Acórdão nº 35/15.9MASTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelLAURA MAUR
Data da Resolução21 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Competência Genérica de Sesimbra - Juiz 2, no âmbito dos autos com o NUIPC nº35/15.9MASTB foi o arguido HR submetido a julgamento em Processo Comum e Tribunal Singular.

Após realização de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal, em 14 de maio de 2019, decidiu julgar a acusação procedente e, em consequência: - Condenar HR pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante de € 750,00 (setecentos cinquenta euros), a que correspondem 100 (cem) dias de prisão subsidiária.

* Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: a) Salvo o muito respeito que nos merece o Tribunal a quo, considera o Recorrente que foi incorrectamente julgada toda a factualidade descrita nos Pontos 2, 3, 4, 5, 6 e 7 dos Factos Provados, a saber, que, 2. A certa altura, o assistente e o arguido iniciaram uma luta corpo a corpo, tendo caído ao solo.

  1. Quando se encontravam ambos no solo e o assistente deitado de bruços, o arguido, de joelhos sob o assistente, fez-lhe uma “chave de braços”.

  2. Após estarem em pé, assistente e o arguido reiniciaram luta corpo a corpo, tendo o arguido desferido socos no ofendido.

  3. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, o assistente sofreu traumatismo crânio- facial, lesões estas que foram causa directa de 8 dias de doença para o assistente, com afectação da capacidade laboral pelo mesmo período.

  4. O arguido, através da conduta supra referida, quis e logrou molestar fisicamente o assistente.

  5. O arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei; b) Na medida em que em todos e em cada um deles, se dá como provada a autoria dos factos em apreço nos autos pelo ora Recorrente, bem como quanto à sua dinâmica; c) O suporte probatório da douta sentença condenatória, fundamentalmente suportado pelos depoimentos do Ofendido, do Arguido e da testemunha CP, cuja corroboração com os outros elementos de prova constante nos autos, e da sua análise crítica, não poderia resultar a condenação do Recorrente, mas sim imporia a sua absolvição, nomeadamente pela aplicação do instituto da legítima defesa previsto no artigo 32.º do Código Penal; d) O Tribunal a quo, fundamentou a sua decisão quanto aos factos provados, no que tangue à sua autoria e à sua dinâmica, explicitando que “Resulta …( …) … uma divergência quanto à dinâmica dos factos que não permite ter certeza do que realmente se terá passado, designadamente quem iniciou a contenda física …( …) … . Não obstante não se ter logrado apurar quem agrediu em primeiro lugar, questão que tinha interesse para aferição da dispensa de pena ou legitima defesa, facto assente é que o arguido agrediu o assistente com socos, “mata leão” e “chaves de braços”, conforme pelo próprio confessado, e provocou no assistente as lesões documentadas nos autos.

    e) Os depoimentos prestados em audiência de julgamento, conjugados com a restante prova produzida, respondem sem dúvidas à questão de quem agrediu em primeiro lugar, resulta inequívoco que foi o Ofendido AA quem iniciou a discussão e quem agrediu o Arguido, o que foi por si assumido e corroborado pelo Arguido e pela Testemunha CP; f) No seu depoimento (ficheiro 20190321143405_3545539_2871817) o Ofendido AA, afirmou: - Na passagem do depoimento ao minuto 7.º da gravação efectuada em CD pelo tribunal: “eu tava danado com a situação, naquele dia o Sr. HR passa acompanhado pelo outro senhor, CP acho eu, eu quando o vi explodi, tive de lhe dizer … (… )… eu e o Sr. CP távamos a discutir um com o outro”.

    - Na passagem do depoimento ao minuto 08:25.º da gravação efectuada em CD pelo tribunal: “… (… )… as linhas ficaram cruzadas, o Sr. HR teve calado o tempo todo … (… )… pega no meu fio e vai cortar o fio. … (… )... Eu dirigi-me a ele empurrei-o, ele tava baixo, estava praticamente de joelhos, ele tombou.” g) No seu depoimento (ficheiro 20190402111809_3545539_2871817) o Arguido HR disse, - Na passagem do depoimento do Arguido ao minuto 05:45.º da gravação efectuada em CD pelo tribunal: “… (… )… o Sr. AA puxou as linhas que aquilo tem anzóis para tentar ferir-me nas pernas (… )… eu tirei um alicate … (… )… para cortar as linhas de pesca do Sr. AA para não me ferir, onde eu abaixei-me quando o Sr. AA chegou-se ao pé de mim e desferiu-me uma cabeçada no nariz, onde eu caí de costas … (… )… ”.

