Acórdão nº 1765/12.2TVLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelRIJO FERREIRA
Data da Resolução28 de Abril de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I – Relatório A Autora intentou a presente acção pedindo a condenação solidária das Rés a pagar-lhe a quantia de 449. 357,87 € (que posteriormente ampliou para 453.520,69 €), e juros, referente a danos patrimoniais e não patrimoniais já apurados e ainda a quantia que se vier a liquidar referente a danos cuja extensão não se encontra ainda apurada e danos futuros, a título de indemnização pelas consequências de acidente vascular cerebral por si sofrido decorrente da má prática médica das Rés aquando do seu atendimento no serviço de urgência da 1ª Ré no dia 01NOV2011.

Ambas as Rés contestaram por impugnação e requereram a intervenção provocada das suas seguradoras, que foi deferida.

Citadas, as referidas seguradoras contestaram invocando os limites de capital seguros e respectivas franquias e por impugnação.

A final foi proferida sentença que, considerando não ter ficado demonstrada qualquer actuação em desconformidade com as boas práticas do ofício comummente aceites (‘leges artis’), julgou a acção improcedente absolvendo as Rés do pedido.

Inconformada, apelou a Autora concluindo, em síntese, por erro na decisão de facto e por erro de julgamento (porquanto, ainda que com os factos inalterados, sempre se haveria de concluir pela ocorrência de ‘erro médico’ causal).

As Rés e as Intervenientes contra-alegaram propugnando pela manutenção do decidido.

II – Questões a Resolver Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece; sob pena de indeferimento do recurso.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal: - do erro na decisão de facto; - da responsabilidade por má prática clínica.

III – Fundamentos de Facto Na 1ª instância fixou-se a seguinte factualidade: Factos Provados 1. No dia 01 de Novembro de 2011, a autora efectuou o registo no balcão de atendimento de urgências do primeiro réu com vista a ser assistida medicamente; 2. A autora foi sujeita ao sistema de triagem implantado pelo primeiro réu, tendo a sua situação sido qualificada como "urgente", após o que foi atendida pela médica que se encontrava de serviço às urgências, Sra. Dra. MM ...; 3. Neste atendimento a segunda ré questionou a autora sobre a sua história clínica e ainda se a autora tinha sofrido algum traumatismo ou queda que tivesse afectado a cabeça ou o pescoço, ao que a mesma respondeu negativamente; 4. De seguida, a segunda ré pediu a realização de uma tomografia axial computorizada (TAC); 5.

Realizada a TAC foi expresso no respectivo relatório o seguinte: "Não se detectam lesões com carácter focal no parênquima encefálico. Não há lesões ocupando espaço nem colecções hemáticas intracranianas. Ausência de hidrocefalia. Sulcos e cisternas permeáveis. Não há sinusite nem otite. Craniotomia fronto- pterional direita." ; 6. O AVC caracteriza-se por um défice neurológico súbito, motivado por isquemia (deficiência de circulação arterial) ou hemorragia no cérebro, sendo que as primeiras três horas após o início dos sintomas de AVC são essenciais para o socorro do doente, tendo em conta que as hipóteses de recuperação de uma vítima de AVC aumentam tanto quanto mais rápida for a acção terapêutica (terapias anti trombóticas) e o internamente precoce dos doentes em unidades especializadas reduz a morbilidade e a mortalidade a curto e longo prazo; 7.

