Acórdão nº 24/19.4GTBGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo especial, sob a forma sumária, com o NUIPC 24/19.4GTBGC, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, no Juízo de Competência Genérica de Vila Flor, foi o arguido A. F. condenado, por sentença proferida oralmente a 20-05-2019, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, n.º 1, do Código Penal, conjugado com o art. 81º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), perfazendo a quantia global de € 480 (quatrocentos e oitenta euros), e, nos termos do art. 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria por um período de 4 (quatro) meses.

  1. Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, concluindo a respetiva motivação nos termos que a seguir se transcrevem[1]: «CONCLUSÕES 1) (…) 2) O recorrente foi detido em flagrante delito e julgado em processo sumário, no qual confessou na integra, de livre vontade e sem reservas os factos que lhe eram imputados.

    3) O recorrente demonstrou-se arrependido pelo sucedido e tem plena consciência da gravidade da sua conduta, contudo, não pode aceitar a tramitação processual sucedida.

    4) O Ministério Público não propôs a suspensão provisória do processo, nos termos do art.º 281º do CPP, nem o recorrente a pôde requer por não ser da tutela jurisdicional do Exmo. Juiz a quo.

    5) A redação do art.º 281º, nº1 do CPP foi alterada pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, de “pode o Ministério Público decidir-se … pela suspensão do processo” para a atual redação “ o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento … determina … a suspensão do processo … sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:”, confirmando o dever do Ministério Público na aplicação da suspensão provisória do processo.

    6) O Ministério Público tem o dever de suspender o processo quando reunidos cumulativamente, no caso concreto, os pressupostos legais enunciados no art.º 281º do CPP.

    7) O recorrente reúne todos os requisitos para a suspensão provisória do processo, sendo primário, não tendo antecedentes criminais de qualquer natureza, nunca lhe tendo sido aplicado o instituto da suspensão provisória do processo, agiu com culpa mediana.

    8) A TAS não é medida de culpa, nem relevante de culpa grave, segundo o disposto na jurisprudência (ver o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo nº 1856/08.4PBMTS, á data de 18/03/2009, relatado pela Exma. Juiz-Desembargadora Maria do Carmo Silva Dias) e segundo o estipulado pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (consultáveis em http://www.ansr.pt/SegurancaRodoviaria/Conselhos/Documents/O%20%C3% 81LCOOL%20E%20A%20CONDU%C3%87%C3%83O.pdf), de onde se depreende que a TAS não revela para a culpa do agende por depender de fatores externos e alheios: o peso, a idade, o género, o estado psíquico, emocional, físico e de saúde do consumidor, e até mesmo, da pressão atmosférica, alterações bruscas de temperatura, alimentação, além da quantidade e composição da bebida ingerida.

    9) O Ministério Público sempre que verificar os respetivos pressupostos tem o poder-dever de determinar a suspensão provisória do processo e não o fazendo viola o disposto na Lei nº 51/2007, de 31 de agosto, que definiu os objetivos, prioridades e orientações de política-criminal para o biénio de 2007-2009, e que indicam a aplicação da suspensão provisória do processo ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, bem como, o disposto nos art.º 384º e 281º do CPP.

    10) A violação do disposto nos art.º 281º e 384º do CPP causaram a nulidade do processado, conforme previsto no art.º 120º, nº 2, alínea d) do CPP, atendendo a que, o inquérito realizado foi insuficiente por o Ministério Público não ter praticado atos, tal ato, estava legalmente obrigado – suspensão provisória do processo – o que torna a sentença proferida nula por sequência, conforme art.º 122º, nº 1 do CPP.

    11) O recorrente foi condenado a uma pena de multa de 80 dias à taxa diária de €6,00 (seis euros), da qual se recorre por se entender que não se coaduna com a ilicitude da conduta do recorrente nem com as circunstâncias do caso concreto.

    12) O recorrente é primário, confessou integralmente e sem reservas os factos imputados, demonstrou-se arrependido, tem uma vida profissional, familiar e social integrada e organizada, tem um filho ainda bebé para sustentar e exerce a profissão de comercial por conta de outrem, o que implica viagens de automóvel diárias entre clientes, conduzindo e utilizando como seu instrumento de trabalho, um veículo da sua entidade patronal.

    13) As circunstâncias casuísticas do recorrente deveriam depor a favor da redução da pena de multa aplicada ao recorrente, que se irá traduzir num sacrifício exagerado atendendo às prevenções pretendidas.

    14) A pena de multa aplicada ao recorrente deverá ser atenuada especialmente, e assim, reduzida ao limite mínimo legal, nos termos do art-º 72º, 73º e 47º do CP.

    15) O recorrente recorre ainda, da pena acessória de inibição de suspensão de condução pelo período de 4 meses que lhe foi aplicada, por ser desproporcional face aos factos cometidos e à culpa do agente, que em nosso modesto entender, se trata de culpa mediana.

