Acórdão nº 231/18.7GGSTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução21 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos autos em referência, de processo sumário, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Santiago do Cacém do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido PP, imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada, em concurso efectivo, de 1 (um) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º, n.º 1, do Código Penal (CP), de 2 (dois) crimes de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181.º, n.º 1, e 184.º, por referência ao disposto no art. 132.º, n.º 2, al. l), todos do CP, e de 1 (um) crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, a), do CP, e pelo art. 86.º, n.º 3, do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23.02.

Realizada audiência de julgamento, decidiu-se julgar a acusação parcialmente procedente e, consequentemente, - absolver o arguido da prática do crime de ameaça agravada, no que respeita à agravação prevista pelo art. 86.º, n.º 3, do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23.02; - condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de resistência e coacção, p. e p. pelo art. 347.º, n.º 1, do CP, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; - condenar o arguido pela prática de 2 (dois) crimes de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181.º, 184.º e 132.º, n.º 2, al. l), do CP, por cada ilícito, na pena de 2 (dois) meses de prisão; - condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, a), do CP, na pena de 9 (nove) meses de prisão; - em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de prisão.

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões: 1 - Em processo sumário e com intervenção do tribunal singular, foi deduzida acusação pelo Ministério Público contra: PP, sendo-lhe imputado a prática em autoria material e em concurso efectivo: i) 1 (um) crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal; ii) 2 (dois) crimes de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, por referência ao disposto no artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal iii) 1 (um) crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, a), do Código Penal, e pelo artigo 86.º, n.º 3, do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23-02. 1.2.

2- Sujeito a julgamento, com a observância do formalismo legal, o ora recorrente foi condenado: a)Absolver o Arguido da prática do crime de ameaça agravada, no que respeita à agravação prevista pelo artigo 86.º, n.º 3, do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23-02; b)Condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de resistência e coacção, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; c)Condenar o arguido pela prática de 2 (dois) crimes de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, 184.º e 132.º, n.º 2, al. l) do Código Penal, por cada ilícito, na pena de 2 (dois) meses de prisão; d) Condenar o arguido PP pela prática de 1 (um) crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, a), do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão; e)Em cúmulo jurídico, condenar o arguido PP na pena única de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de prisão; f) Manter o estatuto coactivo do Arguido, designadamente o TIR e a proibição de contactar por qualquer meio com a ofendida MR, com excepção das apresentações bissemanais anteriormente aplicadas, cuja extinção se determina neste momento por desnecessidade (artigo 212.º, nº. 1, al. b) do Código de Processo Penal); g) Condenar o Arguido no pagamento das custas do processo (513.º e 514.º do Código de Processo Penal), fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) Unidade de Conta, nos termos do artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III, do Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de Fevereiro [Regulamento das Custas Processuais], e demais encargos.

3 - O recorrente não se conforma com a matéria de facto dada como provada e com a qualificação de direito, pois da prova produzida em audiência de julgamento, e demais elementos constantes dos autos, justifica que seja absolvido do crime de ameaça agravada.

4 - Considera o ora recorrente que quanto ao crime de ameaça agravada pelas palavras dirigidas a MR: “Corto-te o pescoço e meto-te numa caixa” e “Andas sempre a meter-te na minha vida” as mesmas nunca poderiam ter sido consideradas pelo tribunal recorrido como ameaças.

5 - O tipo objectivo de ilícito do crime de ameaça engloba o conjunto de três características que se traduzem num mal futuro, cuja ocorrência depende da vontade do agente.

6 - As expressões “Corto-te o pescoço e meto-te numa caixa” e “Andas sempre a meter-te na minha vida” mais não significa do que o anúncio de algo iminente, e nunca um mal futuro, como requer este tipo de crime.

7 - Se a ameaça é iminente, a liberdade de determinação nunca chega a ser afectada, ou seja, se se concretizar, terá sido praticado o crime anunciado, se não se concretizar, a vítima não fica inibida ou receosa de decidir ou fazer o que quer que seja, porque a possibilidade de sofrer o mal é algo que já não existe, por fazer parte do passado.

