Acórdão nº 135/16.8GELSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO FERREIRA
Data da Resolução09 de Julho de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO.

No processo supra identificado, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 6, foi julgada a arguida AA, filha de BB e de CC, nascida em 17.08.1973, …………., Brasil, nacionalidade brasileira, divorciada, advogada, residente na Av.ª ……………………….. Lisboa, titular do título de residência ………………, imputando-lhe a acusação pública a prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punível pelo artigo 347º, n.º2, do Código Penal e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelo artigo 291º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

Julgada na ausência, a arguida veio a ser absolvida da prática dos crimes imputados na acusação.

** Inconformado, o Mº.Pº.

veio interpor recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação junta aos autos, com as seguintes conclusões que vão transcritas: 1)– Mal andou o Tribunal “a quo” ao absolver a arguida pela prática de um crime de condução de veículo rodoviário, p. e p. no art.º 291.º/1 al. b) do C. Penal e no crime de resistência e coação contra funcionário, previsto e punido pelo art.º 347.º/2 do Cód. Penal.

2)– É entendimento do Ministério Público a sentença recorrida padece do vício enunciado no art.º 410.º/2, alínea a) do C.P.P., ou seja, de insuficiência para decisão da matéria de facto provada.

3)– Com efeito, resulta da fundamentação sentença recorrida que o Tribunal “a quo” entendeu que da acusação faltava factualidade, que reputou por essencial, para a concretização do perigo em concreto, designadamente se ocorreu alguma situação/ /possibilidade de embate com outros veículos que circulavam na via; se circulavam autocarros na via do BUS; se a passagem de sinais vermelhos pela arguida causou algum perigo para peões ou viaturas, que por via desta insuficiência absolveu a arguida.

4)–Conteúdo, entendemos que a investigação da “alegada factualidade omissa” deveria ter sido investigada pelo Tribunal “a quo”, no contexto legal previsto nos artºs 358.º e 359.º do CPP, tendo reflexo, posteriormente, em sede de enquadramento jurídico dos mesmos factos e em sede de determinação da medida concreta da pena.

5)–Acresce que, a factualidade que o Tribunal “a quo” invocou que deveria ter sido articulada na acusação para identificar o “perigo concreto”, apesar de poderem ser “factos novos”, não constituem alteração substancial dos factos descritos na acusação, mas concretização dos já descritos nesta, designadamente do comportamento rodoviário temerária da arguida.

6)–Competia ao Tribunal “a quo” diligenciar pela inquirição oficiosa das testemunhas ouvidas em julgamento, com vista a apurar se ocorreu alguma situação/possibilidade de embate com outros veículos que circulavam na via; se circulavam autocarros na via do BUS; se a passagem de sinais vermelhos pela arguida causou algum perigo para peões ou viaturas, para superar a dúvida que o assaltou, o que nem seria árdua tarefa e que se integrava ainda no âmbito do princípio do acusatório.

7)–Na medida em que o Tribunal “a quo” perante a falta de elementos que eram necessários para a formulação de um juízo seguro de condenação ou de absolvição, não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto, podendo e devendo fazê-lo em obediência ao princípio da investigação oficiosa, ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

8)–Entende também o Ministério Público que a sentença recorrida padece do vício de contradição insanável da fundamentação enunciado no art.410.º/2 alínea b) do C.P.P.

9)–No caso concreto existe manifesta contradição entre os “factos dados como não provados” nos pontos 28, 29 e 28 (2º) e a fundamentação da sentença, constante da página 9, 2.º e 3.º parágrafos.

10)–Os Pontos 28, 29 e 28 (2º) dos “factos dados como não provados” referem: (…) “Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos: 28.

-Na ocasião descrita em 14 a arguida levou arrastado pelo chão o Guarda-Principal PP………………. que se encontrava seguro ao puxador da porta e ao espelho retrovisor.

  1. - Na sequência do descrito em 14 o Guarda-Principal caiu para o solo e rebolou pelo chão. “ (…) 28.

    - E, já num momento posterior, quando o militar da GNR PP……………….. quis abrir a porta do veículo onde seguia a arguida, usou de violência de forma a obstar a que este realizasse acto relativo ao exercício das suas funções. (...)” 11)–A fundamentação da sentença, constante da página 9, 2.º e 3.º parágrafos referem: “(...) direcionamento da vontade, que a culpa qualificada pressupõe (cfr. artigos. 347.º/1 e 14.º/1, 2 e 3, ambos do CP), com a especial vontade antecipada no tipo constante do n.º 2.

