Acórdão nº 864/18.1YLPRT.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Maio de 2020
Magistrado Responsável | CONCEIÇÃO SAAVEDRA |
Data da Resolução | 05 de Maio de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I- Relatório: A [ ……Unipessoal, Lda ] , intentou junto do Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), procedimento especial de despejo contra B [ [ Maria …… ] , com vista ao despejo do rés-do-chão esquerdo do prédio sito na Travessa Santa Maria, nº , em Vialonga, a quem se transmitiu o arrendamento por óbito da mãe, com fundamento na cessação do contrato por oposição à renovação pelo senhorio comunicada em Maio de 2017.
A Ré deduziu oposição, invocando, em síntese, que o contrato de arrendamento inicial foi celebrado em 1.10.1975 com seu pai, na qualidade de inquilino, e que, face ao respetivo óbito em 19.7.1998, o mesmo se transmitiu ao cônjuge sobrevivo, Clarisse …... Diz que em 24.2.2013 pelos então senhorios foi apresentado à indicada Clarisse ….., em mão, um escrito particular intitulado “aditamento ao contrato de arrendamento habitacional”, sem qualquer acordo prévio, sendo que a referida inquilina tinha 85 anos de idade, diagnóstico médico comprovável de Alzheimer, e não sabia ler, nem escrever, nem tão pouco assinar o seu nome. Diz que o dito documento foi lido à arrendatária e assinado pela filha presente, a ora Ré, a rogo, porém sem qualquer reconhecimento presencial da assinatura, sendo, por isso, nula e ineficaz a declaração negocial da inquilina e nulo o aludido “aditamento ao contrato”. Conclui, assim, que não operou a transição do arrendamento para o NRAU e, por isso, não podia a A. opor-se à renovação do contrato. Mais refere que tendo falecido a referida Clarisse …… em 31.7.2017, o arrendamento transmitiu-se para a Ré, como a A. reconheceu, e que ainda que não fosse nulo aquele aditamento e se considerasse o mesmo celebrado a termo de 2 anos, só poderia a senhoria opor-se à renovação do contrato em 23.2.2019, não podendo fazê-lo, como fez, por carta de 12.5.2017, recebida em 15.5.2017, para produzir efeitos em 1.2.2018, tendo-se entretanto renovado, mais uma vez, o contrato.
Remetidos os autos à distribuição junto do Tribunal competente, foi a A. convidada a responder à matéria de exceção, concluindo pela respetiva improcedência, e pedindo a condenação da Ré como litigante de má-fé.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, em 23.12.2019, proferida sentença que decidiu não condenar a Ré como litigante de má-fé e concluiu nos seguintes termos:“(…) julgo a presente acção procedente, por provada e, em consequência: - declaro a resolução do contrato de arrendamento destinado a habitação, supra identificado, que vincula a senhoria e a arrendatária, e referente à fracção autónoma supra identificada, mais condenando a arrendatária, a despejar o locado e a proceder à sua entrega, livre de pessoas e bens, aos requerentes; - dada a forma de acção, autorizo desde já a entrada imediata no domicilio, conforme artigo 15º, n.º 7 e 15º-L, n.º 1 a contrario, ambos do NRAU; - absolva a arrendatária, do mais peticionado.
Custas a cargo da requerida, nos termos do disposto no art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do C.P.C., aplicável ex vi art.º 549º do CPC, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário concedido.(…).” Desta decisão interpôs recurso a Ré, apresentando as respetivas alegações que culmina com as conclusões a seguir transcritas: “ A) Com o presente recurso visa a apelante, questionar a apreciação da prova feita, do que resultará ser posta em crise toda a douta decisão na parte respeitante à apelada.
-
Constitui inequívoco elemento que foi desconsiderado pelo douto Tribunal a quo a circunstância de não ser valorado o depoimento da testemunha Piedade ….. .
-
Na própria sentença refere por um lado que âmbito do depoimento da testemunha Piedade ….., se limitou a dizer que o ouvira aos filhos da D.Clarisse e por outro que a testemunha corroborou que a D.Clarisse não estava sozinha, esteve sempre acompanhada pela filha e esta sabe ler e que não ouviu o que a D.Lurdes dizia ou explicava porque estava de roda da D.Clarisse, e que afirmou ainda que foi a própria testemunha que quando viu os senhorios à data (2013) dirigirem-se a casa da falecida mãe da requerida dirigiu-se para lá e viu que se tratavam de papéis idênticos.
-
O depoimento da testemunha da Piedade ….., perante tal contradição deve ser valorado mostrando ter um conhecimento directo e concreto da situação, pois a mesma encontrava-se presente, ao contrário do que considera o Tribunal a quo, que a testemunha na qualidade de amiga e vizinha da requerida depôs com conhecimento limitado sobre os factos convertidos e não sendo totalmente isenta ou merecedora de credibilidade.
