Acórdão nº 6/19.6GABT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução22 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório 1. No identificado processo, o arguido J. V.

foi submetido a julgamento e por sentença proferida e depositada em 10/03/2020, foi condenado como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts.º 3.º n.º 2 als. a) e q) e n.º 12 e 86.º n.º 1 al. d) e e) da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), no montante global de € 480 (quatrocentos e oitenta euros) e absolvido da autoria material de um crime de violência doméstica agravado pelo uso de arma de fogo, p. e p. pelo art.º 152.º n.º1 al. b), n.º 2 al. a) e n.ºs 4 e 5 do C. Penal.

  1. Inconformado com essa decisão, o arguido interpôs recurso cujo objecto delimitou com as seguintes conclusões (sic): « (…) B) Motivando a decisão prolatada a prova testemunhal produzida em sede de audiência e julgamento, e a prova pericial e documental junta aos autos, designadamente a fls 190/191, 192, 193/195, 233, 234 e 235, o relatório social de fls 306/308 e o registo criminal do aqui Recorrente, a fls 290/291.

    1. Ora, não se conforma, nem se pode conformar, o Recorrente, com a decisão prolatada, senão vejamos: D) O aqui Recorrente foi constituído arguido à ordem do processo 40/08.1GCPVA, que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Vila Pouca de Aguiar, Unidade de Apoio, autos esses nos quais foram apreendidas 4 munições de G3, calibre 7,62 mm e 9 munições do mesmo tipo e calibre.

    2. Precisamente as mesmas que foram apreendidas, posteriormente, à ordem do presente processo.

    3. Nesse referenciados autos, há mais de onze anos face à presente condenação, foram realizados exames periciais às munições apreendidas, nos quais se concluíram que, atento o mau estado de conservação, não se encontravam em condições de serem disparadas, concluindo-se que não se poderiam enquadrar no legalmente previsto no n.º 3 do artigo 2.º da Lei 5/2006.

    4. Facto este que era do conhecimento dos Órgãos de Polícia Criminal competentes nos presentes autos.

    5. Veja-se ainda, neste sentido, o despacho de arquivamento, que ora se pretende juntar com o presente recurso.

    6. A presente decisão muito surpreendeu o aqui Recorrente, pois já havia sido julgado, à data, pelo crime que agora resultou na sua condenação em sede de primeira instância, e especialmente porque foi notificado pelos serviços competentes no processo 40/08.1GCPVA para proceder ao levantamento das munições em crise nos presentes autos.

    7. Pelo que, e desde já se diga que, por exigir o tipo de crime no qual foi o Recorrente condenado a existência de dolo, e atento o vindo de expor, e bem assim o conteúdo do despacho de arquivamento que se pretende juntar como DOC.1 aos presentes autos, em que foi o Recorrente instado para proceder ao levantamento, não pode este ser condenado pela posse das munições.

    8. Até porque foi criado um juízo de conformidade com a ordem jurídica pelo Digmo. Magistrado do Ministério Público titular do processo n.º 40/08.1GCPVA, quando notificou o aqui Recorrente para proceder ao levantamento das munições, caso contrário incorreria numa multa diária pelo depósito das mesmas.

    9. Pelo que é inegável que o pressuposto da culpa no presente crime é inexistente, e, assim, desde já cumpre referir que não poderia o aqui Recorrente ter sido condenado pela sua prática.

    10. Acresce ainda que a condenação do aqui Recorrente pelo crime de detenção de arma proibida resulta numa violação do princípio constitucionalmente previsto de ‘’ne bis in idem’’, enunciado no artigo 29.º, número 5 da Constituição da República Portuguesa.

    11. Pois já tinha o Recorrente sido constituído arguido pela prática desses factos, resultando num arquivamento daqueles autos, conforme referido.

    12. Padece assim, a decisão recorrida, de inconstitucionalidade.

    13. Assim, e atendendo à surpresa com o teor da decisão, é imprescindível a junção do referenciado DOC.1 para a descoberta da verdade material, por não antes ter sido possível juntar aos presentes autos, requerendo-se agora seja deferida essa pretensão, para a realização da habitual inteira e sã justiça.

    14. Entendendo-se que será de absolver o aqui Recorrente da prática do crime de detenção de arma proibida pelo qual foi condenado.

    15. O presente recurso tem como parte do seu fundamento a violação do disposto nos artigos 29.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e artigo 3.º, número 2, alíneas a), b) e q) e número 12 e artigo 86.º n.º 1, alíneas d) e e) da Lei n.º 5/2006, de 23/02.».

