Execução das Penas do Porto, Juiz 5, Tribunal de Execução das Penas do Porto, foi decidido rejeitar o requerimento apresentado pela reclusa B…, no qual esta pretendia a modificação da execução da pena de prisão, de molde a poder ser esta cumprida em regime de permanência na habitação, e por considerar ser tal requerimento manifestamente infundado, nos termos do artigo 148.º, alínea a), do CEPMPL.

1.2.

Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso a reclusa, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões: “1- Quem tem de indicar aos autos a Doença Grave após testes médicos, nos termos do artigo 217º do CPEMPL, é o Corpo Clínico, pois faz parte do processo dos artigos e seguintes enquanto responsável e conhecedor profundo de todas as doenças dos reclusos.

2- Existe da parte do Tribunal a quo uma violação do artigo 217º do CEPMPL e seguintes. Reza o Artigo 217.º CEPMPL o que acarreta a nulidade insanável da sentença.

3- A instrução do requerimento incumbe ao Tribunal a quo e não à reclusa.

4- Em abono da verdade a doença da reclusa é do foro psiquiátrico, e cabe aos serviços aquilatar da sua gravidade.

5- A doença psiquiátrica é invisível, irreversível, grave, e no meio prisional não há assistência médica compatível.

6- O Estabelecimento Prisional onde a reclusa está, não tem no seu corpo clínico qualquer Psiquiatra. tem sim um Psicólogo e Enfermeiros que são bem diferentes da de um médico psiquiátrico.

7- O Recurso é Procedente e o Tribunal a Quo deve praticar todos os procedimentos do artigo 217º do CEPMPL e seguintes até final.” 1.3.

O Ministério Público respondeu, concluindo pela negação de provimento ao recurso, nos seguintes termos: “1.- O recurso merece ser rejeitado por falta de fundamento; 2.- o cumprimento do disposto no art.º 217º, nºs 2 e 3, do CEPMPL só se cumpre se for indicado o motivo concreto para essa pretensão, ou seja, se o requerente padece de doença grave e irreversível, com deficiência, se padecia de doença grave e permanente ou se é já pessoa de idade avançada; 3.- no requerimento para a concessão do MEP, onde a reclusa/recorrente se espraia sobre vários temas, nunca concretiza a situação clínica ou de idade; 4.- os pressupostos para a apreciação de um requerimento de modificação de pena não são os instrumentos que permitem, ou não, comprovar a situação apresentada pela requerente, sendo que, e, ainda, como bem se afirma na decisão, que mesmo que comprovado algum dos possíveis requisitos a concessão daquela só poderia ocorrer se à mesma se não opusessem as necessárias exigências de prevenção especial ou geral.” 1.4.

O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal, emitiu douto parecer, no qual concluiu pela procedência do recurso, nos seguintes termos: “(…) No requerimento apresentado pela arguida em 23.03.2020, refere-se, designadamente (art.º 30.º) que a arguida padece e sempre padeceu de anomalia psíquica grave e que se modificou por agravamento na reclusão; que (art.º 31.º) a reclusão agrava o quadro clínico da condenada; (art.º 32.º) que a reclusão nos termos atuais colide com os direitos à vida e à saúde.

Funda o TEPMPL a sua decisão, além do mais, no facto de “o que ali se refere são hipóteses abstratas, nada se afirmando e, por isso, não se sustentando, designadamente, através de relatório médico, relativamente à concreta situação de saúde da reclusa”.

É sabido que a determinação da doença caracterizada como anomalia psíquica, que poderá não ser patente nem facilmente detetável, carece de contactos, mais ou menos demorados, entre o médico e a/o paciente.

Ora, encontrando-se a reclusa, ora recorrente, em cumprimento de pena, como poderia juntar relatório médico relativo à sua concreta situação de saúde, sem que o tribunal, previamente, tenha ordenado a realização da respetiva perícia? O art.º 30.º da Constituição prescreve que “os condenados (…) mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução”.

Daqui decorre que “o recluso permanece titular de todos os seus direitos fundamentais; em segundo lugar, que as restrições desses direitos fundamentais pressuporá sempre uma lei, que obedecerá aos princípios estabelecidos no art.º 18.º da Constituição, e, em terceiro lugar, que a restrição terá de ter por fundamento o sentido da condenação e as exigências próprias da condenação”[1].

Por outro lado, conforme dispõe o art.º 1.º da Constituição, “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana (…)”.

“A constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade da pessoa humana. O princípio da dignidade da pessoa humana é, pois, a referência axial de todo o sistema de direitos fundamentais”[2].

A dignidade da pessoa humana “tem um valor próprio e uma dimensão normativa específicos. Desde logo, está na base da concretização do princípio antrópico ou personicêntrico inerente a muitos direitos fundamentais (direito à vida, direito ao desenvolvimento da personalidade, direito à integridade física e psíquica (…))”[3].

“O princípio da dignidade da pessoa humana implica uma especial proteção das pessoas mais idosas, daquelas que vivem na miséria, das que são portadoras de doença física ou mental (…), ou seja de todas aquelas que são, por força da sua menor autonomia factual, mais vulneráveis”[4].

A convenção Europeia dos Direitos Humanos proíbe, no seu art.º 3.º, a tortura.

Irineu Cabral...

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