-
(…) F) O facto da testemunha Piedade ter uma situação idêntica, não pode nem deve ser desconsiderado, desde logo, pelo principio basilar que “situações iguais devem ter tratamento igual” e depois demonstrativo de que a apelada pretende a “todo o custo”, fazer cessar os contratos de arrendamento mais antigos - independentemente da idade dos inquilinos ou da situação económica destes - com vista a celebrar novos contratos de arrendamento com rendas bastante superiores.
-
A alegante e no que respeita ao facto considerado como provado que depois de lido à arrendatária, a aqui requerida e filha da arrendatária, então presente, assinou-o a rogo de Clarisse ….., na presença daqueles e de acordo com a vontade desta o documento intitulado “aditamento ao contrato de arrendamento habitacional”, H) vem discordar do mesmo, uma vez que os primitivos senhorios – António …..o e Maria de Lurdes ……. – e os primitivos inquilinos – Jerónimo …….e Clarisse …….. – já faleceram, não ficando demonstrado nem foi feita prova concreta e inequívoca de que tivesse sido lido à inquilina Clarisse …….. o documento intitulado “aditamento ao contrato de arrendamento habitacional” e esta tivesse expressado a sua vontade e manifestado a concordância na assinatura do referido documento.
-
Mostrando-se o documento intitulado “aditamento ao contrato de arrendamento habitacional”, assinado pela apelante a rogo por a mãe não saber ler nem escrever, terá o mesmo de ser considerado nulo, por não estarem preenchidos os requisitos formais previstos nos Artº 373º do C.C. e Artº 154º do C.N., nomeadamente a necessidade do reconhecimento presencial da assinatura perante notário (ou entidade legalmente habilitada para praticar actos de notariado).
-
Não se mostrando preenchidos os requisitos formais previstos nos Artº 373º do C.C. e Artº 154º do C.N., deve o documento particular em causa ser declarado nulo e consequentemente ser determinado que o contrato de arrendamento não se transmitiu para o NRAU.
-
Se for entendimento que houve transição do arrendamento para o NRAU, teríamos então um contrato de arrendamento para habitação própria e permanente da então inquilina, Clarisse ……., passando a renda para o valor de 79,00€, com a duração de 5 anos renovável por iguais períodos, se nenhuma das partes denunciar o referido contrato de arrendamento com a antecedência mínima de 240 dias, conforme carta registada com AR datada de 15.03.2013, enviada pelos primitivos senhorios à inquilina Clarisse ….. .
-
Tendo o supra mencionado aditamento sido alegadamente assinado a 24 de Fevereiro de 2013, e sendo a proposta remetida pela inquilina Clarisse ……. aceite nos termos referido no artigo anterior, o contrato vigoraria até 23 de Fevereiro de 2018, se alguma das partes se opusesse à sua renovação, de acordo com o preceituado no Artº 1097º do C.C.
-
O que não se verificou, pelo que usando o mesmo raciocínio o contrato de arrendamento se renovou por igual período, ou seja por mais 5 anos, vigorando até 23 de Fevereiro de 2023.
-
A apelada terá de esperar até 240 dias antes do termo do prazo – 23 de Fevereiro de 2023 – para comunicar válida e eficazmente à apelante e agora inquilina – a sua intenção de se opor à renovação do contrato de arrendamento.
-
Acontece que a 31 de Julho de 2017 faleceu a inquilina Clarisse …….., circunstancia que foi comunicada à apelada, tendo esta reconhecido por carta registada com AR datada de 2 Outubro de 2017, a aqui apelante como a actual inquilina.
-
Qualquer intenção de oposição à renovação por parte da apelada terá de ser comunicada por carta registada com aviso de recepção, dentro do prazo ora estipulado, dando cumprimento ao disposto no Artº 1097º do C.C.
-
No caso em apreço, estamos perante um contrato com mais de 40 anos e que a considerar ter sido objeto de aditamento, em que as partes acordaram na duração do mesmo pelo prazo de 5 anos, podendo ser renovado automaticamente, e estabeleceram igualmente que a denúncia do contrato teria de ser com a antecedência mínima de 240 dias. R) Se, as partes tendo querido outorgar o mencionado aditamento, e posteriormente acordaram a duração do contrato pelo prazo de 5 anos, podendo ser renovado automaticamente, e estabeleceram igualmente que a denúncia do contrato teria de ser com a antecedência mínima de 240 dias, fizeram-no tendo como base quer no princípio da confiança, quer no princípio da “pacta sunt servanda” (os acordos devem ser cumpridos), pelo que se vincularam a cumpri-lo, nomeadamente no que respeita quer à vigência do mesmo, quer ao prazo de denúncia com a antecedência mínima de 240 dias.
-
Tendo o disposto no Artº 1097º do C.C. natureza imperativa, mas apenas quanto ao prazo mínimo de antecedência exigível para a oposição à renovação, não podem as partes estipular um prazo inferior, pois caso assim fizessem tal estipulação, a mesma seria nula de acordo com o previsto no Artº 294º...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO