Acórdão nº 26073/17.9T8LSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelADEODATO BROTAS
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I–RELATÓRIO.

1–Associação…, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra V. Z.

, pedindo: – A condenação da ré no pagamento da quantia de 65 210,41€, acrescida de juros vincendos.

Alegou, em síntese, que a ré se apropriou ilicitamente de quantias pertencentes à autora no valor de 35 832,44€, conforme foi provado em processo-crime em que a ré foi condenada por crime continuado de abuso de confiança qualificado, decisão transitada em julgado; nesse processo-crime, foi ainda a ré condenada a pagar à autora a quantia de 15 000€, em três prestação, como condição de suspensão da pena de prisão de 2 anos e 6 meses a que foi condenada; a autora tem assim direito a receber ainda da ré a diferença entre os 35 832,44€ e os 15 000€, ou seja 20 832,44€; bem como tem direito aos juros de mora sobre cada uma das quantias apropriadas e desde as respectivas datas de apropriação, sendo os vencidos no montante de 20 629,97€; tem ainda direito a ser indemnizada pelas despesas que suportou com o processo-crime, incluindo honorários de advogado, no montante de 23 748€.

2–Citada, a ré contestou.

Invocou a excepção de prescrição do direito da autora, visto que teve conhecimento do direito a ser indemnizada em 2005; mesmo que se considere o disposto no artº 498º nº 3 do CC, o prazo de prescrição não ultrapassaria os 10 anos, pelo que o direito da autora prescreveu.

Impugna a matéria de facto alegada pela autora por, segundo ela, os fundamentos apurados no processo-crime não poderem ser considerados nestes autos.

3–Realizada audiência prévia, foi proferido saneador/sentença, que decidiu, julgar improcedente a excepção de prescrição do direito da autora e, julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia de 20 832,44€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 06/01/2016.

4–Inconformada, a ré interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: 1º- A Ré aqui Recorrente considera que se verifica a prescrição no presente caso e invocou-a na sua Contestação, considerando o artigo 498º do C.C..

  1. - Considera a aqui Recorrente que a prescrição se verifica decorridos que sejam três anos após os factos, como determina o referido artigo 498º CC.

  2. - Ainda assim, prescreve o seu número 3 que se o facto ilícito constituir crime, este prazo poderá ser mais longo até ao máximo da extinção do procedimento criminal para o caso em Concreto, neste caso dez anos.

  3. - Que a autora tinha conhecimento dos factos desde, pelo menos, 2005 pelo que se verificou a invocada prescrição em 2015.

  4. - Que, mesmo que se aplique a invocada suspensão invocada na decisão a mesma só é aplicável no âmbito do Direito penal e até á acusação que foi proferida em 2010.

  5. - Que cessada esta suspensão se iniciam os prazos, mas agora só no âmbito do Direito Civil recorrido que foi a este, no prazo previsto no artigo 498º CC., e até ao máximo do previsto para o procedimento criminal, neste caso concreto dez anos, e, portanto, verificado em 2015.

  6. - Sendo a presente acção intentada em 2017 encontra-se ferida da invocada prescrição, que deveria ter sido decretada.

  7. - Outra interpretação, no entendimento da recorrente, não pode ser retirada do artigo 498º CC., verificando-se a invocada prescrição.

  8. -E com tal pugna-se pela revogação da sentença, e, consequentemente, pela sua substituição por outra decisão que promova a improcedência total do pedido formulado pela Autora, Ora Recorrente.

  9. - Os documentos apresentados pela Autora e contestados pela Ré, aqui Recorrente, no âmbito do presente processo Cível, não podem, por si só, valer como prova, porquanto foram dados como provados no âmbito de matéria penal para aferir da culpa e não de danos sofridos.

  10. -E Tal matéria dada como assente e provada não pode extravasar o âmbito da decisão final no processo em que foi proferida.

  11. - E no âmbito desse processo a sentença condenou apenas em matéria penal, ficando a pena suspensa sujeita ao pagamento dessa indemnização decidida.

  12. - E como tal, no âmbito do Direito Civil a Autora teria de provar que sofreu esses danos e que houve nexo de causalidade entre os factos ilícitos praticados pela Ré, aqui Recorrente, e, os pretensos danos causados, tendo deles fazer prova nos presentes autos.

  13. - E, como não o fez, nesse sentido, a decisão proferida merece censura, porquanto não foram observadas as provas exigidas em matéria cível, em especial o nexo de causalidade.

  14. -Nesse sentido impõe-se que o douto Tribunal ad quem revogue tal decisão e a substitua por outra que declare a improcedência da acção face á flagrante violação dos preceitos legais acima mencionados, em especial o artigo 498º, do CC..

5–Não foram apresentadas contra-alegações.

*** II–FUNDAMENTAÇÃO.

1-Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC/13) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC/13) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações (caso as haja) em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC/13) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC/13) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir: a)- Se podem ser considerados nestes autos os factos dados como provados no processo-crime; b)- Se prescreveu o direito da autora a ser indemnizada.

Vejamos estas questões.

Previamente, importa considerar a factualidade decidida pela 1ª instância.

2–Factos Considerados pela 1ª instância.

O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: A)– A autora apresentou no ano de 2005 queixa-crime contra a ora ré, entre outros.

B)– Na sequência desta queixa veio a ser aberto inquérito que correu termos pela 9ª Secção do DIAP de Lisboa sob o nº….

C)–Por despacho proferido em 21.09.2010, foi deduzida acusação contra a aí arguida, ora ré, imputando-lhe a prática de um crime continuado de abuso de confiança qualificado, na forma consumada.

D)– Inconformada com a acusação, a ali arguida, ora ré, requereu a abertura de instrução, tendo sido proferida decisão em 30 de Novembro de 2010, que a pronunciou pelos factos e...

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