Acórdão nº 431/18.0GBVLN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução11 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório No identificado processo, o arguido B. J.

foi julgado e condenado por sentença proferida em 16/1/2020, como autor de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. e), do C. Penal, na pena de dezoito meses de prisão, com a respectiva execução suspensa por igual período, com regime de prova a acompanhar pela DGRSP e sob as condições de: - pagar ao ofendido a quantia de € 1.100, no prazo da suspensão; - frequentar as consultas médicas e continuar o tratamento médico de desintoxicação de estupefacientes que lhe está a ser ministrado; - empenhar-se activamente a procurar emprego ou uma actividade ocupacional, tendo em vista a criar condições económicas para o seu próprio sustento; - afastar-se de companhias ou locais conotados com o consumo ou tráfico de estupefacientes, como cafés, bares, discotecas.

Inconformado com essa decisão, o Ministério Público, interpôs recurso, cuja motivação rematou com as conclusões a seguir extractadas: «(…) 3- No que à matéria de facto diz respeito, afigura-se-nos que o ponto 10º e 11º não estão em conformidade com a prova produzida em audiência e discussão de julgamento.

4- No ponto 10 consta a seguinte factualidade dada como provada: “o arguido fez tratamento de desintoxicação no Estabelecimento Prisional de Braga, que continua em liberdade, tem bom comportamento no estabelecimento prisional.” Para além de incoerente e contraditório, não vislumbramos qual o meio de prova que sustenta tal factualidade.

5- Atento o relatório social elaborado pela DGRSP, apenas, se poderá dar como provado que o arguido, em contexto prisional, aceitou acompanhamento terapêutico às dependências. Fazer constar como facto provado que o arguido fez tratamento de desintoxicação será ir mais além do que resulta do referido relatório, pois, desconhecesse se o arguido efetivamente aderiu ao referido acompanhamento terapêutico e em que termos o fez, bem como se desconhece, por não se ter produzido prova, se em liberdade o arguido mantem esse acompanhamento.

6- Veja-se, pois, o teor do relatório social elaborado pela DGRSP, mais concretamente a fls.166, onde se pode ler o seguinte: “(…) B. J. deu entrada em situação de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Braga, com aparente síndrome de abstinência. Logo que proposto, aceitou acompanhamento terapêutico às dependências, desenvolvido em contexto prisional pelo Projeto Homem. (…) Relativamente a esta problemática expressa, agora, motivação para sujeição a tratamento em contexto de internamento em Comunidade Terapêutica (…)”.

7- Assim, o ponto 10º, apenas, poderá refletir a seguinte factualidade: “O arguido, em contexto prisional, aceitou acompanhamento terapêutico às dependências, desenvolvido pelo Projeto Homem.”, por ser esta e não outra, a factualidade que resulta da prova produzida em audiência e julgamento.

8- Também, não vislumbramos, em que meio de prova o Tribunal quo se estriba para dar como provado que, o arguido tem bom comportamento no estabelecimento prisional.

9- Nem encontramos no segmento da fundamentação de facto qualquer explicação/menção, nem sustentabilidade no único meio de prova com credibilidade, no que a essa matéria diz respeito, pois, não resulta qualquer referência ao comportamento do arguido em meio prisional, no relatório social elaborado pela DGRSP, pelo que, ter-se-á que dar como não escrita essa factualidade.

10- Na sentença, mais concretamente no segmento da fundamentação de facto, dá-se como provado no ponto 11º o seguinte: “Tem o 9º ano de escolaridade, que concluiu em Estabelecimento Prisional, onde cumpriu pena de prisão”.

De regresso ao relatório social realizado pela DGRSP, mais concretamente a fls.164, pode ler o seguinte: “Habilitado com o 4º ano, e ainda durante a frequência do 2º ciclo, por desinteresse perante a formação, o arguido iniciou a laborar numa padaria (…)”.

No segmento da motivação da decisão de facto, não vislumbramos em que elementos de prova se alicerçou o Tribunal a quo para concluir que o arguido tem o 9º ano de escolaridade, pois, nada se refere a este respeito.

11- Nesta parte, não se vislumbra, qual o meio de prova considerado pelo Tribunal a quo para dar como provado este facto, quando, resulta, do relatório social realizado pela DGRSP, com base na informação facultada pelo próprio arguido, que o mesmo está habilitado com o 4º ano de escolaridade.

12- Assim, no ponto 11º, ter-se-á apenas que dar como provado que o arguido tem o 4º ano de escolaridade.

13- Na nossa modesta opinião, a sentença padece, ainda, da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º1 do Código de Processo Penal, por falta de fundamentação, pois, limitou-se, no que diz respeito aos antecedentes criminais do arguido, relevantes para a escolha e medida da pena, a fazer uma mera referência à existência de condenações em Espanha, onde cumpriu pena de prisão, não as elencando e concretizando.