  2. Admitido o recurso, o Ministério Público, em 1ª instância, apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso por os factos dados como provados e não provados resultarem de uma análise criteriosa de todos os meios de prova produzidos em julgamento, máxime das prova documental e pericial junta aos autos e que conjugada na sua globalidade permitiu chegar ao convencimento seguro de que o arguido praticou os factos pelos quais foi acusado e condenado, não tendo sido violado o princípio ne bis in idem consagrado no artigo 29.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

  3. Essa argumentação foi também sustentada neste Tribunal pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, que acrescentou, ainda, que o documento junto pelo recorrente apenas na fase de recurso, visando fundamentar uma modificação da matéria de facto dada como assente, deve ser julgada extemporânea.

  4. Cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP, efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência.

    *II – Fundamentação Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo de questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, neste recurso suscitam-se as questões da impugnação da matéria de facto por erro de julgamento e a violação do princípio ne bis in idem.

    *Importa decidir, para o que deve considerar-se como pertinentes os seguintes factos tidos por provados (sic): «(…) 6) Desde data não concretamente apurada e até ao dia 15/04/2019, o arguido detinha no interior do quarto por si ocupado na casa dos pais (sita na Rua ..., n.º ...): a. Três munições de calibre 7,62 x 51mm, de percussão central, constituídas por invólucro, projéctil perfurante, fulminante, carga propulsora, para uso em armas de fogo Longas (munições de classe A); b. Uma munição de calibre 7,9 x 57mm, de percussão central, constituídas por invólucro, projéctil perfurante, fulminante, carga propulsora, para uso em armas de fogo Longas (munições de classe A); c. Nove munições de calibre 5,56 x 45mm, de percussão central, constituídas por invólucro, fulminante, carga propulsora e projéctil de madeira, para uso em armas de fogo Longas, produzidas exclusivamente para forças militares (munições de classe A).

    7) O arguido não era titular de licença de detenção, uso ou porte de arma que legalmente o habilitasse à detenção, posse ou uso das munições que detinha; 8) O arguido quis agir como agiu, detendo as munições que lhe foram apreendidas, conhecendo as suas características e bem sabendo que a detenção das mesmas, pelas suas características e nas condições mencionadas, não lhe era permitida; 9) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal; (…).

    *Motivação da Decisão de Facto «Para considerar os factos provados e não provados supra enumerados, o Tribunal alicerçou a sua convicção nos depoimentos prestados pelas testemunhas, assim como nos documentos juntos aos autos, especificamente o auto de busca de fls. 190/191, o auto de apreensão de fls. 192, o relatório fotográfico de fls. 193/195, relatórios periciais de fls. 233, 234 e 235, o relatório social de fls. 306/308 e o certificado de registo criminal de fls. 290/291.

    A análise crítica da prova foi feita segundo o princípio da livre apreciação, nos precisos termos do art.º 127.º do C.P.Penal, i.e., segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador.

    O arguido não prestou declarações, exercendo o seu direito ao silêncio.

    (…) Centremo-nos nos pontos 6) a 9) da matéria de facto provada.

    Da prova documental junta aos autos, especificamente do auto de busca de fls. 190/191, do auto de apreensão de fls. 192 e do relatório fotográfico de fls. 193/195, foi possível concluir que as referidas munições se encontravam no interior do quarto ocupado pelo arguido na casa dos seus pais (sita na Rua ..., n.º ...).

    A partir do conteúdo dos relatórios periciais de fls. 233, 234 e 235 conclui-se pelas características das referidas munições.

    Relativamente à detenção das referidas armas pelo arguido, o Tribunal chegou a tal conclusão a partir dos restantes factos dados como provados. Utilizou-se, pois, o método da prova indiciária.

    A prova indiciária baseia-se numa “matemática” bastante simples: o julgador conjuga um ou uma série de factos provados para daí retirar uma conclusão que não se encontra directamente provada por qualquer meio de prova1(Nas palavras de SANTOS CABRAL, “na prova indiciária existe um facto demonstrado através de uma prova directa ao qual se associa uma regra da ciência (…). Esse facto indiciante permite a elaboração de um facto-consequência em virtude de uma ligação racional e lógica” (in ob. cit., pág. 421).

    Todavia, a conclusão não pode ser retirada de qualquer premissa ou de qualquer regra de experiência comum. Os indícios deverão ser graves, precisos e concordantes e terão de resultar de prova directa2 (Para mais desenvolvimentos sobre as características dos indícios, v. SANTOS CABRAL in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2014, págs. 421 a 425).

    No caso concreto, as munições encontravam-se no interior do quarto do arguido. Apesar da residência ser partilhada com os seus pais, o espaço em causa é um espaço destinado apenas ao arguido e, assim, privado.

    O arguido (ou qualquer testemunha ou meio de prova produzido) não avançou...

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