    16) O recorrente, caso venha a cumprir a pensa acessória a que foi condenado, terá de deixar de trabalhar, despedindo-se, pois, a sua função de comercial só é exequível se o recorrente puder conduzir o veículo da entidade patronal, para realizar as visitas necessárias aos clientes.

    17) O recorrente ficará sem rendimentos, sem qualquer subsídio social, sem ter como alimentar e sustentar a sua família, e principalmente o seu filho ainda bebé, passando por sofrimento e privação extremos.

    18) A douta sentença recorrida viola os direitos constitucionais do recorrente ao exercício de uma atividade profissional (art.º 58º e 59º da CRP), sustento da sua família (art.º 35º, nº 5 da CRP), dignidade e igualdade (art.º 12º e 13º da CRP), com a condenação em penas desproporcionais (art.º 18º da CRP), pesadas demais em comparação com outras decisões de casos semelhantes.

    19) O Tribunal a quo ao condenar o recorrente na pena acessória de inibição de conduzir por um período de 4 meses, violou o disposto no artº. 71º do CP, por desconsiderar as condições pessoais do agente, designadamente o facto de necessitar de conduzir veiculo automóvel como condição sine qua non para o exercício da sua atividade profissional.

    20) As penas acessórias assumem a natureza de uma pena, estarão, portanto, sujeitas ao regime de suspensão ou substituição, nos termos do artº. 73°, nº 2 do Código Penal.

    21) As penas acessórias desempenham uma função preventiva auxiliar da pena principal, não apenas de intimidação, mas de defesa contra a perigosidade individual, contudo, não foram provados quaisquer factos que sustem a perigosidade do recorrente.

    22) A culpa do agente é o limite máximo inultrapassável de pena concreta a aplicar, a par das exigências de prevenção, que no caso são reduzidas pela inexistência de outros crimes praticados pelo recorrente.

    23) A sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo deverá ser revogada e substituída por outra que, levando em conta o supra alegado, altere a medida da pena acessória, suspendendo a sua execução ou substituindo-a por outra capaz de assegurar os critérios da proporcionalidade e adequação exigidos nos art.º 40, art.º 71 n.º 2 e 73º do CP, que foram violados pela douta sentença recorrida.

    24) Ou, caso assim não se entenda, e considerando todas as circunstâncias específicas deste caso concreto, deverá a pena acessória aplicada, ser reduzida para o seu mínimo legal, que salvo melhor opinião, será suficiente e eficiente na prevenção da reincidência deste recorrente, evitando prejuízos extremos na sua vida económica e familiar, conforme se pretende com a política criminal vigente.

    25) A douta sentença recorrida viola os art.º 12º, 13º, 18º, 35º, 58º e 59º da Constituição da República Portuguesa, os art.º 40º, 47º, 71º, nº 2 e 73º do Código Penal, os art.º 281º e 384º do Código de Processo Penal e a Lei nº 51/2007, de 31 de agosto, sendo nula nos termos dos art.º 120º, nº 2, alínea d) e 122º, nº 1 do CPP.

    Nestes termos e no mais de direito aplicável, deve o presente Recurso de apelação ser julgado procedente por provado, sendo revogada a douta sentença recorrida, por ser nula nos termos dos art.º 120º, nº 2, alínea d) e 122º, nº 1 do CPP, e sendo substituída por outra que, absolva o recorrente em virtude da nulidade arguida, ou caso assim não se entenda, que reduza as penas principal e acessória aplicadas ao limite mínimo legal, ou que substitua ou suspenda a execução da pena acessória de inibição de conduzir.

    Pelo que, só assim se fará, como sempre, INTEIRA JUSTIÇA!» 3.

    Em resposta à motivação do recorrente, a Exma. Procuradora Adjunta na primeira instância pronunciou-se pela improcedência do recurso, pelas razões que sintetizou nas seguintes conclusões (transcrição): «1. O grau de ilicitude da conduta do recorrente é bastante acentuado, atenta a taxa de alcoolemia, e o juízo de censura é pertinaz porquanto atuou com dolo direto; 2. As necessidades de prevenção geral e especial não são de descurar face à pungente sinistralidade rodoviária devida, em grande parte, à condução de veículos em estado de embriaguez; 3. Como tal, bem se decidiu ao não aplicar aos autos o instituto da suspensão provisória do processo; 4. Como assim agiu com total acerto o Mmº Juiz a quo na determinação do quantum das penas principal e acessória aplicadas ao arguido.

  2. Destarte, a douta sentença recorrida não violou qualquer preceito legal, pelo que não merece qualquer reparo.» 4.

    Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu desenvolvido parecer, em que, após abordar...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT