Acórdão nº 956/15.9TDLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelCRISTINA BRANCO
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I.–Relatório 1.– Nos autos com o n.º 956/15.9TDLSB, findo o inquérito, que correu termos na Procuradoria da República da Comarca de Lisboa, DIAP - 4ª Secção de Lisboa, o Ministério Público deduziu acusação, para julgamento com intervenção do tribunal singular, contra os arguidos AA e BB, identificados nos autos, imputando a cada um deles a prática, em autoria material, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art. 360.º, n.ºs 1 e 3, do CP.

  1. – Requerida pelo arguido BB a abertura de instrução, veio, no termo da mesma, a ser proferido despacho que, considerando que a acusação não contém a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, declarou a sua nulidade e a do processado subsequente e determinou o retorno dos autos à fase de inquérito e a consequente devolução dos autos ao Ministério Público.

  2. – Inconformado com esta decisão, interpôs o arguido AA o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição): «A.

    -Em consequência da declaração de nulidade da acusação, ordenou o Tribunal a quo que os autos retornassem à fase de inquérito; B.

    -Esta decisão é ilegal, por violação da lei processual e de princípios constitucionais estruturantes do processo penal; C.

    -Os poderes de cognição do juiz de instrução estão inquestionavelmente limitados à matéria da acusação, pelo que, nos termos do disposto nos artigos 307.º e 308.º do Código do Processo Penal, o poder jurisdicional em fase de instrução se resume à confirmação (ou não) da acusação, não podendo o juiz suprir vícios da acusação, mandar saná-los ou reabrir o inquérito; D.

    -Portanto, por falta de poder jurisdicional, nunca podia o Tribunal a quo ter decidido que os autos retomassem à fase de inquérito; E.

    -Acresce que, por força do disposto no n.° 4 do artigo 303.° e artigo 309.° do Código do Processo Penal, por maioria de razão face ao regime da alteração substancial dos factos (ou até por analogia), sempre terá de se entender que a nulidade da acusação por falta de factos-fundamento não pode ser suprida, não podendo ser ordenada a reabertura do inquérito para o efeito - até porque tais factos sempre consubstanciariam alteração substancial, não podendo, portanto, ser relevantes no âmbito do processo; F.

    -Adicionalmente, pelo mesmo motivo, sempre terá se de considerar que, para efeitos do disposto no 2 do artigo 122.º do Código do Processo Penal, uma acusação nula por ausência da narração dos factos-fundamento não é um ato que possa repetir-se, tendo de se julgar inválida e ordenar o arquivamento do processo; G.

    -Portanto, nunca podia o Tribunal a quo ter decidido que os autos retomassem à fase de inquérito; H.

    -Por outro lado, o processo penal português é, por imperativo constitucional, de estrutura acusatória, cabendo exclusivamente ao Ministério Publico a investigação criminal, não podendo o juiz interferir no inquérito, salvo nos termos estritamente previstos na lei; I.

    -Nesta estrutura, ao juiz cabe, em sede de saneamento, exclusivamente o controlo jurisdicional dos vícios estruturais da acusação, nunca um convite ao seu aperfeiçoamento, conforme previsto para a fase de julgamento no artigo 311.º do Código do Processo Penal; J.

    -Assim, por imperativo constitucional, não pode a decisão instrutória consistir numa ordem de remessa dos autos a nova fase de inquérito, porque o juiz não pode imiscuir-se no inquérito, seja para ordenar o seu aperfeiçoamento ou a sua reabertura; K.

    -Consequentemente, a decisão recorrida é inválida, por dação do princípio do acusatório, consagrado no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa; L.

    -Acresce ainda que o controlo da efetividade da garantia constitucional de um processo equitativo no domínio do processo penal opera, nomeadamente, através do princípio da igualdade; M. Ora, sendo jurisprudência fixada que o Tribunal não pode convidar o assistente a aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, quando omisso à narração dos factos (Acórdão de Uniformização n.º 7/2005 do Supremo Tribunal de Justiça), não pode admitir-se que o Ministério Público goze de tal prerrogativa, dando-lhe a possibilidade de proferir nova acusação; N.

    -Portanto, ao fazê-lo, a decisão recorrida é inválida, por violação do princípio da igualdade processual e garantia constitucional de um processo equitativo, consagrados no número 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e número 1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; O.

    -Face a tudo o exposto, não é de estranhar que seja jurisprudência constante dos tribunais superiores declarar a inadmissibilidade de remessa dos autos para nova fase de inquérito em sede de instrução, como consequência da nulidade da acusação, como sublinha o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 9.01.2017, no âmbito do processo n."628/11.3TABCL.G1; P.

    -Assim, é inquestionável a invalidade da decisão recorrida, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que declare a não pronuncia do arguido, por força da nulidade da acusação.

    Termos em que, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogado o despacho proferido e substituído por outro que declare a não pronúncia do arguido.» 4.– O recurso foi admitido por despacho de fls. 855, tendo o Senhor Juiz a quo proferido despacho de sustentação do decidido, nos termos constantes de fls. 871 dos autos.

  3. – Respondeu a assistente, nos termos do articulado de fls. 860-864, no qual pugna, sem formular conclusões, pela improcedência do recurso.

  4. – Também o Ministério Público apresentou resposta, na qual conclui (transcrição): «1.

    -O objectivo imediato da instrução é apenas a comprovação judicial da pretensa falta de indícios suficientes constante no despacho de arquivamento.

  5. -No caso, foi decidida uma questão prévia de conhecimento de vícios e nulidades alegado pelos arguidos.

  6. -Antes de se pronunciar sobre a existência de indícios suficientes ou não, deverá o Juiz de Instrução decidir as questões de nulidade invocadas, pois que por serem uma questão prévia e pela natureza das mesmas, impedem o conhecimento de fundo dos factos para os efeitos do n.º 1 do art. 308.º do C.P.P.

  7. -Ora, face alegada nulidade invocada quanto à acusação não conter os elementos a que se refere o art. 283.º n.º 3 al. b) do C.P.P foi proferida decisão em conformidade. E o despacho recorrido não violou qualquer norma legal.

    Termos em que deve ser negado provimento ao recurso e manter-se o despacho recorrido.» 7.– Nesta Relação, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer, conforme consta de fls. 880-881, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª instância, à qual acrescenta doutas considerações, e pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.

  8. – Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, não foi...

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