Acórdão nº 111/17.3GABRR.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCRISTINA BRANCO
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório 1. No âmbito do Processo Comum Singular n.º 111/17.3GABRR do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal do Barreiro – Juiz 1, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA, filho de BB e de CC, natural do Brasil, nascido a …………., solteiro, desempregado, residente na Rua …………., Santo António da Charneca, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2, do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-C a ele anexa.

  1. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual foi decidido, para além do mais, condenar o arguido, pela prática do aludido crime, na pena de 55 (cinquenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de 5,00€, perfazendo um total de 275,00€ (duzentos e setenta e cinco euros)[1].

  2. Inconformado com esta decisão, interpôs o arguido o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição): «1. Não pode o Recorrente aceitar os factos dados como provados nos pontos 1. e 4. da douta Sentença, porque incorretamente julgados e alicerçados em erro notório na apreciação da prova, devendo os mesmos ser considerados como incorretamente julgados e por conseguinte importará a prolação de uma decisão que considere como não provados.

  3. O exame laboratorial constante de fls. 34 lavra em erro manifesto de contabilização das doses em relação ao produto apreendido!!! 3. Deve ser considerado como não provado que o produto estupefaciente detido fosse suficiente para o arguido fumar um numero de vezes não inferior a 19 e que este tinha perfeito conhecimento das características do produto, sabendo igualmente que não podia deter, por exceder a quantidade necessária ao consumo médio individual para um período de 10 dias, e por a tal não estar autorizado.

  4. Não se mostram reunidos os requisitos objectivos e subjectivos do crime de consumo a que alude o Art. 40º nº1 e 2 do Decreto Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.

  5. O Tribunal A Quo ao condenar o Arguido AA, pela pratica de um crime de consumo, violou o Art. 40º nº1 e 2, Art. 71º nº1 alínea c) do Decreto Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro e o Art. 9º da Portaria nº94/96.

  6. Não teve em consideração o calculo da dose média individual diária, tendo em conta não o produto liquido apreendido, mas sim o principio activo presente no estupefaciente em causa, que no caso em apreço, é o Tetreahidrocanabinol, esta é que é a substancia proibida por Lei! 7. Fixada a quantidade de principio activo THC, apreendido, verifica-se que o arguido detinha menos de duas doses diárias, o que seria sempre inferior aos valores fixados pelo Art. 71º nº1 c) do Decreto Lei nº 15/93 de 22 /01 e da Portaria 94/96.

  7. Pelo exposto, em consequência de toda a análise critica da prova supra realizada, bem como de todos os argumentos de direito esgrimidos, deverá ser revogada a decisão do Tribunal A Quo que condenou o arguido pelo crime de consumo, sendo substituída por outra que absolva o Recorrente do referido crime! Termos em que, Deve ser dado provimento ao presente recurso, e desta forma ser a Sentença proferida pelo Tribunal A Quo revogada, e em consequência o Recorrente ser absolvido do crime de consumo.

    Assim farão V. Ex.ª s, como sempre, JUSTIÇA!» 4. O recurso foi admitido, por despacho de fls. 75 dos autos.

  8. Na sua resposta, o Ministério Público junto do Tribunal recorrido pugnou pela improcedência do recurso, concluindo (transcrição): «1. O crime de consumo de estupefaciente está previsto no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (considera-se a Declaração de Retificação n.º41/2009, de 22.06, ao texto republicado pela Lei n.º18/2009, de 11.05), punindo-se “Quem consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV” [n.° 1], diferenciando-se a correspondente reação penal, para uma moldura mais grave, se a respetiva quantidade desses produtos “exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias” [n.° 2].

  9. É sabido que com a Lei n.° 30/2000, de 29 de Novembro, passou a consagrar-se no seu artigo 2.°, n.° 1 que “O consumo, a aquisição e a e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior constituem contra-ordenação”.

  10. Mas logo se acrescentou no seu n.° 2: “Para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”.

  11. Por outro lado, o artigo 28.° da Lei n.° 30/2000 revogou, expressamente, o mencionado artigo 40.° do Decreto-Lei n.° 15/93, exceto quanto ao cultivo.

  12. O n.°2 do artigo 2.°, conjugado com a norma revogatória constante do artigo 28.°, veio suscitar a questão, largamente debatida, de como punir aquele que detém, para seu consumo, uma quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante 10 dias.

