Acórdão nº 572/16.8T9TMR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelGILBERTO CUNHA
Data da Resolução19 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: RELATÓRIO.

Decisão recorrida.

No processo comum nº572/16.8T9TMR procedente do Juízo de Competência Genérica de Almeirim do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, os arguidos MR, AA, AB, FG e PG, todos melhor identificados nos autos, foram pronunciados pela prática em co-autoria de um crime de insolvência dolosa, pp. pelo art. 227º, nº2, com referência às líneas a) e b) do nº1 do mesmo artigo do Código Penal.

Submetidos a julgamento perante tribunal singular por sentença proferida em 29-05-2019 foi julgada parcialmente provada e procedente a pronúncia e consequentemente decidido o seguinte: a) condenar a arguida MR, pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo artigo 227.º, n.º 2, por referência às alíneas a) e b), do n.º 1, na pena de 350 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, no valor total de 2.100,00€; b) condenar a arguida AA, pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo artigo 227.º, n.º 2, por referência às alíneas a) e b), do n.º 1, na pena de 365 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, no valor total de 2.190,00€; c) condenar o arguido AB, pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo artigo 227.º, n.º 2, por referência às alíneas a) e b), do n.º 1, na pena de 365 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, no valor total de 2.190,00€; d) condenar o arguido FG, pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo artigo 227.º, n.º 2, por referência às alíneas a) e b), do n.º 1, na pena de 340 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, no valor total de 2.040,00€; e) absolver a arguida PG, da prática do crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo artigo 227.º, n.º 2, pelo qual se encontrava pronunciada.

Recurso.

Inconformados com esta decisão dela recorreram os arguidos AA, MR e AB, pugnando pela sua absolvição, rematando a motivação com as seguintes (transcritas) conclusões: I. A decisão sob recurso deu como provada a seguinte factualidade: 1. Por acórdão proferido no processo comum coletivo n.º ---/13.9GFALR, no Tribunal Judicial de Almeirim, (pelo então Tribunal do Círculo de Santarém) – para o qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzido – o arguido JI foi condenado pela prática de um crime de homicídio simples, praticado em 02.01.2013; 2. O arguido JI foi ainda condenado, pelo mesmo acórdão, no pagamento da indemnização civil peticionada pelos herdeiros da vítima, concretamente no pagamento dos seguintes valores: a. À demandante ML (ora assistente), a quantia de 12.000,00€ - doze mil euros – (a título de danos morais por ela sofridos com a morte da vítima), acrescida dos juros de mora legais, calculados sobre essa quantia, desde a data da prolação do acórdão até integral e efectivo cumprimento; b. Aos demandantes MG, JF e DF, a quantia de 10.000,00€ - dez mil euros – (a título de danos morais por eles sofridos com a morte da vítima), por cada um, acrescida dos juros de mora legais, calculados sobre essa quantia, desde a data da prolação do acórdão até integral e efectivo cumprimento; c. A todos os demandantes, ML, MG, JF e DF, em conjunto, a quantia de 47.500,00€ (quarenta e sete mil e quinhentos euros), acrescida dos juros de mora legais, calculados sobre essa quantia, desde a data da prolação do acórdão até integral e efectivo cumprimento.

  1. À data da prática do crime de homicídio referido – 02.01.2013 – JI e a sua cônjuge, MR eram donos e legítimos proprietários do prédio misto sito na Rua …, Frade de Baixo, freguesia e concelho de Alpiarça, com uma área total de 4.800m2, descrito na C.R.P. de Alpiarça sob o artigo --- e com as inscrições matriciais urbanas xx e xx e rústica xx – secção xxx (doravante apenas designado por “imóvel”), sendo legítimos possuidores e utilizadores daquele bem.

  2. No dia 07.02.2013, os arguidos JI – àquela data preso preventivamente – e MR celebraram e registaram “negócio”, denominado por “Doação”, que tinha por objecto o aludido imóvel, e fizeram-no a favor da filha AA e do seu cônjuge AB, atribuindo a este “negócio” o valor global de 65.383,80€ e para tal declarando que aquela doação era feira “por conta das quotas disponíveis dos doadores”.

  3. O direito de propriedade sobre o referido imóvel passou, então, a estar inscrito a favor da arguida AA e do seu cônjuge AB.

  4. No dia 17.07.2013, os arguidos AA e AB celebraram novo “negócio”, intitulado por “contrato de compra e venda”, sobre o mesmo imóvel, com o arguido FG.

