Acórdão nº 420/18.4GBCCH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Maio de 2020
Magistrado Responsável | JO |
Data da Resolução | 12 de Maio de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora A - RELATÓRIO Nos autos de processo comum supra numerado, perante tribunal singular, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém - Juízo de Competência Genérica de Coruche - JJ, solteiro, filho de…, natural de Ponte de Sor, nascido a 08/10/1988, …, Foros de Arrão, foi acusado nos presentes autos, imputando-lhe o Ministério Público a prática, em autoria material e em concurso material, de: - um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.º, n.º 1, al. a) e b), do Código Penal, estando ainda incurso na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista pelo artigo 69.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma; - três crimes de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º, n.º 2 do Código Penal; - um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353º do Código Penal.
Veio o tribunal recorrido, por sentença de 04 de Junho de 2019 a julgar parcialmente procedente a acusação e, em consequência decidiu o tribunal recorrido:
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Absolver o arguido JJ da prática de dois dos crimes de resistência e coacção sobre funcionário, previstos e punidos pelo artigo 347º, nº 2 do Código Penal, dos quais vinha acusado.
b) Condenar o arguido JJ, pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291º, nº 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão, e na pena acessória, prevista e punida pelo artigo 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal, de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 (nove) meses; c) Condenar o arguido JJ, pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347º, nº 2 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão; d) Condenar o arguido JJ, pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal, na pena de 2 (dois) meses de prisão; e) Condenar o arguido JJ, depois de efectuado o cúmulo jurídico das penas parcelares identificadas em b) a d), na pena única de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 9 (nove) meses, devendo o arguido apresentar a respectiva carta de condução, no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado da sentença, na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de, não o fazendo, incorrer no crime de desobediência, e da mesma lhe ser apreendida, nos termos do artigo 348º do Código Penal (cfr. artigos 69º, nº 3 do Código Penal e 500º, nº 2 do Código de Processo Penal).
f) Condenar o arguido em 2 U.C. de taxa de justiça, reduzida a metade por força da confissão, e a suportar os demais encargos decorrentes com o processo.
* Inconformado com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: 1º Nos presentes autos, foi o arguido JJ absolvido da prática de dois dos crimes de resistência e coacção sobre funcionário, previstos e punidos pelo artigo 347°, n° 2 do Código Penal, dos quais vinha acusado.
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Decidindo, como decidiu na parte em que absolveu o arguido da prática dos dois crimes de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347°, n, 2 do Código Penal, o Tribunal "a quo"violou os artigos 30° e 347° do Código Penal.
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Entendeu o Tribunal a quo que não pode o arguido ser condenado pela prática de três crimes de resistência e coacção sobre funcionário, mas apenas um, porquanto a sua conduta traduziu-se no desenrolar de um "quadro contínuo da solicitação de uma mesma situação exterior que diminuiu consideravelmente a sua culpa." 4º Em face da factualidade dada como provada, entende o Ministério Público que tais factos preenchem o tipo de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347°, n. 2 do CP, por três vezes, não em função do número de militares visados, mas por estarem em causa três ocasiões distintas, a que correspondem três resoluções criminosas autónomas.
5a Dispõe o artigo 30° n. 1 do Código Penal que 'O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo numero de vezes que o mesmo crime for preenchido pela conduta do agente': 6º Há concurso sempre que o mesmo ou diferentes tipos legais sejam realizados mediante acções ou omissões independentes umas das outras, sendo que a independência entre si das acções ou omissões tem como referência e limite a vontade do agente. A repetição da conduta típica, realizando, diversas vezes, a previsão da norma incriminadora, será reiteração criminosa se, a cada repetisão, corresponder um específico acto de vontade; será, pelo contrário, um único crime se as repetidas condutas estiverem abrangidas pela mesma resolução criminosa.
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O critério que distingue a unidade ou pluralidade de processos resolutivos deverá ser o da conexão temporal entre os vários momentos da conduta do agente, entre as várias repetições do gesto criminal. Haverá unidade de resolução, e, por isso, um só juízo de censura jurídico-criminal, um só crime, quando a repetição corresponder ao descarregar da carga volitiva investida no acto criminoso, o que pressupõe uma grande proximidade temporal dos gestos. O passar de um período que, segundo a experiência comum, evidencia um corte na actividade volitiva, é índice da pluralidade de resoluções, e justifica, portanto, a correspondente pluralidade de juízos de censura jurídico-criminais, a pluralidade de crimes.