8 - O mal ameaçado tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois, que neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal (Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pag. 343).

9 - “Sendo a ameaça um crime contra a liberdade individual, para que ocorra é necessário que o agente provoque no sujeito passivo medo ou inquietação, ou prejudique a sua liberdade de determinação e é ainda necessário que o mal anunciado, objecto da ameaça, seja futuro. Sendo iminente, está-se perante uma tentativa de execução do respectivo acto violento. II – Não comete o crime de ameaça, a pessoa que profere a expressão, em tom de voz alto e sério, “parto-te a cara”, por mais não ser do que o anúncio de um mal iminente” AC. Do TRP de 23/02/2005 10 - Também neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 02/05/2002, proferido no proc. Nº O611/02 3ª secção: “Ainda que se admita, por mera hipótese, a existência de uma ameaça, por parte do recorrente, não foi a mesma nunca susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado, desde logo, pelo facto de o agente MF não ser o dito homem comum, depois porque o mesmo não se encontrava sozinho, estando protegido pelos colegas, encontrando-se num lugar público, certo que em momento algum sentiu medo da ameaça, continuando a passar e patrulhar o local.

11 - A matéria de facto dada como provada não constitui um crime de ameaça, porquanto, a admitir-se que o recorrente tenha dito palavras “queres lutar comigo? Torço-te o pescoço, tiro-te a pistola e enfio-ta na boca”, tais expressões mais não significam do que o anúncio de algo iminente, e nunca um mal futuro, como requer este tipo de crime 13 - Como refere Taipa de Carvalho, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Coimbra Editora, 1999, tomo I, pág. 341, «A tutela penal da liberdade é, por excelência, uma tutela negativa e pluridimensional: negativa, na medida em que visa impedir as acções de terceiros que afectem a liberdade de decisão e de acção individual; pluridimensional, uma vez que assume as diversas manifestações da liberdade pessoal (liberdades de autodeterminação, de movimento, de acção, sexual) como autónomos objectos de protecção penal (…) está subjacente uma certa tensão entre o interesse na salvaguarda da liberdade de decisão e de acção e o interesse em não limitar excessivamente a liberdade social de acção, isto é, a liberdade de acção de terceiros, Nesta relação de tensão entre os interesses contrapostos, procura o legislador o ponto do razoável equilíbrio, de modo que, sem descurar a tutela penal das essenciais manifestações da liberdade individual, não caia numa excessiva criminalização de condutas, que, apesar de afectarem, em alguma medida, a liberdade individual, são socialmente inevitáveis».

14 - Na verdade, o acto de ameaçar contém, em si, o significado que corresponde ao de prometer ou pronunciar um mal futuro, seja para os bens pessoais, como para os patrimoniais, elencados no preceito legal.

15 - Todavia, por si só, esse desiderato mostra-se insuficiente para o preenchimento do ilícito, não obstante, não raras vezes, se enverede por conferir relevo proeminente à literalidade das palavras e sem a conjugar, como é devido, com a dependência da vontade do agente e o contexto concreto vivenciado.

16 - A análise da verificação do mal futuro não pode, pois, restringir-se ao sentido actual ou futuro que, aparentemente, comporte, seja por que forma for, sob pena de redutora percepção da realidade e, até, acrescente-se, de excessiva tutela penal, a coberto dessa simples literalidade.

17 - Por isso, tem de apelar, ainda, à averiguação de que a ameaça dependa da vontade do agente e, esta análise, tem de partir de um critério objectivo-individual, prima facie na perspectiva do homem comum, sem descurar as características da pessoa ameaçada.

18 - E, além disso, saber se a ameaça é adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, recorrendo, também, a um critério objectivo-individual, segundo Taipa de Carvalho, ob. cit., pág. 348, objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”); individual, no sentido de que devem...

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