Os sintomas ou sinais súbitos de alarme de um AVC são, como amplamente alertado por todas as entidades ligadas ao sector da saúde: (1) falta de força; (2) dificuldade em falar e (3) boca ao lado; 8. A segunda ré celebrou com a Axa Portugal-Companhia de Seguros, SA, contrato de seguro de responsabilidade civil profissional titulado pela apólice n°. 008410076634, constituída por boletim de adesão, condições especiais e condições gerais conforme teor respectivamente dos documentos de fls. 272 a 277, 282 a 283 e 286 a 31; 9. A segunda ré subscreveu adesão ao contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Médicos e a Axa Portugal-Companhia de Seguros, SA, titulada pela apólice n°. 0084068091, conforme teor dos documentos de fls. 278 a 311 que no mais se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais; 10. A primeira ré celebrou com a Império Bonança, actualmente Fidelidade-Companhia de Seguros, SA, contrato de Seguro, titulado pela apólice n°. 0000-00 respeitante à responsabilidade civil decorrente da exploração do Hospital X ... constituída designadamente por condições gerais e especiais conforme teor dos documentos de fls. 232 a 260 que no mais se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais; 11. A autora nasceu em … de Março de 1963; 12. Aquando do atendimento na X ... pela Ré MM ... e ao questionário da segunda ré, a autora esclareceu apenas, no que toca a doença pré existente, que sofria do Síndroma de Raynaud. (art.4° Temas da Prova) 13. Segundo as informações prestadas à Autora, não estava no Hospital àquela hora nenhum neurologista /neurorradiologista, pelo que a TAC referida no ponto 4, foi realizada e ficou a aguardar a produção do relatório que seria elaborado por um médico que se encontrava no Hospital X ... . (Art.6° Temas da Prova) 14. Decorrido algum tempo após a realização da TAC sem que fosse chamada e, considerando o mal-estar da Autora, o seu ex-marido, Eng. Y ... , dirigiu-se ao atendimento das urgências e perguntou pelo resultado/relatório da TAC. (8° Temas da Prova) 15. Foi informado que o sistema informático do Hospital estaria sem funcionar e, como tal, o médico neurorradiologista viria pessoalmente do Hospital X ... até ao Hospital X2 … para analisar a referida TAC. (art.9° Temas da Prova) 16. Depois de obter o relatório da TAC, a 2.

a Ré analisou o mesmo e informou a Autora, e quem a acompanhava, que esta não aparentava nenhuma patologia e que os sintomas apresentados poderiam decorrer de um quadro psicossomático, pelo que iria dar-lhe alta clínica. (art.11° Temas da Prova) 17. A A. mantinha cefaleias, o que transmitiu à 2.

a Ré; (art.12° Temas da Prova) 18. Perante as queixas da Autora, a 2.' Ré decidiu chamar um oftalmologista. (art.13° Temas da Prova) 19. A Autora foi então analisada por uma médica oftalmologista cerca de 30 minutos depois da chamada realizada, a qual procedeu a um exame oftálmico e analisou os olhos da Autora, utilizando equipamento próprio para o efeito, tendo questionado a Autora sobre se tinha sentido este tipo de sintomas no passado, tendo a resposta sido negativa. (art.14° Temas da Prova) 20. Posteriormente, e antes de sair do Hospital, por ordem da 2.ª Ré, foi administrado à Autora analgésico pela via intravenosa e anti inflamatórios, para combater as dores de que se queixava. (art.16° Temas da Prova) 21. Não lhe foi dada nenhuma recomendação de cuidados de seguimento ou de alerta, tendo sido expressamente deixado à consideração da Autora a opção de ir trabalhar no dia seguinte conforme se sentisse, tendo a segunda ré sugerido à autora para eventual investigação a posteriori a agendamento de uma consulta externa com o neurologista. (art.17° Temas da Prova) 22. A Autora recebeu alta clínica cerca das 00:00 horas de dia 02 de Novembro de 2011 sem qualquer medicação e apenas com indicação de repouso. (art.18° Temas da Prova) 23. No dia 01/11/2011, aquando do atendimento na urgência, os sintomas da autora eram apenas: a) Cefaleias; b) Visão turva; e c) Parestesias dos membros inferiores. (art.19° Temas da Prova) 24. A medição da tensão arterial que foi feita na triagem e apresentava uma tensão arterial de 146 / 87. (art.20° Temas da Prova) 25. No primeiro atendimento com a autora, esta não relatou que havia feito uma operação ao crânio, situação que apenas foi relatada no relatório da TAC, com a referência a "Craniotomia fronto-pterional direita". (art.22° Temas da Prova) 26. No dia 2 de Novembro de 2011, pelas 05:00 horas, os filhos da Autora, que com ela residem, contactaram telefonicamente o pai e transmitiram-lhe que a mãe não se estava a sentir bem e que estava com novos sinais de perda de força, mas agora num braço. (art.23° Temas da Prova) 27- O ex-marido da Autora, com base nas indicações da 2.

a Ré e a recente alta clínica, recomendou que a Autora descansasse. (art.24° Temas da...

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