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ln casu, ao dirigir o veículo contra o militar da GNR Guarda BS, o arguido formou, pela primeira vez, uma resolução e cumpriu-a. Também os factos praticados contra os militares da GNR RR e BG merecem tratamento autónomo, porquanto entre a prática destes factos, quer entre si, quer em relação aos que foram praticados anteriormente na primeira fiscalização pelo Guarda BS, mediou um período temporal razoável para permitir a renovação da resolução criminosa do agente.
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Atendendo à matéria de facto provada na douta sentença recorrida, verifica-se que o arguido após ter dirigido o veículo contra o Guarda BS na Rua da Quinta Nova, em Coruche, arrancou em direcção à EN 114-3, tendo percorrido vários quilómetros nessa estrada e, nesse percurso praticou factos que levaram à sua condenação pelo crime de condução perigosa. Só largos minutos depois de o arguido ter dirigido o seu veículo contra o Guarda BS, e ao chegar à freguesia da Fajarda, é que o arguido avistou outro militar da GNR - RR, pelo que só nesse momento pôde o arguido decidir ou não parar à ordem dada por aquele agente e dirigir o seu veículo contra este com o intuito de não ser fiscalizado. O mesmo ocorrendo quanto ao militar BG, uma vez que após desobedecer à ordem do militar RR, voltou a petconer a Estrada Nacional 114-3 e apenas quando entrou noutra localidade - Várzea Fresca - já no concelho de Salvaterra de Magos, percurso que fez longe do raio de acção/fiscalização dos militares da GNR, é que o Recorrente, pela terceira vez, quando mandado parar por militar da GNR, neste caso o Guarda BG, dirigiu contra o mesmo o seu veículo, pelo que só nesse momento, quando confrontado com a presença daquele militar na via e a ordem de paragem dada por este, podia o arguido se determinar novamente a agir contra o direito e a direccionar novamente o veiculo contra militar da GNR para, mais uma vez, evitar a fiscalização.
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a Não existe conexão temporal ou sucessividade de actos que permita daí retirar a conclusão de que o arguido agiu com base numa única resolução criminosa. Existe, entre os três momentos acima descritos, um hiato temporal decorrente da distância inerente ao percurso realizado pelo arguido, que não permite o englobamento das suas condutas numa única resolução criminosa. Diferente seria se numa dessas situações, o arguido avançasse com o veículo contra vários militares, pois nesse caso, o acto de resistência seria praticado na mesma ocasião, e sob a mesma resolução de afastar os militares da fiscalização, o que, in casu, não sucede.
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No caso concreto, embora a intenção do arguido, nas três situações de facto que resultam provadas na sentença, fosse a mesma (obstar à fiscalização pelos agentes de autoridade), o certo é que formou a sua vontade e motivação três vezes, aquando da sua aproximação aos locais onde os três militares se encontravam a dar as respectivas ordens de paragem. É avesso às regras da experiência comum que o arguido, quando se aproximou pela primeira vez do Guarda BS e resolveu dirigir o veículo contra o mesmo para obstar à fiscalização, tenha imediatamente decidido que iria avançar contra todos os agentes da GNR que pretendessem fiscalizá-lo e que iria desobedecer a todas as ordens que lhe fossem dadas pelos mesmos, pois não podia o arguido saber, à partida, que os militares Aguiar e BG em locais diferentes lhe dariam ordem de paragem.
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Antes resulta da prova produzida em audiência e bem assim da matéria de facto provada que o arguido agiu em vários momentos e, sendo confrontado com cada uma das situações, em cada momento optou por rejeitar a censura do direito ao seu acto e agir em conformidade com a sua vontade, 13º Concorda-se com a jurisprudência citada na sentença recorrida para justificar a sua posição (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/09/2016, no Processo 159/16.5PBCLD e no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 28/03/2007, processo 201/2007-3,), todavia, nestes autos, não existe apenas um acto de oposição do arguido aos agentes; existem três actos de oposição, praticados em três momentos distintos e em locais distintos, contra três agentes distintos, em circunstâncias diversas...
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