Acórdão nº 166/18.3GDPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelRENATO BARROSO
Data da Resolução19 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo comum com intervenção de tribunal colectivo, nº 166/18.3GDPTM, da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de Portimão, foi condenado o arguido HD, pela prática de um crime de violação de domicílio qualificada, p.p., pelo Artº 190 nº3 do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição): 1 - O presente recurso tem como fundamentos: a nulidade da busca realizada ao veículo do arguido; o incorrecto julgamento da matéria de facto; discordância quanto à escolha e medida da pena; discordância quanto à não suspensão da execução da pena.

2 - A busca realizada ao veículo do arguido não foi previamente ordenada ou autorizada por autoridade judiciária, nem se verificou nenhum dos casos previstos no n.º 5 do artigo 174.º do CPP.

3 - A busca não foi comunicada ao juiz de instrução nem validada por este, como impunha a disposição conjugada do n.º 2 do artigo 251.º com o n.º 6 do artigo 174.º do CPP.

4 - Em face do exposto, a busca realizada ao veículo do arguido padece de nulidade, por violação dos mencionados artigos, bem como do n.º 8 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

5 - Esta nulidade contamina as demais provas realizadas em estreita conexão com aquela busca, designadamente as perícias sobre os objectos apreendidos no âmbito da mesma (conforme resulta do n.º 1 do artigo 122.º do CPP).

Sem prescindir, 6 - O recorrente considera que foram incorrectamente julgados os pontos 1 a 12 da matéria de facto considerada provada pelo tribunal a quo, elencados na página 2 e 3 do douto acórdão recorrido.

7 - Nenhuma das testemunhas inquiridas conseguiu reconhecer o arguido como autor dos factos (conforme resulta das passagens acima melhor identificadas, no depoimento da sessão de ).

8 - As perícias aos objectos encontrados no veículo do arguido não poderão ser usadas como prova porque os mesmos resultaram de uma busca ilegal.

9 - As marcas de calçado foram encontradas em local diverso daquele onde ocorreu o crime e foram feitas quando o arguido se deslocou a esse local acompanhado pelos agentes da autoridade (conforme decorre das declarações do arguido, prestadas na sessão de 04/04/2019 das 14:47:21 às 15:01:57).

10 - Destarte, as provas existentes não são suficientes para considerar provados os factos descritos nos pontos 1 a 12 do ponto “II – Fundamentos”, do douto acórdão recorrido, pelo que os mesmos deveriam ter sido considerados não provados, com a consequente absolvição do arguido.

11 - Ao considerar provados tais factos sem prova que os sustente, o tribunal a quo violou o artigo 127.º do CPP, bem como o n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Sem prescindir, e ainda que se entenda que a busca realizada ao veículo do arguido não padece de nulidade, 12 - A conclusão (“provavelmente”) do exame pericial realizado às marcas de tinta deixadas no local arrombado não é suficiente para afastar todas as dúvidas quanto à origem das mesmas.

13 - Em face da dúvida, deve imperar o princípio in dubio pro reo, decorrente da presunção de inocência constante do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

14 - Ao considerar provados os pontos 6 a 12 da matéria de facto o tribunal a quo violou o artigo 127.º do CPP, bem como o n.º 2 do artigo 32.º da CRP.

15 - Considerados não provados os pontos 6 a 12 da matéria de facto, ao abrigo do referido princípio, deveria o arguido ter sido absolvido.

Sempre sem prescindir, 16 - As condenações do arguido por crimes contra a propriedade (furto ou roubo) ocorreram há mais de 10 anos (a última das condenações é de Janeiro de 2008, e diz respeito a factos ocorridos em 2006).

17 - O arguido encontra-se em liberdade desde Julho de 2014 (ponto 18 dos factos provados), e desde então não praticou nenhum crime daquela natureza.

18 - Todas as condenações posteriores a 2015 dizem respeito, essencialmente, a crimes de condução sem habilitação legal.

19 - Entretanto, o arguido já ficou habilitado a conduzir, quer veículos ligeiros quer pesados (ponto 16 dos factos provados).