  13. Para solucionar o diferendo, o Supremo Tribunal de Justiça, através do seu Acórdão n.°8/2008 (publicado no DR I.ª Série, n.° 150, de 25 de Agosto), fixou a seguinte jurisprudência: “Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.° da Lei n.° 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.°, n.° 2, do Decreto -Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só ‘quanto ao cultivo’ como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”.

  14. Porém, também a questão da quantificação do que seja o consumo médio individual tem suscitado controvérsia.

  15. O Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, que instituiu o ainda vigente regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, estabeleceu, no seu artigo 71.°, n.° 1, al. c): «Os Ministros da Justiça e da Saúde, ouvido o Conselho Superior de Medicina Legal, determinam, mediante portaria: c)- Os limites quantitativos máximo do princípio ativo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente».

    Mais se acrescentou no seu n.° 3: “O valor probatório dos exames periciais e dos limites referidos no n.° 1 é apreciado nos termos do artigo 163.° do Código de Processo Penal”.

  16. Da determinação da dose média individual com referência ao princípio ativo do estupefaciente pode depender a prática de um ou outro crime de tráfico ou então de consumo de estupefacientes e agora de uma contra-ordenação.

  17. A Portaria n.° 94/96, de 26 de Março, que de acordo com o seu preâmbulo, teve o propósito de viabilizar a realização da perícia médico-legal e do exame médico referidos nos artigos 52.° e 43.° do Decreto-Lei n.° 15/93, determinou no seu artigo 9.° que “Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante”.

  18. Nessa tabela e no que respeita à canábis (resina) é indicado o valor de 0,5 gr, tendo subjacente a “dose média diária com base na variação do conteúdo médio do THC existente nos produtos da Canábis” e como referência “uma concentração média de 10% de A9THC”, conforme encontra-se anotado nessa tabela.

  19. Por sua vez e de acordo com o artigo 10.°, n.° 1 da mesma Portaria, “Na realização do exame laboratorial referido nos n.°s 1 e 2 do artigo 62.° do Decreto-Lei n.° 15/93, ..., o perito identifica e quantifica a planta, substância ou preparação examinada, bem como o respetivo princípio ativo ou substância de referência”.

  20. E esta tabela passou, igualmente, a servir para a determinação dos “limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária” no que concerne à delimitação dos tipos legais dos crimes de traficante-consumidor e de consumo (26.°, n.° 3 e 40.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 15/93).

  21. Sem nos determos com maior detalhe sobre as controvérsias que se suscitaram a propósito da referida portaria e sobre a questão, não isenta de dúvidas, da quantificação das substâncias estupefacientes (veja-se, por exemplo, João Conde Correia, “Droga: exame laboratorial às substâncias apreendidas e diagnóstico da toxicodependência e das suas consequências”, Revista do CEJ, 2004, n.°1, pp.77 e segs.), certo é que parte do S.T.J. se posicionou no sentido de recusar a aplicação daquele artigo 9.° da Portaria n.° 94/96, por se entender que o mencionado artigo 71.°, n.° 1, al. a) do Decreto-Lei n.° 15/93, padecia de ilegalidade e de inconstitucionalidade orgânica (cfr. o Acórdão do S.T.J., de 26.03.1996, Revista do Ministério Público 74/167 e ss.), sem que o Tribunal Constitucional lhe tenha dado razão quando chamado a pronunciar-se sobre a questão. Segundo o Ac. n.° 534/98, de 7 de Agosto de 1998, «os limites fixados na portaria, tendo meramente um valor de meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial, não constituem verdadeiramente, dentro do espírito e letra do art. 71.° do Dec.-Lei n.° 15/93, uma delimitação negativa da norma penal que prevê o tipo de crime privilegiado», mas antes a «remissão para valores indicativos», suscetíveis de serem fundadamente afastados pelo tribunal.

  22. Por sua vez, completando este posicionamento, a jurisprudência das Relações tem vindo a sustentar que no caso de o estupefaciente estar destinado ao consumo pessoal e não se conhecendo o grau de pureza da correspondente substância, em virtude de no respetivo exame laboratorial não constarem as suas componentes nem a percentagem do princípio ativo, estaria vedado o recurso aos valores constantes do Mapa anexo à Portaria n.° 94/96, não sendo, por isso...

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