Acórdão nº 2261/17.7T8PTM de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução07 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

I- RELATÓRIO 1. A…, J…, P…, JO…, L…, M… e marido JU…, JOS…, AM…, N…, MA…, V…, S…, MAR…, NA… e marido G… e VA… e mulher MM…, intentaram acção declarativa com processo comum contra: GE… Pedindo para: “

  1. Serem os Autores identificados nos artigos 8º, 9º e 10º da petição inicial, judicialmente reconhecidos como sucessores e declarados como herdeiros do falecido JV…, identificado no artigo 1º da referida peça processual; b) Ser judicialmente declarada a anulação do testamento outorgado pelo falecido em 22 de dezembro de 2010 e que constitui o documento nº 3 junto com a petição inicial; c) Serem restituídos à Herança do falecido todos os bens imóveis, móveis e saldos das contas bancárias, nomeadamente, quanto a estes, os que existissem à data do óbito; d) Ser ordenado o cancelamento de todos os registos que houverem sido lavrados, a favor da Ré, com base no testamento e por força da sua anulação.” Alegaram para o efeito que o falecido JV… celebrou o referido testamento, fazendo constar do mesmo o encargo de que a R., sua herdeira então instituída, lhe prestasse assistência médica e medicamentosa e alimentos, se necessário, sendo que a R. não prestou quaisquer cuidados ao testador, tendo mantido uma vida independente da deste e apenas se apresentando na residência do mesmo ocasionalmente e, em geral, com o intuito de se lhe apoderar da reforma.

    Afirmaram ainda os AA. serem os herdeiros do falecido.

    Mais referiram que o mesmo foi quem sempre tratou de si próprio, sendo que na fase terminal da sua vida, quando se encontrava doente, não teve quaisquer cuidados da parte da ré, não tendo comida para se alimentar, não tendo dinheiro para comprar fósforos para acender a sua lareira e aquecer-se e tendo morrido sozinho em sua casa, quando um tumor de que padecia “rebentou”.

    Como tal, afirmam dever ser anulados todos os efeitos decorrentes do referido testamento, passando os autores a serem reconhecidos como sucessores do falecido JV….

    A R., depois de ter arguido a excepção de caducidade do direito dos autores, em sede de contestação, alegou serem falsas as imputações levadas a efeito pelos mesmos, sendo que, segundo alegou, manteve uma relação com o falecido JV…, desde há mais de 10 anos, iniciada ainda este vivia na sua residência na companhia de sua mãe. A R. passou posteriormente a viver com o falecido e a mãe deste e, quando a mãe faleceu, permaneceu a viver com o falecido JV….

    Mais referiu que os autores nunca se interessaram pelo estado de saúde do falecido e que foi a R. que foi a sua companhia nos últimos anos de vida deste. Manifestou ter sempre acompanhado o falecido a todas as consultas, quer no Hospital do Barlavento Algarvio, quer no IPO, em Lisboa, quando este recebeu tratamentos para o problema de saúde de que padecia.

    No dia em que “rebentou” o tumor que acometia JV… (cerca de uma semana antes da data em que este veio a falecer), a R. tinha-se ausentado para Portimão para tratar de assuntos na loja da operadora telefónica MEO, sendo que, ao telefonar para casa sem que JV… atendesse, pediu a um taxista que ali se deslocasse, para confirmar se tudo estava bem e, como não tivesse tido essa informação, e sendo subsequentemente informada de que JV… havia sido transportado para o Hospital do Barlavento Algarvio, em Portimão, para ali se deslocou, tendo permanecido com o mesmo. Foi, aliás, a R., segundo alega, que permaneceu com o falecido até à sua morte, no Hospital do Barlavento Algarvio.

    Considerou, em suma, não ter incumprido as obrigações decorrentes do testamento, pelo que não existe razão para o mesmo ser dado sem efeito.

    Concluiu pela improcedência da ação.

    Os autores responderam à matéria de excepção, pugnando pela improcedência da invocada caducidade e mantendo o por si alegado na petição inicial.

    A excepção de caducidade veio a ser julgada improcedente em sede de despacho saneador.

    Realizou-se audiência final vindo, subsequentemente, ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.

    1. É desta sentença que os Autores recorrem formulando, na sua apelação, as seguintes conclusões: “I - Através do presente recurso, pretendem os Apelantes, ao abrigo do disposto no art.º640º do CPC impugnar a matéria de facto.

    II - A douta sentença errou ao dar como provado que a Ré tivesse ido “viver” com JV… e que a Mãe deste tivesse falecido em Abril de 2010 – cfr. ponto 10 dos factos provados e, por outro lado, ao não dar como provado que a Ré não habitava de forma permanente, mas sim intermitente, com José Varela, autor do testamento.

    III - Viver com alguém, pode assumir diferentes alcances ou significados. Pode significar partilhar uma habitação, em economia comum, pode constituir uma união de facto, ou até uma simples partilha de custos entre duas ou mais pessoas para suprir necessidades habitacionais, com diferentes níveis de confiança, maior ou menor grau de intercolaboração, geradoras de relacionamentos de curta ou longa duração, com carácter de permanência ou de frequência transitória ou circunstancial.

