Acórdão nº 407/18.7JALRAC1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução11 de Dezembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: 1.

No âmbito do processo comum (tribunal colectivo) n.º 407/18.7JALRA que corre termos no Tribunal da Comarca de Leiria – Juízo Central Criminal de Leiria – Juiz 2, em 3/7/2019, foi proferido Acórdão, cujo Dispositivo é o seguinte: “III - Decisão: Nos termos expostos, Acordam os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo em: i) Julgar a acusação procedente e provada e, consequentemente, condenam o arguido A. pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 131º e 132º nºs 1 e 2 als. b), i) e j) do Cod. Penal, na pena de 22 (vinte e dois) anos de prisão.

(…).

*** 2. Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 30/7/2019, o arguido, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1º O recorrente discorda da decisão proferida sobre a matéria de facto, igualmente não se conformando com a qualificação jurídica operada, nem com a concreta medida da pena aplicada.

1) DA MATÉRIA DE FACTO 2º Com o devido respeito, o recorrente discorda das alíneas a.2) dos factos provados e alínea i) dos factos não provados.

  1. Considera que, em face da prova produzida em sede de audiência de julgamento, deveria ter sido dado como assente que o arguido, em data não concretamente apurada, formulou o propósito de matar (…), motivado pelo facto de só recentemente ter tido conhecimento de que a mesma era portadora do vírus HIV.

  2. Ao longo de todas as suas declarações foi, de forma coerente, este o motivo apresentado pelo arguido para a prática dos factos.

  3. Tendo referido perturbação e desorientação, devido à circunstância de ter tomado conhecimento de que a sua companheira, com quem mantinha uma relação amorosa há cerca de três anos, ser portadora do vírus HIV e não o ter informado desse facto no início do relacionamento, receando, por isso, ter sido contaminado com o referido vírus.

  4. O Tribunal a quo ignorou por completo as declarações prestadas pelo arguido, quanto ao motivo, esquecendo que tal estado de perturbação e desorientação relatadas pelo mesmo são perfeitamente compatíveis com a sua capacidade intelectual, que se apresenta muito inferior, conforme resulta do Relatório de exame psicológico de fls 1210.) 7º Ao invés, o Tribunal Recorrido decidiu, alicerçar a sua decisão nos depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…), cujas declarações são contraditórias, impregnadas de juízos subjetivos e desconformes com a realidade.

  5. Quanto à testemunha (…), não é minimamente credível que, se efetivamente a falecida (…) tivesse contado ao arguido que se encontrava infetada com o vírus HIV, sendo a testemunha amiga de ambos, convivendo com o casal, durante cerca de dois anos, nunca tenha assistido ou protagonizado qualquer conversa relacionada este assunto.

  6. Pelo contrário, de acordo com as regras da experiência comum, havendo uma relação de amizade entre esta testemunha, a falecida (…) e o arguido, não é minimamente credível, que este assunto, se efetivamente fosse do conhecimento dos três, nunca tivesse sido tema de conversa entre os mesmos.

  7. Por sua vez, a testemunha e demandante cível, (…), também apresentou um depoimento que não é minimamente credível, nem tão pouco suscetível de abalar as declarações do arguido.

  8. Com efeito, num primeiro momento, a depoente declara que conheceu o arguido, antes do mesmo iniciar uma relação de namoro com a falecida (…), 12º Referindo que na altura em que o conheceu, o arguido seria apenas amigo e colega da falecida (dançava com ela).

  9. Depois, quando questionada acerca do facto do arguido conhecer ou não a doença da falecida, em clara contradição com as declarações prestadas anteriormente, a depoente afirma que o arguido terá tido conhecimento dessa doença logo no primeiro dia em que se conheceram, quando se apresentou como namorado da vítima.

  10. Para além disso relata um conjunto de perceções pessoais acerca da personalidade da vítima, que, obviamente não podem ser valoradas pelo Tribunal a quo, para afirmar que a sua sobrinha seria incapaz de manter um relacionamento amoroso sem revelar a sua doença.

  11. Finalmente, também não é minimamente credível que, tal como referiu a testemunha, sendo a doença da sobrinha “um segredo de família”, que a mesma, logo no primeiro encontro com o arguido, lançasse mão deste assunto… quando, no dia em que conheceu o arguido, segundo declarações da própria o mesmo era apenas amigo e colega da falecida (…), pelo que, não faria qualquer sentido abordar esta temática que era considerada sigilosa, com um colega… 16º Finalmente, em relação às declarações prestadas pela testemunha (…), também o seu depoimento não é suficiente para infirmar o depoimento prestado pelo arguido, na medida em que, também as suas declarações não são credíveis à luz das regras da experiência comum, para além de estar repleto de convicções pessoais que não podem ser valoradas.

