Acórdão nº 1131/13.2TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução09 de Junho de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo n.º 1131/13.2TACBR do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Coimbra – Juízo Inst. Criminal – Juiz 3, encerrado o inquérito o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos A.

, B.

, C.

, D.

, E.

, F.

e G.

, imputando, a cada um, a prática, em autoria material, de um crime de homicídio negligente, por omissão, p. e p. pelos artigos 10.º e 137.º, n.º 1, ambos do Código Penal.

  1. Inconformados com a acusação os arguidos E.

    , A.

    , G.

    , B.

    e F.

    requereram a abertura da fase de instrução, finda a qual, em 03.09.2019, foi proferido despacho de não pronúncia relativamente a todos eles.

  2. Do despacho de não pronúncia recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões: 1. No encerramento do inquérito, foi proferido despacho de acusação contra os médicos que prestaram assistência a (…) nos HUC, no período compreendido entre as 21.56 horas do dia 7 de julho de 2013 e as 11.15 do dia seguinte, imputando-lhes a prática de um crime p. e p. pelos artigos 10º e 137º, n.º 1 do Código Penal.

  3. Foi depois proferido despacho de não pronúncia, por considerar o Senhor Juiz que se não indicia suficientemente que a morte tenha resultado da conduta omissiva dos arguidos e que essa omissão tenha conduzido à morte da paciente; e que o princípio in dubio pro reo beneficiaria os arguidos quanto ao nexo de causalidade, inexistindo uma probabilidade de futura condenação dos mesmos em julgamento.

  4. Afigura-se-nos, porém, que não lhe assiste razão, pois que os elementos reunidos nos autos fazem crer que existe uma possibilidade razoável de futura condenação dos arguidos em julgamento, que se afigura como mais provável do que a absolvição, pelo que deveria ter sido proferido despacho de pronúncia.

  5. Nesta matéria é indispensável o juízo pericial, mas afigura-se-nos que a decisão instrutória não considerou corretamente quer o parecer do CML, quer os esclarecimentos prestados pelos Peritos, dos quais resulta, para além da violação das leges artis por parte dos arguidos, que a mesma contribuiu para a morte, a qual não era seguro ou altamente provável que ocorresse caso eles tivessem cumprido o dever de cuidado, como podiam e a que estavam obrigados.

  6. Salientamos que no parecer se refere que essa “violação contribuiu para a não realização de diagnóstico de fasceíte necrotizante mais precocemente e consequentemente no atraso da decisão de desbridamento cirúrgico do local da infeção”, que “esta patologia cursa com altas taxas de mortalidade, mesmo quando o diagnóstico e o tratamento é instituído (antibioterapia, desbridamento cirúrgico, terapêutica de suporte de vida) no início do quadro clínico” e que “”O curso clínico desta patologia é geralmente muito rápido nos doentes sem diabetes, mas nos doentes diabéticos pode ser extremamente rápido, sendo necessário em alto grau de suspeição diagnóstica nas fases iniciais”.

  7. Sendo que, como o Prof. (…) esclareceu em inquérito, no quadro que a doente apresentava era necessária cirurgia o quanto antes, e que “não podendo o Conselho afirmar com a necessária certeza que se o foco infecioso da doente fosse detetado em momento precoce e realizada a cirurgia esta não teria igualmente falecido, considerando que mesmo nesse caso a taxa de sucesso não teria ultrapassado os 30%, por aquela patologia cursar com altas taxas de mortalidade, especialmente em doentes diabéticos”.

  8. E em instrução referiu ainda que com o correto e atempado diagnóstico e a realização do tratamento cirúrgico, a morte não ocorreria necessariamente e que a atuação num momento precoce daria à doente uma possibilidade de sobreviver; e se, como disse, num diabético a doença evolui mais rapidamente, o acompanhamento mais de perto, permitiria um diagnóstico mais precoce e que o tratamento se realizasse mais cedo.

  9. Também o Perito nomeado pelo Tribunal referiu tender a concordar com as conclusões da consulta, aventando uma probabilidade de morte de 40% caso a fasceíte tivesse sido diagnosticada mais cedo e uma maior probabilidade de a doente sobreviver; salientamos ainda a referência ao Professor (…), cirurgião que no dia 8, no HG, determinou a realização de angio-tac e a cirurgia de desbridamento.

  10. Perante esta prova, entendemos seguro concluir que a taxa de sucesso de uma intervenção atempada em doentes diabéticos é inferior à que ocorreria com doentes saudáveis e não ultrapassará os 30 ou 40%, e que não se pode concluir que no caso a morte ocorreria necessariamente.

  11. Tal gravidade e tais reservas não afastam a imputação do resultado à conduta omissiva dos arguidos, que estavam em condições de poder agir doutra maneira e adotar a conduta esperada e que se entendeu terem violado as leges artis, como bem se fundamentou na decisão recorrida.

  12. Perante os elementos supra referidos, entendemos que não se verificava uma forte probabilidade de a doente morrer ainda que os arguidos tivessem atuado como podiam e deviam; e só não haverá responsabilidade se a morte seguramente ocorresse ou se fosse altamente provável que viesse a ocorrer, o que não se indicia.