    h) No seu depoimento (ficheiro 20190410104213_3545539_2871817) a Testemunha CP afirmou, - Na passagem do depoimento da Testemunha ao minuto 06:30.º da gravação efectuada em CD pelo tribunal: “só vejo o outro senhor (Ofendido) chegar-se ao pé dele (Arguido) puxou a cabeça atrás, desferiu-lhe uma cabeçada, mas uma grande cabeçada, que o Hugo ficou sentado… .” i) Pelo que não podia o tribunal a quo ter concluído, como concluiu que existe “uma divergência quanto à dinâmica dos factos … (… ) … designadamente quem iniciou a contenda física.”; j) Como bem refere o Tribunal a quo na sua Fundamentação de Direito, “O bem jurídico protegido por este tipo legal é a integridade física da pessoa humana. Este é um crime material e de dano, ficando o respectivo tipo legal preenchido com a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independente da dor ou do sofrimento causados.”, e no Acórdão por si citado onde se lê “pode ser cometido através de uma conduta, nomeadamente um empurrão, que não deixe marcas ou consequências no corpo do ofendido”, pelo que dúvidas não existem de que a acção inicial do Ofendido consubstanciou uma ofensa à integridade física do Arguido, seja o empurrão por si assumido seja a cabeçada relatada pelo Arguido e da Testemunha CP; l) Consequentemente, cabia ao Tribunal a quo, aferir da aplicação do instituto da retorsão, tendo necessariamente de concluir pela sua aplicabilidade; m) Mas mais que isso, cabia-lhe aferir da aplicação do instituto da legítima defesa, pois demostrado que supra ficou que, da prova produzida, resultou assente que foi o Ofendido quem iniciou a acção, verbal e física, cabia então aferir do animus do Arguido nas acções por si praticadas, e quanto a este aspecto atender a que afirmou o Arguido ao minuto 07:00.º “… (…) … eu tentava-me proteger das agressões que ele me tava a dar …. Seguimos para o parque de estacionamento onde eu sempre tentei evitar o Sr. AA andando entre os carros. …. Eu sempre me tentei afastar das agressões dele”, ao minuto 10:10.º“euna altura estava em tratamento … (… )… só me tentei defender, estava em tratamento numa incapacidade no joelho de um acidente de trabalho.”, ao minuto 11:45.º ”ele ficou de joelhos eu de joelhos estava na areia e a segurá-lo para ele se acalmar.”, ao minuto 13:40.º “se causei algum ferimento, algum golpe no Sr. AA … . foi para me defender das agressões que ele me estava a causar” e, a Testemunha CP ao minuto 13:50.º “o Hugo voltou a defender-se.”; n) O que deve ser conjugado com, como se refere na sentença, com o facto de o Ofendido foi quem “… procurou “a confusão” porque, conforme o próprio afirmou,“explodiu” porque alguém banalizara a arte de pesca que havia trazido para Sesimbra … ” e com o relato feito pelo Ofendido, que foi dizendo, ao longo do seu depoimento, conforme consta da gravação efectuada em CD pelo tribunal: - minuto 07:50.º: “quando o vi (à testemunha CP) explodi; - minuto 11:12.º: “eu também já ia atrás dele” (do Arguido); . minuto 13:11.º “eu tive que me agarrar, tive que me segurar bastante naquele instante”; minuto 18:30.º “se ele invocar que lutou comigo … . houve ali alguma luta” … “também lhe dei um soco”; - minuto 22:15.º: “ainda lhe consegui dar outro soco”; o) Assim, impunha-se ao Tribunal a quo ter decidido doutra forma, a saber, devia ter aplicado o instituto da legítima defesa, nos termos do disposto no artigo 32.ºdo Código Penal, e ao não o fazer violou esta disposição legal, ao não o fazer, o Tribunal a quo, disse ao Arguido que se alguém for vítima de uma agressão física, como lhe sucedeu, não conseguindo fugir da mesma, se tem que limitar a não fazer nada, pois que ao defender-se estará necessariamente a agredir, praticando um crime; p) Entende-se que o Tribunal a quo decidiu mal na valoração que fez da prova produzida, nomeadamente dos depoimentos do Ofendido, do Arguido e da Testemunha CP, pois da análise crítica e conjugada desta, resulta foi o Ofendido quem deu início à agressão física ao Arguido, e que este, por sua vez, se limitou a tentar-se defender das agressões de que estava a ser vítima; q) Estes depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, nomeadamente consta dos autos a queixa que o Arguido apresentou contra o Ofendido, tendo explicado no seu depoimento da mesma ter desistido por não querer “chatices”, permitem e impõem um juízo de certeza diferente daquele que o Tribunal a quo adquiriu, a de que existiu por parte do Arguido o exercício de legítima defesa e não teve qualquer intenção de agredir o Ofendido, não estando por isso preenchido o tipo penal no seu elemento subjectivo; r) E assim, o princípio da livre apreciação do julgador plasmado no artigo 127º do Código do Processo Penal, foi violado pelo Tribunal a quo, que decidiu de forma contrária à prova produzida, quanto aos factos dados como provados, e em indiscutível contradição com as regras da experiência ao concluir que alguém que reage a uma agressão física, e pratica factos – socos - para repelir essa agressão, preenche o elemento subjectivo do tipo, sem mais; s) Assim, outra não poderia ser a decisão do tribunal senão a de dar como provado que: 1. No dia 29 de Setembro de 2015, pelas 19 horas, na Praia...

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