14- Perpassa da leitura da sentença recorrida, que o tribunal a quo não ponderou, nem considerou os critérios legais para a determinação e escolha da pena.

15- Em primeira linha, a decisão não considera todas as condenações constantes no certificado do registo criminal do arguido, que são as seguintes: (…).

16- Resulta dos presentes autos, mais concretamente a fls. 182, que o arguido esteve em cumprimento de pena de prisão em Espanha, ininterruptamente, entre 10/12/2012 e 24/03/2018 (ou seja, 5 anos, 3 meses e 14 dias). Informação que o Tribunal a quo, também, não teve em consideração.

17- O Tribunal a quo, também, não considerou que o arguido, decorridos 4 meses e 24 dias, após ter sido colocado em liberdade, voltou a delinquir, praticando os factos, pelos quais, veio a ser condenado nos presentes autos, em tudo idênticos, quanto à sua natureza (crimes contra o património) e motivação (para fazer frente ao consumo de produto estupefaciente).

18- Ora, tal realidade permite-nos concluir que aquele tempo de reclusão não levou o arguido a refletir sobre a sua conduta, mantendo-se a mesma contrária ao direito.

19- Nesse sentido, a informação vertida no relatório social realizado pela DGRSP a fls.166, mais concretamente no seguinte segmento: “(…) apresenta alguns pensamentos legitimadores do seu percurso de vida e de minimização do processo, num discurso assente na atribuição de responsabilidade a terceiros e na prioridade em satisfazer as necessidades de consumo de estupefacientes. (…) Face à natureza dos factos pelos quais está acusado, ainda que verbalize reconhecimento da ilicitude e censurabilidade, o arguido manifesta ausência de interiorização das noções de ofendidos e danos encarando-os com alguma indiferença.

20- Porém, o Tribunal a quo, não levou em linha de conta esta realidade, no que à escolha da pena diz respeito.

21- Aqui chegados, teremos de concluir que em liberdade o arguido não irá aderir, sem quaisquer reservas, a um processo de socialização, pelo que, não se nos afigura, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão são suficientes para impedir que o mesmo volte a praticar crimes, atente-se, pois, ao período de reclusão que o mesmo já sofreu e a sua fraca resistência em voltar a delinquir, em concreto, 4 meses e 24 dias.

22- De salientar ainda o facto do arguido, como se refere no relatório social, manifestar uma ausência de interiorização das noções de ofendidos e danos, encarando-os com alguma indiferença.

23- Assim, tendo-se presente a personalidade do arguido (adversa ao direito), às condições da sua vida (incipientes hábitos de trabalho, instabilidade pessoal e no relacionamento familiar e pessoal), à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste (manifestando uma ausência de interiorização das noções de ofendido e de danos encarando-os com indiferença, bem como a o seu passado condicionado por hábitos de consumo de substâncias psicoativas), é possível concluir-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que, a pena de prisão, na sua execução, não poderá ficar suspensa.

24- Mais se dirá que, no caso em apreço, a pena de prisão dever-se-á fixar em 24 meses de prisão.

25- Aqui chegados, entendemos que a sentença recorrida, faz uma interpretação errada do normativo vertido no artigo 50º do Código Penal e viola o princípio da livre apreciação da prova, contido no artigo 127º do Código de Processo Penal.

26- Motivo pelo qual, se nos afigura que a mesma deverá ser substituída por outra que condene o arguido numa pena de 24 meses de prisão efetiva.»*O arguido respondeu ao recurso, salientando, em síntese, que: (i) são irrelevantes as objecções suscitadas no recurso quanto à decisão sobre a matéria de facto, a qual é sustentada também nas declarações do arguido (não apenas no relatório social); (ii) como já arguira em sede de alegações finais na audiência, os factos provados vertidos nos pontos 3º e 4º enquadram-se no ilícito p. no art. 203º/1 (furto simples) e não no crime de furto qualificado p. no art. 204º/1/e) do C. Penal; (iii) a despeito de os seus antecedentes criminais (sobretudo, os registados em Espanha) não abonarem a seu favor, a sua confissão com arrependimento (do crime de furto simples) e os demais factos provados apontam para que não se deva negar ao arguido a oportunidade de mudar de vida em liberdade.

Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, secundando toda a argumentação vertida no recurso.

Cumprido o disposto no n.º 2, do art. 417º do CPP, feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.

*II- Fundamentação Sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, o âmbito dos recursos delimita-se pelas respectivas conclusões (art. 412º/1 do CPP), pelo que se suscitam as seguintes questões: 1) - Nulidades da sentença [art. 379º/1, a) e c) do CPP]; 2) - Erro de julgamento sobre a...

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