20 - O arguido vive com a mulher e a filha de 3 anos, trabalha por conta própria como mecânico de automóveis, concluiu o 9.º ano de escolaridade durante o período de reclusão, e mantém-se abstinente do consumo de estupefacientes de que foi dependente no passado.

21 - Passou mais de um ano desde a data dos factos e, desde então, não existe notícia de que o arguido tenha voltado a praticar qualquer crime ou seja arguido em algum processo.

22 - A sujeição do arguido a um novo período de reclusão não cumpriria o papel ressocializador da pena, e poderia mesmo comprometer essa finalidade, deitando por terra todo o claro esforço que o arguido tem vindo a fazer no sentido de levar uma vida de acordo com o direito.

23 - Por todos os motivos expostos, o tribunal a quo deveria ter optado por uma pena não privativa da liberdade, nomeadamente uma pena de multa.

24 - Ao decidir como decidiu o tribunal a quo violou os artigos 40.º e 70.º do Código Penal.

Ainda sem prescindir, e caso assim não seja entendido, 25 - Por todas as razões aduzidas, e em particular pela conduta posterior do arguido, existem fundamentos sólidos e suficientes para formular um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do mesmo, no sentido de concluir que este não praticará novos crimes.

26 - Em comparação com o ambiente de reclusão, a suspensão da execução da pena de prisão reforçará muito mais os desígnios da prevenção especial, apoiando e promovendo a reinserção social do arguido.

27 - Neste contexto, deveria o tribunal a quo ter optado pela suspensão da execução da pena de prisão.

28 - Ao decidir como decidiu o tribunal a quo violou o artigo 50.º do Código Penal.

Termos em que, requer a V. Exas., face a tudo o que ficou supra alegado, se dignem conceder provimento ao presente recurso, revogando a douta decisão recorrida e substituindo-a por outra que: a) declare nula a busca realizada ao veículo do arguido, com todas as consequências daí decorrentes; b) reaprecie a matéria de facto provada e a motivação formulada pelo tribunal a quo, absolvendo o aqui recorrente do crime pelo qual foi acusado; Sem prescindir, e caso assim não seja entendido, c) altere a escolha da pena, condenando o arguido numa pena de multa, em vez da pena de prisão aplicada; Sem prescindir, e caso assim não seja entendido, d) altere a medida da pena, reduzindo a duração da pena de prisão aplicada; Finalmente, e igualmente sem prescindir, e) suspenda a execução da pena de prisão aplicada.

Assim se fazendo a costumada justiça! C – Resposta ao Recurso O M. P, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, concluindo pela manutenção, na íntegra, do acórdão recorrido.

D – Tramitação subsequente Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exº Procurador-Geral Adjunto, que se pronunciou pela improcedência do recurso.

Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

  1. FUNDAMENTAÇÃO A – Objecto do recurso De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

    Na verdade e apesar do recorrente delimitar, com as conclusões que retira das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.

    As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.

    O objecto do recurso cinge-se às conclusões do recorrente, das quais se podem extrair as seguintes questões: 1) Nulidade da busca realizada no veículo do arguido 2) Erro de julgamento 3) Violação do princípio in dubio pro reo 4) Alteração da pena aplicada pelo tribunal recorrido B – Apreciação Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em termos factuais, pela instância recorrida.

    Aí, foi dado como provado e não provado, o seguinte (transcrição): Factos provados Com interesse para a decisão resultaram provados os seguintes factos: Da acusação 1. No dia 11 de Abril de 2018, pelas 16 horas, o arguido dirigiu-se ao Aldeamento Varandas da Marinha, na Praia da Marinha, Lagoa, ao volante do veículo ligeiro de passageiros de matrícula FV, marca BMW, com a intenção de furtar os objectos que encontrasse, nomeadamente, nas habitações aí existentes.

  2. Para o auxiliar nesse desiderato, o arguido transportava na bagageira do citado veículo um cabo de enxada, um par de luvas, um pé de cabra de cor amarela e uma chave de fendas.

    * 3. No local, dirigiu-se à “Casa Ryder”, escalou o muro e vegetação que a...

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