Acórdão nº 435/17.0GHSTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução26 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

I Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Sumário acima identificados, do Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Santiago do Cacém, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, em que RS, JB e LC deduziram pedido cível contra o arguido JM foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática de: Ø Três crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos art.º 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1 al.ª c) e 132.º, n.º 2 al.ª l), do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão por cada um; e Ø Três crimes de injúria agravada, p. e p. pelo art.º 181.º, n.º 1 e 132.º, n.º 2 al.ª l), do Código Penal, na pena de 2 meses e 15 dias de prisão.

Em cúmulo jurídico, pena única de 2 anos de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação.

Mais foi o arguido condenado a pagar a quantia de 350,00 € a título de danos não patrimoniais a cada um dos três demandantes cíveis.

2 – Efectuado o cumulo jurídico das penas parcelares, foi o recorrente condenado numa pena única de 2(dois) anos de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, sita na Rua…, Porto Covo, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distancia, com autorização para desenvolver a sua actividade profissional de acordo com o horário que vier a ser apurado pela DGRSP, junto do restaurante “a Ilha” sito na Ilha do Pessegueiro, pelo tempo estritamente necessário para a sua realização e transporte, devendo, nesse período, manter-se contactável e com autorização para ausentar-se por motivos de saúde e por razões judiciais/policiais, pelo tempo estritamente necessário para a sua realização e transporte, devendo, nesse período, manter-se contactável.

3 – Foi também condenado nas custas e nos encargos do processo e ainda condenado a pagar aos demandantes a quantia de 350,00 € a titulo de danos não patrimoniais e bem assim nas custas do processo cível na medida do decaimento.

4 – O motivo da discordância com a decisão recorrida e com a condenação, com a qual não se conforma, dizem respeito tanto à matéria de facto como ao Direito.

5 – Entende ainda o recorrente que o cumulo jurídico efectuado na douta sentença recorrida violou o disposto no art. 77º nº 2 do Código Penal e que a mesma enferma do vício de contradição insanável da fundamentação quanto à matéria de facto.

6 – De acordo com o preceituado no art. 77º nº 2 do Código Penal, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas e como limite mínimo a pena mais elevada das penas concretamente aplicadas (artigo 77º nº 2 do Código Penal).

7 – A pena mais elevada das penas concretamente aplicadas é de 7 (sete) meses de prisão e a soma das penas concretamente aplicadas é de 23 meses e 15 dias (sete meses por cada um dos crimes de ameaça agravada e dois meses e quinze dias pelos três crimes de injuria agravada).

8 – Ao ter fixado a pena única de 2 (dois) anos de prisão, o que excede o somatório das penas parcelares concretamente aplicadas, o tribunal recorrido violou o disposto no supracitado art. 77º nº 2 do Código Penal.

9 – Ao dar como provado que “5 – Ao proferir em tom elevado e exaltado as afirmações “quando tirarem essa farda ajustamos contas, (…) quando tirarem essa farda a gente fala, fê-lo com a intenção de causar medo e inquietação aos ofendidos, de modo a prejudicar a sua liberdade de determinação, significando que iria atentar contra a integridade física ou mesmo contra a vida dos militares ora ofendidos (sublinhando nosso) e simultaneamente, como não provado que “ C. Ao proferir em tom de voz elevado e exaltado as afirmações “quando tirarem essa farda ajustamos contas, (…) quando tirarem essa farda a gente fala” queria dizer que iria atentar contra a vida dos militares ora ofendidos (sublinhado nosso), a douta sentença recorrida incorreu numa contradição insanável de fundamentação.

10 – Este vício encontra-se consagrado no art. 410º nº 2 alínea b) do Código de Processo Penal como fundamento do recurso, o que determina, salvo melhor opinião, a anulação do julgamento e o reenvio do processo para novo julgamento (artigo 426º nº 1 do Código de processo Penal).

11 – Em relação à matéria de facto, o aqui recorrente entende que não foi feita prova suficiente de que o arguido tenha proferido a expressão “quando tirarem a essa farda ajustamos contas”, que foi incluído nos pontos 3 e 5 da matéria provada, e que aqui fica impugnada.

12 – Analisados os depoimentos prestados em sede de audiência da discussão de julgamento pelos senhores militares da GNR RS, JB e LC, todos ofendidos e demandantes cíveis, que foram as únicas testemunhas do processo, cujas declarações foram prestadas em 29 de Janeiro de 2019 e encontram-se gravadas na aplicação informática ,de acordo com a acta da sessão, respectivamente, entre 9h48m37s e 10h02m25s; entre 10h 06m 01s e 10h23m29s e entre 10h24m04s e 10h38m47s, verificamos que apenas o militar RS afirmou que a referida expressão “quando tirarem essa farda ajustamos contas” fora proferida pelo arguido.