  5. Atribuíram, os supra referidos arguidos, a este último negócio, o valor global de 120.000,00€ a liquidar pelo adquirente, FG, em 300 (trezentas) prestações mensais de 400,00€ (quatrocentos euros) cada e passando o direito de propriedade sobre esse imóvel a estar inscrito a favor dos arguidos FG e PG.

  6. O comprador, FG, por sua vez, cedeu gratuitamente, o imóvel aos vendedores, AA e AB, “negócio” que intitularam de “comodato”, para habitação.

  7. Não obstante ter sido proferida sentença no dia 07.01.2014, no procedimento cautelar que correu por apenso ao aludido processo comum colectivo n.º --/13.9GFALR-A, decretando o arresto preventivo dos valores depositados em contas tituladas pelo arguido JI, já não se encontravam nas mesmas quaisquer quantias monetárias.

  8. O arguido JI veio apresentar-se à insolvência o dia 17.09.2015, tendo sido proferida sentença de declaração de insolvência no dia 21.09.2015, transitada em julgado no dia 28.10.2015.

  9. O arguido JI nunca procedeu ao pagamento de quaisquer valores em dívida aos queixosos, designadamente aqueles a que foi condenado no processo comum colectivo n.º --/13.9GFALR.

  10. Quando outorgaram os respectivos “negócios”, acima referidos, todos os arguidos, MR, AA, AB e FG, sabiam perfeitamente que, actuando assim em conluio, impediram os credores, ora queixosos, de satisfazer o seu crédito, tendo não só consciência do prejuízo que criavam a estes últimos, como também intenção de, conscientemente, prejudicar os queixosos, impedindo-os de alcançar o seu propósito de cobrança coerciva do referido crédito.

  11. Os arguidos JI, MR, AA, AB e FG agiram com o intuito de subtrair o aludido imóvel ao património do arguido JI e assim, em benefício deste, evitaram que o mesmo viesse a ser utilizado para pagamento do crédito dos queixosos.

  12. A arguida MR, mulher de JI, assim como os seus familiares próximos, os arguidos AA e AB, continuam a viver, como sempre fizeram, no mesmo imóvel, o que era do conhecimento de JI.

  13. Os referidos “negócios” foram celebrados, respectivamente por JI, MR, AA, AB e FG apenas com o propósito de prejudicar o crédito dos queixosos, dissipando e extraviando bens do património líquido (activo), de JI e da sua respectiva herança.

  14. JI e a arguida MR sabiam perfeitamente que, no momento em que doaram o imóvel à filha e ao genro – AA e AB não tinha outros bens suficientes no património daquele para que os queixosos lograssem obter o pagamento do seu crédito.

  15. Os arguidos AA e AB sabiam que a intenção de JI, com tal “negócio” denominado por “Doação”, era apenas esvaziar o património daquele e, assim, obstar a que os queixosos conseguissem obter o pagamento da indemnização que lhes era devida.

  16. O arguido FG, por seu turno, celebrando “negócio” de “compra e venda” sabia que, desse modo, obstava a que os queixosos conseguissem obter o pagamento da indemnização que lhes era devida.

  17. Não foram, de facto, encontrados bens susceptíveis de penhora, para pagamento de indemnização civil aos queixosos.

  18. Todos os arguidos, JI, MR, AA, AB e FG actuaram em comunhão de esforços e agiram de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas respectivas condutas eram proibidas e punidas por lei.

  19. Causando com a sua respectiva conduta, de forma livre, voluntária e consciente, prejuízos aos queixosos, pois não fossem os factos praticados pelos arguidos, celebrando os respectivos negócios de “Doação” e de “Compra e Venda”, e os queixosos teriam recebido a indemnização que lhes era devida, por via de penhora e liquidação do património do condenado JI, actuando em benefício deste.

  20. JI faleceu no dia 15.01.2017.

  21. Desconhecem-se anteriores condenações penais aos arguidos, constando do seu certificado de registo criminal que os não têm.

  22. A arguida AA é reformada, auferindo 400,00€ mensais, a título de pensão reforma.

  23. Vive em casa do arguido FG, segundo declara a título de favor.

  24. Tem dois filhos maiores.

  25. Vive com a mãe, de quem trata.

  26. Paga cerca de 200,00€ mensais de um crédito pessoal.

  27. Tem o 7.º ano de escolaridade.

  28. Declara receber o valor que o arguido lhe paga todos os meses.

    1. Os factos carreados para os autos e dados como provados não permitiam, nem permitem ao tribunal recorrido, sem quaisquer reservas, condenar, como o fez, os arguidos.

    2. O princípio do in dúbio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito.

    3. Verifica-se ainda, na sentença recorrida, um erro notório na apreciação da prova.

    4. O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.

    5. Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.

    6. Na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos...

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