Acórdão nº 384/14.7T8OLH-D.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 04 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução04 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 384/14.7T8OLH-D.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Comércio de Lagoa – J2 * Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: A sociedade “(…), Limitada” foi declarada insolvente e o subsequente incidente de qualificação da insolvência julgado parcialmente procedente, tendo o afectado pela qualificação (…) interposto recurso desta decisão.

* A “(…) – Sociedade de Investimento e Consultadoria, Unipessoal Limitada” veio requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 188º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Para tanto, a requerente alegou que a insolvente não fez entrega ao Administrador Judicial da documentação referente à sua contabilidade, desde de 2011; os sócios e gerentes de facto sabiam que os capitais próprios da sociedade eram inferiores a metade do capital social; existiram problemas na apresentação das contas referentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014; ocorreu a violação do dever de entrega das declarações contributivas e tributárias e bem como da obrigação de manter a contabilidade organizada, com prejuízos sérios e relevantes para a compreensão da situação patrimonial da devedora.

Mais sustentou que o estabelecimento da devedora se encontrava encerrado e sem exercer actividade desde 2013, os sócios gerentes dissiparam equipamento e bens móveis aí existentes e celebraram um acordo de revogação do contrato de arrendamento por via do qual o administrador de facto recebeu na sua conta pessoal quantias avultadas.

* Foi declarada a abertura do incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno nos termos do nº 1 do artigo 188º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

* O Administrador de Insolvência proferiu parecer – que viria a ser posteriormente complementado – no qual reiterou a factualidade e as conclusões que foram alegadas pela requerente e, com base nisso, propôs a qualificação da insolvência da devedora como culposa e com a afectação dos seus gerentes de facto e de direito.

* O Ministério Público emitiu parecer no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa nos termos dos artigos 185º e 186º, nºs 1 e 2, alíneas d) e h), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. No entanto, considera inexistir violação reiterada do dever de colaboração, em face do teor dos esclarecimentos que foram posteriormente prestados pelo Administrador de Insolvência.

* Os requeridos (…) e (…) vieram deduzir oposição e impugnaram os factos e as conclusões jurídicas articuladas pela requerente no seu articulado.

* Foi proferido despacho saneador no qual foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, que não sofreram qualquer reclamação.

* Realizada audiência de discussão e julgamento, o Tribunal «a quo» decidiu: a) qualificar como culposa a insolvência da sociedade “(…), Limitada”.

  1. absolver os requeridos (…) e (…) da declaração de afectados pela qualificação da insolvência da devedora.

  2. declarar (…) afectado pela qualificação da insolvência da sociedade “(…), Limitada”.

  3. declarar (…) inibido para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de três anos.

  4. determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por (…).

  5. condenar (…) a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos nos autos, até às forças do respectivo património, sendo o valor da indemnização o devido, de acordo com os créditos reconhecidos.

    * O afectado pela qualificação não se conformou com a referida decisão e o recurso apresentado continha as seguintes conclusões: «

    1. A decisão do Tribunal a quo é nula de acordo com o disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c), do Código Processo Civil, pois existe contradição entre o facto dado provado no ponto 10 dos factos provados e a motivação da decisão de facto.

    2. Efectivamente, o Tribunal a quo dá, no ponto 10, como provado que “na sequência da realização do pagamento do valor mencionado em 9), o requerido (…) canalizou o montante de € 11.940,72 (onze mil, novecentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos) ao pagamento de despesas próprias”.

    3. Contudo, na motivação de facto refere que tal não se extrai diretamente da valoração da prova documental mas da confissão do próprio requerido (…) que admitiu ter canalizado parte de um crédito, que era da titularidade da sociedade devedora, para o custeamento de “despesas ditas de pessoais”, mas conexas com a atividade por si desenvolvida com o fito de debelar o passivo da sociedade.

    4. Ora se são despesas conexas com a atividade desenvolvida pelo Requerido (…) para debelar o passivo da sociedade, não podem as mesmas ser consideradas despesas próprias.

    5. Não poderia o Tribunal a quo dar como provado, como o fez no nº 10 dos factos dados como provados que “na sequência da realização do pagamento do valor mencionado em 9), o requerido (…) canalizou o montante de € 11.940,72 (onze mil, novecentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos) ao pagamento de despesas próprias”.

    6. Para fundamentar essa decisão de facto remete o Tribunal a quo para as declarações do Requerido ora Recorrente que disse: “Sr. (…): Utilizados deste dinheiro tenho 101 mil quinhentos e nove euros.

      Sra. Juíza: E a restante parte? Sr. (…): A verdade é só uma …quer dizer…não há…não vale a pena….isto é…a verdade é só uma…eu andei pelo caminho sem nenhum tipo de rendimentos…quer dizer…a suportar despesas pessoais mas a trabalhar para isto e quer dizer…de algum lado tinha que vir…ou ia roubar… Sra. Juíza: Portanto, foi para assegurar a sua subsistência? Sr. (…): Não, a subsistência e a capacidade…quer dizer…no fundo de tratar deste assunto pequenas coisas que no fim somam quatro ou cinco mil euros que não posso imputar diretamente aqui, mas que gastei para isto.

      Sra. Juíza: As pessoas não vivem do ar também há convicção disso (24/01/2020 – 10:16:29 – aos 25m e 10 segundos do seu depoimento) G) Salvo o devido respeito, o que se pode retirar deste depoimento é que o gerente de facto pagou despesas de subsistência para continuar a trabalhar para reduzir o passivo da sociedade insolvente.

    7. Se não pagasse essas despesas não conseguiria continuar essa tarefa de redução do passivo.

    8. Que efectivamente veio a conseguir, tendo reduzido um passivo de € 149.015,39, o existente em 2013, para € 30.469,19, o reclamado como crédito no âmbito da insolvência.

    9. Facto reconhecido na douta sentença recorrida.

    10. Ora, esta realidade de pagar despesas de subsistência, como, não e dito, mas imagina-se, alimentação, eventualmente deslocações, despesas de combustível, foi feito com o único propósito de salvaguardar a solvabilidade da empresa.

    11. Ora sendo estas despesas de subsistência conexas com a actividade desenvolvida pelo Sr. (…) para debelar o passivo da sociedade.

    12. Não pode o Tribunal a quo dar como preenchidas as alíneas d) e e) do nº 2 do artigo 186º do CIRE, que pressupõem precisamente o raciocínio contrário, que é, favorecimento pessoal ou de terceiro em prejuízo da sociedade. Este raciocínio resulta claro da letra da lei, onde consta “… uso de crédito ou bens da sociedade contrário ao interesse desta”.

    13. Bem como a expressão “em proveito pessoal”, quando tudo o que foi gasto foi em proveito da sociedade.

    14. Sendo certo, que as mesmas não ultrapassaram o montante de quatro a cinco mil euros como o recorrente referiu. Repare-se que não existe outra prova, nem é referido que exista.

    15. Não podendo o Tribunal a quo, unicamente através do depoimento do Sr. (…), dar como provado que o mesmo “canalizou o montante de € 11.940,72 (onze mil, novecentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos) ao pagamento de despesas próprias”.

    16. Nem tendo o Tribunal a quo fundamentado a sua decisão de como chegou ao valor de € 11.940,72 (onze mil, novecentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos).

    17. Deveria ter sido dado como não provado o ponto 10 dos factos dados como provados por não ter sido feito prova do mesmo e por estar em contradição com a motivação da decisão.

      Nestes termos, deve ser revogada a sentença recorrida em sua substituição ser proferida uma outra que declare improcedente a qualificação da insolvência como culposa, declarando-a fortuita».

      * Não foram apresentadas contra-alegações. * Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.

      * II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do citado diploma).

      Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da existência: i) nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

      ii) erro na definição da matéria de facto.

      iii) erro interpretação e aplicação do direito quanto à existência de conduta culposa na insolvência. * III – Decisão de facto: 3.1 – Factos provados: Com interesse para a boa decisão da causa apuraram-se os seguintes factos: 1. A sociedade “(…), Limitada” foi declarada insolvente por sentença datada de 21/08/2015.

      1. A insolvência da devedora foi requerida em 12 de Novembro de 2014 pela «(…) – Sociedade de Investimento e Consultadoria, Unipessoal, Limitada».

      2. Os requeridos (…) e (…) foram nomeados, por deliberação datada de 29 de Julho de 2011, gerentes de direito da devedora.

      3. A sociedade devedora era, contudo, sem oposição dos gerentes de direito, e sem prejuízo da subscrição o ocasional de documentos por parte dos mesmos, exclusivamente administrada pelo requerido (…).

      4. Desde a data da sua constituição, que...

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