13- As suas declarações- nesta parte - não são coincidentes com o conteúdo dos depoimentos dos seus camaradas JB e LC.

14 – Com efeito, só o militar RS declarou que o arguido afirmara que “quando os apanhasse sem farda iam ajustar contas “(9h54m).

15 – As demais testemunhas, JB e LC, limitaram-se a relatar, para além das expressões “bófias de merda” “bófias filhos da puta” e outras associadas ao crime de injuria a expressão “quando tirassem a farda, iriam conversar” 16 – Se a prova é apreciada segundo as regras da experiencia e a livre convicção do julgador (art. 127º do Codigo de Processo Penal), perante as “divergências” acima referidas, nesta parte, entre os depoimentos das várias testemunhas, entendemos que o depoimento do militar RS é insuficiente para dar como provado (Factos 3 e 5), que tal expressão foi proferida pelo arguido e dirigida aos senhores militares.

17 - Nesta parte, entendemos que o tribunal recorrido não procedeu a um correcto exame critico de toda a prova produzida e que resulta evidente que o conteúdo dos depoimentos das três testemunhas, sobretudo quando analisados uns em confronto com os outros, impõe decisão diversa.

18- Do cotejo das declarações das testemunhas / ofendidos, entendemos, consequentemente, que os Facto Provado 3 e 5 está incorrectamente julgado., por não ter sido feita prova suficiente e cabal 19 – Face ao exposto, deverá a expressão “quando tirarem essa farda ajustamos contas” ser expurgada dos pontos 3 e 5 da matéria provada e incluída no ponto c. da matéria de facto não provada, o qual passaria a ter a seguinte redacção: “c. Nas circunstancias descritas em 3, referiu “quando tirarem essa farda ajustamos contas” e “nós ainda vamos conversar”.

20 - Por outro lado, a expressão “quando tirarem essa farda a gente fala “- e mesmo a e expressão “quando tirarem essa farda ajustamos contas- não configura em si, objectivamente, o anuncio de qualquer mal futuro que constitua um crime.

21 – As citadas expressões dirigidas aos ofendidos pelo arguido são expressões com um conteúdo ambíguo, vago e indeterminado, que não significam, salvo melhor opinião, que “o arguido iria atentar contra a integridade física, ou mesmo a vida dos militares ora ofendidos” (facto provado 5) 22- Deverá, assim, ser expurgado dos factos provados o segmento final do ponto 5 “significando que iria atentar contra a integridade fisica ou mesmo a vida dos militares ora ofendidos” 23-Impugnada a matéria de facto nos termos do nº 3 do art. 412º do Codigo de Processo penal, deverá ser alterada a decisão sobre esta matéria (art. 431º do C. P. P) nos termos supra indicados.

24- Reportando-nos aos factos que devem ser julgados como provados, entende o recorrente que a sua conduta não integra a pratica de qualquer crime de ameaça e que as expressões atribuídas ao arguido- dadas como provadas na sentença recorrida- são vagas e indeterminadas e não integram os elementos objectivos do tipo do crime de ameaça, na medida EM QUE NÃO FOI ANUNCIADO O MAL QUE A NORMA INCRIMINADORA- ART. 153º DO CODIGO PENAL- EXIGE.

25-A descrita conduta do arguido, na qual cabe destacar o teor literal, semântico, das expressões, não é de molde a permitir concluir que, através delas, fez aos ofendidos o anuncio da pratica de um facto ilícito típico e especificadamente de um daqueles abrangidos pela tutela penal.

26- As expressões dadas como provadas nos factos 3 e 5 da sentença recorrida- aqui parcialmente impugnadas - são ambíguas, vagas e indeterminadas e não configuram, em si, objectivamente, o anuncio de qualquer mal futuro que constitua um crime.

27- Alem disso, exigindo o tipo objectivo que o mal ameaçado configure, em si mesmo. um facto ilícito, afirmar “quando tirarem a farda irão falar “ ou “conversar “ ou até mesmo “ajustar contas”, ainda que a expressão tenha sido proferida “ em tom de voz elevado e exaltado” e ainda que fosse adequada a causar inquietação e receio que pudesse vir a ser concretizado ( o que seria sempre improvável), não consubstancia, em si mesma, a prática de um facto ilícito e típico 28- Assim sendo, entendemos que a conduta do arguido não é criminalmente punível e que, consequentemente, deve ser revogada a decisão...

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