    IV - Sobre esta matéria de facto, na respectiva motivação patente na sentença recorrida, resulta que:

  2. A testemunha António Nunes “manifestou a sua convicção, pela percepção que teve das visitas, que relatou serem frequentes, que fazia a casa do falecido, que a R. não moraria ali”, sendo certo que outras testemunhas como MC… CM…, confirmaram que a testemunha AN…unes era visita da casa do falecido e que até chegou durante algum tempo a semear no terreno do mesmo e a manter lá animais.

  3. Por seu turno, testemunha MC declarou que o falecido JV…“tinha uma brasileira lá”. Às vezes ela estava lá outras vezes não.

  4. A testemunha NV…, cujo marido era visita de casa do falecido, declarou também que a R. vivia lá, ou pelo menos ia para lá – fica a dúvida, tratando-se de realidades totalmente diferentes – e que do seu depoimento poder ser colhido que efectivamente a R., pelo menos nalgumas ocasiões, se apresentava como alguém que vivia na casa do falecido JV…. – neste concreto ponto, salvo devido respeito, parece até contraditória a douta fundamentação.

  5. A testemunha JL…, professor aposentado e que morava próximo de casa do falecido JV…, que todavia admitiu não frequentar, declarou nunca ter visto a ré em casa do falecido.

  6. A testemunha MD…, manifestou afigurar-se-lhe, por convicção resultante de conversa com o falecido JV…, que a R. estaria lá algumas vezes e depois, de quando em vez, se ausentaria, regressando posteriormente.

  7. A testemunha AM, que esteve presente aquando do já mencionado episódio de urgência, por ter acompanhado outra pessoa que se deslocou a casa do JV…, manifestou que o mesmo estava sozinho, corroborando assim o demais depoimentos produzidos nesse sentido.

    V - Não resulta, assim, suficientemente claro e, por conseguinte, fundamentado, sob que forma e com que frequência a Ré vivia com o falecido.

    VI - Por conseguinte, neste particular, “viver” apenas se pode dar como certo no sentido de a Ré “ter residência” na mesma morada que JV….

    VII - Parece-nos assim existir na douta sentença recorrida uma contradição entre a fundamentação e os factos provados se o sentido a atribuir ao termo “viver” significar uma coabitação de caracter permanente.

    VIII – Deve, portanto, ser alterada a matéria de facto, no sentido de melhor concretizar e definir o tipo e a frequência da coabitação entre ambos, dando-se como provada não ser permanente.

    IX - Em reforço e em conjugação com o quanto foi supra considerado a este propósito e em cumprimento do ónus estabelecido no citado art.º640º n.º1, al. a), b) e c) e do n.º2, al. a) da mesma disposição processual do C.P.C., especificam-se, em concreto, os meios de prova consubstanciados nas declarações de parte prestadas por P…, ML… e S…, assim como o depoimento da testemunha Ant… que constam da gravação da sessão de audiência de julgamento que teve lugar do dia 19 de Junho de 2019, em relação aos quais se transcreveram, no corpo das alegações do presente recurso, determinadas passagens.

    X - O Tribunal recorrido andou mal ao não ter dado qualquer relevo ou colhido qualquer contributo, no processo da formação da sua convicção, às declarações que foram prestadas pelos Autores e, para além disso, não atribuiu a devida relevância ao depoimento da testemunha Ant… sobre esta matéria de facto ora impugnada.

    XI - Ainda em relação a este ponto 10 da matéria dada como provada, existe um outro pormenor que deve ser suprimido, designadamente, a menção à data do óbito da Mãe de JV…, tendo em conta que tal facto carecia de prova documental que não foi exibida nem consta dos autos, nomeadamente, o respectivo Assento de Óbito, devendo, assim, ser suprimida na parte onde se lê: “em Abril de 2010” XII - Deve o ponto 10 dos factos provados ser alterado, passando a ter a seguinte redacção: - “10- A ré e o falecido JV… conheceram-se em Portimão, tendo o falecido convidado a R. a visitar a sua habitação em Monchique, onde vivia com a sua mãe, e, posteriormente, os dois desenvolveram uma relação de amizade, sendo que, a pedido do falecido JV…, a ré aceitou aí residir com aquele em data em que a mãe deste ainda era viva” XIII - E deve ser aditada à matéria de facto um ponto adicional, nomeadamente: - “A coabitação entre JV… e a Ré não era permanente, pois que esta se ausentava da residência durante certos e variados períodos de tempo”, ou qualquer redacção alternativa que traduza o sentido pugnado.

    XIV - A apreciação da causa, radicada no invocado (in)cumprimento do encargo imposto no testamento e que constituiu o tema de prova enunciado em sede de Audiência Prévia, deve ser feita num contexto e com o sentido de uma “coabitação intermitente” entre JVe a Ré.

    XV - Atendendo ao facto de JV… ser solteiro e sempre ter vivido com os seus pais, tendo presente a sua idade à data do testamento, que era de 68 anos, resulta de todo esse contexto que a vontade do testador foi a de beneficiar com o imóvel que era sua habitação e instituir sua herdeira, a pessoa que o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT