Acórdão nº 1047/08.4TAVFR-F.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelLILIANA DE PÁRIS DIAS
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1047/08.4TAVFR-F.P1Recurso Penal Juízo Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 2Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:I. RelatórioNo âmbito do processo comum colectivo que, sob o nº 1047/08.4TAVFR-F, corre termos pelo Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, B…, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento, após ter sido acusado e pronunciado pela prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a) e c) e 104.º, nºs 1 e 2, do RGIT (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/6).

Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente reproduzida, foi proferido acórdão datado de 1/10/2019 e na mesma data depositado, tendo o arguido B… sido condenado pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a) e c) e 104.º, nºs 1 e 2, do RGIT, na pena de um ano e cinco meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de cinco anos, com a condição de pagar, nesse período, o valor de €13.680,00 e repectivos acréscimos legais, devendo metade de tal valor estar liquidada até metade do período da suspensão (ou seja, no prazo de dois anos e seis meses), após trânsito em jugado da decisão.

Inconformado com a decisão condenatória, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem: “1. Nos presentes autos foi condenado o recorrente pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Fraude Fiscal, previsto e punido pelos artigos 103º nº1, als. a) e c), 104º nº1 e nº2, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº15/2001, de 5 de Junho, na pena de um ano e cinco meses de prisão, suspensa na sua execução na condição de pagar nesse período, o valor de €13.680,00 e respectivos acréscimos legais no período da suspensão. Sendo que metade do valor de €13.680,00 deverá estar liquidado até metade do período de suspensão da execução da pena de prisão, ou seja, dentro de dois anos e seis meses, após trânsito em julgado”; ………………………………………………… ………………………………………………… ………………………………………………….

  1. Assim não o entendeu o Tribunal a Quo, condenando o arguido pelos factos que subsume nas al. a) e c) do n.º 1 e nº 2 do art. 103.° e dos nºs 1 e 2 do art. 104º do RGIT.

  2. Condenação e fundamentação jurídica com as quais não se concorda, pois considerando a prova produzida em audiência e supra transcrita não se encontram preenchidos os elementos integradores dos tipos objectivo e subjectivo dos referidos normativos.

  3. Relativamente ao artigo 103º do RGIT, do ponto de vista do tipo objectivo, a previsão da alínea a) diz respeito, à ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável; e a al. c) respeita à celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

  4. Ainda do ponto de vista objectivo, torna-se necessário que aquela conduta se mostre idónea a diminuir as receitas tributárias.

  5. A vantagem patrimonial ilegítima de que fala o n.º 2 do art.° 103° do RGIT é o montante do imposto que o sujeito passivo deixou de pagar em consequência da omissão das declarações.

  6. Relativamente à condenação pelo nº 1 e 2 do artigo 104 º do RGIT questiona-se quais as alíneas do seu nº1 pelas quais vai condenado o arguido? Uma?- a ser assim não pode ser punido por este preceito; Mais? Quais? 43. Não podemos esquecer-nos que o Tribunal a Quo deu como não provado: i) Que o arguido acordou nomeadamente com ao arguidos id.em 8. ou com terceiros que serviram de intermediários entre o arguido C… e os utilizadores das facturas.

    ii) O arguido actuou em comunhão de esforços e de intentos com as sociedades geridas por terceiros.

  7. Do ponto de vista subjectivo o crime em causa, sendo essencialmente doloso, pode consumar-se sob todas as formas de dolo: dolo directo, necessário ou eventual (artigo 14° do Código Penal).

  8. Para além disso, a conduta ilegítima do agente terá que visar um resultado específico, ou seja, obter um proveito fiscal, quer ele se manifeste na eliminação de encargo ou na obtenção de ganho, em qualquer caso em valor superior a €15.000,00, como resulta do n.º 2 do art. 103.° do RGIT.

  9. Temos, assim, que a fraude fiscal configura um crime de dolo específico, sendo necessário que o agente actue visando obter uma mais-valia em quantitativo mínimo de €15.000,00 e, uma vez que a relação entre Estado e sujeito passivo se traduz numa relação obrigacional, o credor terá uma desvantagem em idêntico quantitativo.

  10. Neste sentido, decidiu o acórdão da Relação de Lisboa de 18-07-2013, P1/05.2JFLSB.Ll-3, in www.dgsi.pt: "Do lado do tipo subjetivo da fraude fiscal sobreleva a circunstância de ele não se bastar com o dolo e, mais precisamente, com o chamado dolo-do-tipo: o conhecimento e a vontade de realização do tipo objectivo. Ao dolo-do-tipo acresce um outro, específico e autónomo, momento subjetivo, que, brevitatis causa, podemos significar como a intenção de obter um benefício ilegítimo ou causar um prejuízo ao Estado. Benefício e prejuízo que não integram o tipo objectivo. Por ser assim, este momento subjetivo (intenção) introduz uma situação de assimetria e incongruência no tipo da fraude fiscal.

  11. Contrariamente ao que sucede com o dolo-do-tipo - que se reporta integral e exclusivamente ao tipo objectivo na plenitude dos seus pressupostos e exigências – a intenção assume uma dimensão que se estende para além do tipo objectivo. É por isso que, não curando por agora da melhor caracterização do ponto de vista da sua danosidade ou ofensividade (crime de dano? crime de perigo concreto/crime de perigo abstracto-concreto?), a fraude fiscal consagrada na lei penal tributária portuguesa configura uma expressão paradigmática da categoria de crimes que a doutrina designa por crimes de resultado cortado ou de tendência interna transcendente. Crimes que Hans-Heinrich Jescheck define como aqueles em que "o agente almeja um resultado, que há de ter presente para a realização do tipo, mas que não é preciso alcançar".

  12. Quanto ao tipo subjectivo e, concretamente, no que respeita ao dolo específico, dos factos provados não resulta minimamente - menos ainda com aquele grau de "certeza" indisponível a uma condenação em processo penal - que o arguido tenha actuado com a intenção de alcançar o benefício para a sociedade sua representada ou de infligir o prejuízo, pressuposto da factualidade típica da fraude fiscal, o mesmo é dizer que não se provaram elementos do dolo específico que permitam concluir pela prática do tipo penal em causa, impondo-se assim a absolvição do arguido.

  13. ...

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