    Aqui chegados, importa, agora, verificar se, em concreto, a arguido praticou o crime que lhe vem imputado. A respeito provou-se o seguinte: “Na 2ª Circular, onde o trânsito era bastante intenso, a cerca de 100 metros da saída n.º 4, o condutor do veículo automóvel de matrícula …………….., tentou auxiliar os militares, passando a circular à frente da viatura conduzida pela arguida, de modo a que esta imobilizasse o seu veículo automóvel; Face a tal, o Guarda-Principal PP……………… saiu da viatura militar e aproveitando o facto de arguida ter a arguida ter a viatura automóvel imobilizada no trânsito, tentou abrir a porta do lado do condutor onde a arguida seguia; Porém, a arguida conseguiu colocar, de novo o veículo automóvel em andamento, levando arrastado o Guarda-Principal PP……………………que se encontrava seguro ao puxador da porta e ao espelho retrovisor; A arguida imprimiu maior velocidade ao veículo automóvel, tendo o Guarda-Principal PP……………… caído para o solo e rebolado pelo chão.” (…) Na verdade, tal previsão legal pressupõe uma concatenação entre o ato de desobediência à ordem de paragem e o uso do veículo, dirigido contra o agente, como meio de evitar a referida ordem, o que, quanto nós, não se extrai da factualidade apurada.

    Na verdade, tendo sido a norma claramente pensada para as vulgarmente designadas “operações stop”, em que o visado se encontra posicionado na via, desprotegido face ao veículo que encara e sem possibilidade de dirigir cominação verbal imediata ao agente do crime, afigura-se que não se ajustará perfeitamente aos casos, como é o dos autos, em que o militar da GNR tenta abrir a porta do veículo da arguida, e esta põe o veículo em andamento, não propriamente “dirigindo-se contra” o referido militar, mas apenas para reencetar a fuga. (…)” 12)–Aliás, no conjunto, subsiste também contradição entre a supra indicada fundamentação e os pontos 13, 14 e 15 dos factos provados, uma vez que a fundamentação diz que se “provou um facto” que consta dos “factos não provados”, designadamente, o que aconteceu com o militar da GNR PP………………...

    13)–No caso concreto existe outra contradição, designadamente, entre os “factos provados” nos pontos 22, 23 e 24 e os “factos não provados ” nos pontos 28, 29.

    14)–Os Pontos 22, 23 e 24 dos “factos provados” referem: “(…) 22. Como consequência directa e necessária da actuação do arguido, sofreu o Guarda-Principal PP……………. “traumatismo do ombro e joelho à esquerda”., melhor descritas no relatório médico-legal de fls. 77, 78, 144 e 145, que se dão por integralmente reproduzidas.

  2. - A data da consolidação médico-legal é fixável em 05.07.2016.

  3. - Do evento resultaram as consequências permanentes para o ofendido PP………………. a cicatriz rosada na face anterior do joelho esquerdo. (…)” 15)– Resulta dos pontos 22, 23 e 24 dos “factos provados” que foi a conduta da arguida- diga-se a condução do veículo - que causou lesões físicas ao militar da GNR PP.

    16)– Todavia, compulsada a matéria a facto, não constam quaisquer “factos provados” praticados pela arguida que sustentem que as lesões causadas no militar da GNR sejam consequência directa e necessária da actuação da mesma.

    17)– Acresce que os factos que sustentam o nexo de causalidade entre a conduta da arguida e as lesões sofridas - “traumatismo do ombro e joelho à esquerda”, melhor descritas no relatório médico-legal de fls. 77, 78, 144 e 145- foram dados como “não provados” nos pontos 28 e 29, acima transcritos.

    18)– Existe contradição insanável na própria fundamentação de facto da decisão e contradição entre a fundamentação de facto e a motivação da decisão de facto.

    19)– Julgamos ter ficado patente a existência, na sentença recorrida, do vício previsto no art.º 410. °/2, al. b) do Cód. Proc. Penal e por isso não deve manter-se a decisão sobre matéria de facto.

    20)– Por fim, o Ministério Público entende que, a decisão proferida padece de erro de julgamento, previsto no art.º 412.º/2 al. c) do CPP e viola o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.º 127.º do CPP e viola o art.º 291.º do CP.

    21)– In casu, o Ministério Público entende que estão incorretamente julgados todos os factos dados como “não provados”, a saber os pontos 28, 29, 30, 27, 28 e 29 por existir prova em contrário, devendo ser considerados como provados; 22)– O Tribunal “a quo” deu como “factos não provados” os pontos 28, 29, 30, 27, 28 e 29 .

    23)– O Ministério Público entende que em face de toda a prova testemunhal e documental produzida em sede de audiência de discussão e julgamento - designadamente as declarações das testemunhas DD, depoimento gravado na audiência de 18.10.2019, com início pelas 15h25m e encerrado às 15h36m, EE, depoimento gravado na audiência de 18.10.2019, com início pelas 15h40m e encerrado às 16h03m, HH, depoimento gravado na audiência de 13.11.2019, com início pelas 09h42m e encerrado às 10h, DD, depoimento gravado na audiência de 13.11.2019, com início pelas 10h06m e encerrado às 10h30m - conjugada com e prova documental carreada para os autos- designadamente o auto de notícia de fls.2 a 5 que descreve de forma pormenorizada todo o comportamento da arguida na data dos factos, corroborando pelas declarações...

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