  12. Com efeito, não se afigura nada verosímil que, sabendo o depoente que o arguido era namorado da falecida (…), se efetivamente o assunto da doença do vírus HIV tivesse sido abordado, certamente que a testemunha nunca poderia demonstrar um ar surpreendido em face de tal conhecimento, porque efetivamente o mais acertado era que realmente o arguido tivesse conhecimento… 18º Assim, o facto da testemunha afirmar que ficou espantada só evidencia que, tal como o depoimento prestado pela demandante cível, os familiares da vítima pretenderam, a todo o custo e com evidentes contradições descredibilizar as declarações prestadas pelo arguido e a sua versão factual apresentada logo no primeiro interrogatório judicial de arguido detido e mais tarde, em julgamento.

  13. Com efeito, da análise cuidada destes depoimentos, denota-se uma grande preocupação dos depoentes em transmitir uma imagem imaculada da vítima em detrimento do arguido.

  14. Todavia, na ânsia de fazer crer ao Tribunal que efetivamente o arguido detinha conhecimento da doença da vítima, estas testemunhas acabam por impregnar os seus depoimentos de meras convicções pessoais, e contradições, que claramente lhes retira toda a credibilidade, e, portanto, não poderiam ter sido valorados aquando da prolação da decisão.

  15. Por tudo isto, as declarações prestadas pelo arguido, no primeiro interrogatório judicial de arguido detido e no decurso do julgamento, no sentido de só recentemente ter tomado conhecimento de que a vítima era portadora do vírus HIV deveram ser consideradas verdadeiras e provada tal factualidade.

  16. E, o arguido refere que após ter tomado conhecimento desta doença, ficou perturbado e desorientado. O que se coaduna com a sua personalidade, tal como se acha descrita no relatório de exame psicológico de fls 1210, pois o arguido tem “pouca flexibilidade mental e velocidade de processamento” (cfr. Relatório de Exame Psicológico, última frase da pág. 4), “capacidade intelectual muito inferior”, não tendo capacidade, como já se referiu anteriormente, “de extrair significado de uma situação confusa, de desenvolver novas compreensões, de ir além do que é dado para perceber o que não é imediatamente obvio e de estabelecer constructos” (pág. 5, primeiro parágrafo), apresentando ainda ansiedade, vulnerabilidade ao stress e perturbação emocional.

  17. É pessoa que sofre de Perturbação de Personalidade Mista, com sintomas ansiosos e depressivos, predominando os traços paranoides, ansiosos e antissociais.

  18. Pelo que, foi esta pessoa, com esta personalidade que pouco tempo antes do dia 18/04/2018 tomou conhecimento que a sua companheira, com quem mantinha um relacionamento amoroso há mais de três anos, era portadora do vírus HIV, não tendo o arguido conseguido gerir e lidar convenientemente com esta informação, o que o precipitou a praticar os factos descritos no Acórdão.

  19. Por conseguinte, deveria ter sido julgado como demonstrado o motivo apresentado pelo arguido, bem como o seu estado de perturbação e desorientação naquela altura.

  20. O recorrente considera que também devia ter sido dado como provado e devidamente valorado aquando da determinação concreta da pena, o seu sincero arrependimento em relação aos factos que lhe são imputados.

  21. Conforme resulta do Relatório de Perícia Psiquiátrica Medico-Legal elaborado e junto aos autos 03/06/2019 (fls. 1202 e ss), quando «Questionado acerca de que tipo de reflexão efetua na atualidade relativamente ao sucedido, referiu arrependimento e receio pelas consequências legais dos seus actos, acrescentando que “devia-a ter deixado e seguido com a minha vida, e não teria nada disto acontecido” sic» (cfr. 3º parágrafo da pág. 7) 28º Assim como, também se refere no Relatório de Exame Psicológico, elaborado em 30/4/2019 e junto aos autos em 03/06/2019, que aquando da realização do exame psicológico o arguido foi questionado relativamente aos factos que motivaram a sua detenção e referiu “estou arrependido do que fiz, se fosse hoje teria feito de outra forma, há outras formas” (sic.)» (4ª parágrafo da página 4).

  22. Mais, durante a audiência de julgamento e no primeiro interrogatório judicial de arguido detido o arguido refere, por diversas vezes, estar arrependido.

  23. É certo que, de acordo com a Jurisprudência atual e maioritária, as declarações prestadas pelo arguido, per si, são insuficientes para considerar existir arrependimento sincero, uma vez que a demonstração do arrependimento tem de ser ativa e apreensível.

  24. Sucede que, nos presentes autos, o arguido, apesar da impossibilidade de poder reparar o mal provocado, apresentou um pedido de desculpas à familiar mais próxima da vítima, a sua tia (…), conforme resulta das declarações prestadas pela mesma.

  25. Na verdade, o arguido, em contexto prisional, dirigiu-lhe uma missiva através da qual apresentou um pedido de desculpas pelos atos praticados, o que evidencia o seu sincero arrependimento.

  26. Para além disso, a própria cooperação do arguido com as entidades policiais durante a investigação, indicando o...

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