  13. Antes se indicia que se os arguidos tivessem adotado a conduta que podiam e a que estavam obrigados teriam diminuído consideravelmente o risco de morte e que ao não terem assim procedido, protelando o diagnóstico e não realizando o tratamento correto, potenciaram o perigo e risco de vida da doente, contribuindo para a sua morte.

  14. Não se indiciando que “a f.i.n é em princípio cirurgicamente irreversível, pelo que não é possível … formular uma possibilidade de sobrevivência naqueles termos”, o que não foi referido no parecer nem pelos Senhores Peritos; sendo que os valores referidos quanto à taxa de sucesso da intervenção atempada distanciam-se de uma situação de irreversibilidade; é mesmo referido que a cirurgia que iria ser realizada no HG teria uma possibilidade mínima de sucesso.

  15. Perante toda a prova reunida nos autos, e de que salientamos a consulta técnico-científica e os esclarecimentos prestados pelo seu relator, é também nosso entendimento que a conduta dos arguidos contribuiu para a morte de (…); 15. Por os mesmos, como podiam e deviam, não terem procurado identificar e localizar o agente e o foco da infeção, não procedendo à realização de angio-tac, o que contribuiu para a não realização atempada do diagnóstico e consequentemente para o atraso na decisão da cirurgia, conduzindo a um quadro infecioso irreversível que resultou na sua morte.

  16. Entendendo-se que os elementos reunidos nos autos não excluem nem suscitam dúvidas quanto à verificação do nexo de causalidade, antes permitem concluir pela existência de indícios suficientes da prática pelos arguidos dos factos e crime pelo qual foram acusados, afigurando-se-nos que em julgamento, com base nesses elementos, é altamente provável a sua condenação ou, pelo menos, é mais provável a sua condenação do que a absolvição.

  17. Pelo que, existindo indícios suficientes de todos os factos constantes da acusação, deve o despacho de não pronúncia, que violou o disposto nos artigos 308.º, n.º 1, 283.º, n.º 2 e n.º 3 do Código de Processo Penal e 10º e 137º, n.º 1 do Código Penal, ser substituído por outro que pronuncie os arguidos em conformidade.

    No entanto, Vossas Excelências melhor decidirão, fazendo JUSTIÇA.

  18. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

  19. Ao recurso responderem os arguidos (transcrição das conclusões): B.

  20. Por tudo quanto antecede, afirmamos que não assiste razão à posição sustentada pela Dmª Magistrada do Ministério Público.

  21. O arguido, tendo que cuidar da infeliz paciente (…), num episódio de Serviço de Urgência ocorrido a partir do início do dia 8 de Julho de 2013, agiu nos atos médicos praticados, de forma correta, sem violação de qualquer preceito legal.

  22. O arguido, não contribuiu de forma nenhuma para que a paciente (…), por ele observada nos Serviços de Urgência do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, viesse a falecer.

  23. O arguido agiu sempre, no contacto que teve então com a paciente, no cumprimento escrupuloso das suas “legis artis”.

  24. Doutro modo, também não violou nenhum dever de cuidado, que estivesse obrigado a cumprir, de forma mais específica ou incisiva, que tenha que ser aferido pelos protocolos de diagnóstico e terapêutica, ou de execução ou procedimentos médicos.

  25. Inexistem nos autos, quaisquer elementos que possam permitir o estabelecimento de qualquer causalidade adequada, entre o comportamento do arguido enquanto médico, e o falecimento da infeliz (…).

  26. Não há factualidade nos autos, que permitam demonstrar o nexo causal efetivo e a conexão típica, entre um ato eventualmente negligente do arguido e o decesso da paciente (…).

  27. De igual modo, também não fluem dos autos elementos sérios e idóneos que permitam indiciariamente que seja, realizar a imputabilidade penal ao arguido.

  28. O arguido, cuidou da paciente e praticou atos médicos de acordo com as regras científicas e técnicas e princípios profissionais, que como médico tem a obrigação de conhecer. Agiu de acordo com o complexo de regras adotadas genericamente pela ciência médica.

  29. De acordo com o que se alegou, nas presentes contra-alegações de recurso, e de tudo quanto consta dos autos, o arguido inicialmente diagnosticou à doente uma mialgia, face a roptura muscular, porque todos os sinais clínicos que a mesma apresentava, eram com tal diagnóstico compatíveis.

  30. Inicialmente o exame médico que lhe vem a conhecimento, um ecodopler, pedido pela colega que o antecedeu, levava nesse sentido.

    Todos os sinais eram coerentes com tal diagnóstico.

  31. Observou a paciente no Serviço de Urgência sempre com a paciente monotorizada e hemodinamicamente estável.

  32. Quando perscrutou alteração do edema da perna da paciente, para além de anteriormente ter pedido RX, e de lhe ter ministrado ao longo da noite, medicamentação atinente ao seu estado, resolveu pedir exames microbiológicos para...

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