Acórdão nº 76/15.6SRLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelANA SEBASTIÃO
Data da Resolução21 de Julho de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.1.

No Processo Abreviado n.º 76/15.6SRLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa – J2, o Ministério Público interpôs recurso do despacho proferido pela Exma juiz “a quo” em 13-05-22020, apresentando motivação de que extraiu as seguintes conclusões: 1- O presente recurso é interposto do despacho proferido em 13 de Maio de 2020 que indeferiu o pedido de devolução dos mandados de detenção emitidos para cumprimento da prisão subsidiária por se encontrar atingido o prazo de prescrição da pena a que o arguido foi condenado, previsto no artigo 122°, n°1, alínea d) do Código Penal, 2- Determinando que os autos fossem conclusos no dia útil seguinte à cessação da causa de suspensão prevista no artigo, 7. ° da Lei n.° 1 -A/2020, de 19 de Março, alterada pela Lei n.° 4-A/2020, de 6 de Abril, por forma a ser contabilizada a totalidade do prazo de suspensão aplicável aos presentes autos.

3- No dia 18 de março de 2020 foi decretado o estado de emergência em Portugal, através do Decreto do Presidente da República n°14-A/2020, de 18 de março, atenta a situação atual de emergência de saúde pública ocasionada pela epidemia da doença COVID-19; renovado posteriormente pelo Decreto do Presidente da República n.° 17-A/2020, de 02 de abril.

4- Em execução da declaração do estado de emergência, foram aprovados pela Assembleia da República e pelo Governo um conjunto de diplomas legislativos com o propósito de apoiar os cidadãos e as empresas no esforço coletivo de contenção, tendo estes merecido promulgação imediata do Presidente da República.

5- Neste contexto, a Lei n° 1-A/2020 aprovou medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, estando entre elas as atinentes aos prazos processuais. Esta lei veio a ser alterada pela Lei n° 4-A/2020, de 6 de abril.

6- O artigo 7°, n° 1, da Lei n° 1-A/2020, na redacção da Lei n° 4-A/2020, estabeleceu a suspensão de todos os prazos para a prática de actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal.

7- Mais se estabeleceu nos números 3 e 4 que “A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.”, e que “O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.” 8- Com o disposto no artigo 7° da Lei n° 1-A/2020, e posteriormente com a Lei n.º 4-A/2020, criou-se uma nova causa de suspensão da prescrição das penas e das medidas de segurança, a par das indicadas no artigo 125° do Código Penal.

9- No entanto, a aplicação deste normativo no âmbito penal tem de ser efetuada no quadro sistémico de todo o ordenamento jurídico, designadamente efetuando-se uma leitura e aplicação conforme ao Código Penal e à Constituição da República Portuguesa.

Assim, às normas respeitantes à prescrição (do procedimento ou da pena) deve ser sempre aplicado o princípio da maior favorabilidade para o arguido (artigo 2°, n° e 4, do Código Penal).

11- Entender que a nova causa de suspensão da pena (prevista na Lei n°1- A/2020) se aplica aos prazos que, à data da sua entrada em vigor, estavam já em curso seria conferir-lhe um efeito retroativo proibido, em violação do disposto no artigo 29°, n° 4, da CRP, porque mais gravoso para a situação processual do arguido, alargando a possibilidade da sua punição/execução.

12- Note-se que o n° 6 do artigo 19° da CRP expressamente estabelece que «[a] declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar [...] a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos [...]», tendo o mesmo ficado consagrado no n.° 1 do artigo 2.° da Lei n.° 44/86 e expresso nos Decretos do Presidente da República n.° 14-A/2020, de 18 de março, que declarou o estado de emergência (artigo 5.°, n.° 1), e 17-A/2020, de 2.IV, que o renovou (artigo 7.°, n.° 1).

13- O facto de se tratar de uma Lei temporária não afasta a existência de uma situação de sucessão de leis no tempo, não constituindo, sem mais, uma exceção ao princípio da não retroatividade da lei penal.

14- Não estamos em situação enquadrável na única exceção legalmente prevista no artigo 2°, n°4 do Código Penal.

15- Refere-se este normativo à (única) exceção ao princípio da aplicação retroativa da lei penal mais favorável no âmbito da aplicação das leis temporais: aquelas em que uma lei temporária determina uma incriminação nova e que portanto é aplicada a factos posteriores à entrada em vigor da mesma, e cuja penalização se mantem em vigor após a cessação dessa lei (não se aplicando aqui a lei penal mais favorável posterior).

16- Tal não acontece no caso em concreto, uma vez que a situação jurídico-fáctica já se encontrava a decorrer e é uma lei nova (temporária) que vem agravar a situação do arguido, ainda que de forma temporária e decorrente das excecionais exigências do combate à pandemia COVID-19.

17- Nestes casos, e independentemente de se tratar de uma lei temporária ou não, sempre configurará uma situação de sucessão de leis penais no tempo, pelo que a sua aplicação não pode afastar-se do princípio da não retroatividade da lei penal, corolário do princípio da legalidade, nem sobrepor-se à aplicação do regime penal mais favorável em bloco ao arguido.

18- O regime em bloco mais favorável ao arguido é sem dúvida manter como únicas causas de suspensão da prescrição da pena as previstas no artigo 125° do Código Penal, afastando-se a aplicação ao caso concreto do artigo 7° da Lei n°1-A/2020, esta última sem dúvida mais gravosa para o arguido.

19- Apelando ao princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido, o prazo máximo de prescrição da pena de multa a que foi condenado já foi atingido.

Em face do exposto, requer-se que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido, sendo substituído por outro que declare a prescrição da pena de multa a que o arguido foi condenado nestes autos e, em consequência, ordenada a imediata recolha dos mandados de detenção para cumprimento de prisão subsidiária emitidos.

Porém, V. Ex.as aplicarão a costumada JUSTIÇA 2.

O recurso foi regularmente admitido.

  1. Não foi apresentada resposta.

  2. Nesta Relação a Exma Procuradora-Geral Adjunta, apôs o visto.

    Porém, requereu que os presentes fossem considerados de carácter urgente nos termos do art.º 103.º, n.º 1, al f), do CPP., e como tal, tramitados no período de férias judiciais.

  3. Realizou-se a conferência.

    II.

    O despacho recorrido é do seguinte teor.

    CONCLUSÃO - 13-05-2020 =CLS= Vem o Ministério Público promover que se solicite, com a máxima urgência, a devolução, sem cumprimento, dos mandados de detenção emitidos com vista ao cumprimento, pelo arguido, da pena de prisão subsidiária entretanto fixada.

    Sustenta tal promoção na data do trânsito em julgado da sentença proferida nestes autos (a saber, 13/05/2016), no prazo de prescrição da pena previsto no artigo 122.°, n.° 1, alínea d), do Código Penal, e no entendimento, que segue e sufraga, que a suspensão excepcional de prazos substantivos prevista nas Leis n° 1-A/2020, de 19 de Março, e n° 4-A/2020, de 6 de Abril, sendo prejudicial ao arguido, pois alargará necessariamente tais prazos de prescrição, apenas poderá ser aplicada para os factos praticados na sua vigência, respeitando os artigos 19.°, n° 4, e 29.°, n°4, da Constituição da República Portuguesa.

    Pese embora não o refira de forma expressa, parece-nos que, no entender do Ministério Público, a pena aplicada nestes autos prescreveu no dia de hoje (13/05/2020) pelo decurso do prazo máximo de prescrição da pena, entendendo que a...

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