Acórdão nº 965/17.3PBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo comum com intervenção de juiz singular que, com o NUIPC 965/17.3PBBRG, corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 2), realizado o julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo (transcrição[1]): «Pelo exposto, julgo a ação penal parcialmente provada e procedente e, em consequência: A)- Condeno o arguido I. F.

como autor material e em concurso real de: - Um crime de ameaça agravada, praticado no dia 23/06/2017, p. e p.p. artº 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros); - Um crime de injúria, praticado no dia 23/06/2017, p. e p.p. artº 181º, nº 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros); - Em cúmulo jurídico, na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), perfazendo a multa de €600,00 (seiscentos euros).

B)- Absolvo o arguido de um crime ameaça agravada, p. e p.p. artº 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) do Código Penal, que lhe vem imputado, relativo ao dia 27/06/2017.

C)- Condeno o arguido nas custas do processo, com 3 (três) UC de taxa de justiça e encargos legais, sem prejuízo do apoio judiciário concedido – artº 513º, nº 1 do CPP e tabela III do RCP.

D)- Fixo a taxa de justiça pela constituição de assistente em 1 (um

  1. UC e 1 (uma) UC pela acusação particular, sem prejuízo do apoio judiciário concedido – artº 8º, nº 1 e tabela III do RCP.

    E)- Julgo provado e parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido, condenando o arguido a pagar à demandante, a quantia de €900,00 (novecentos euros), acrescida de juros de mora, desde a data da sentença até integral pagamento, a título de indemnização por danos não patrimoniais; absolvendo o arguido do mais peticionado.

    Isento de taxa de justiça cível – artº 4º, nº 1, al. n) do RCP.» 2.

    Não se conformando com essa condenação, o arguido recorreu da sentença, formulando no termo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: «I – Ao não considerar provada a circunstância de o arguido ser ter dirigido à assistente dizendo-lhe “…eu mato-vos…”, imediatamente antes da expressão “…apareceis mortas aqui dentro …”, esta última relevada e considerada provada, não obstante da primeira ainda assim ter sido depois acolhida como pronunciada para efeitos de motivação da decisão de facto e mais concretamente para atribuir credibilidade, seriedade e até mesmo isenção às declarações da assistente, existe contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, com violação da al. b), nº2, art.º410 do Código Processo Penal; II – Ao não fixar tal facto que depois vem admitir como pronunciado na motivação daquela decisão, torna patente uma apreciação manifestamente incorreta, baseada em juízos ilógicos porquanto exclui dos factos assentes uma circunstância essencial, com violação da al. c), nº2, do art.º 410 do Código Processo Penal.

    III – Ainda que se entenda inverificados os vícios consagrados nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.ºdo CPP, o texto da decisão, a prova concretamente aí elencada e aquela que especificadamente se discorreu supra, permitem concluir, fora do contexto da livre convicção, que o tribunal errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas; IV – A expressão demonstrada “…eu mato-vos, apareceis mortas dentro de casa…” pronunciada no presente do indicativo e num quadro de discussão e exaltação não preenche os elementos objetivos típicos do crime de ameaça designadamente por não integrar a ameaça com um mal futuro pelo que a douta sentença violou o artigo 153.º/1, 155.º,n.º 1 a) e 127.º, todos do Código Processo Penal.

    V – O tribunal “a quo”, julgou provado e parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido, condenando o arguido a pagar à demandante, a quantia de €900,00 (novecentos euros), €600,00 euros relativos à ameaça e €300,00 euros relativos à injúria, pelo que indemonstrado que foi a prática pelo demandado de factos ilícitos consistentes na violação do direito à segurança e liberdade da demandante, concretamente por não subsistirem quaisquer dos crimes de ameaça que vinha acusado, impõe-se subsequentemente, a este nível, a supressão da parcela correspondente.

    Termos em que deve o recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta decisão recorrida, substituindo-se por outra que: a)- Absolva o arguido do crime de ameaça agravada em que foi condenado e, bem assim, da respetiva parcela do pedido cível fixado, com o consequente abatimento naquele pedido no montante de € 600,00 euros, mantendo-se o demais.» 3.

    Respondendo à motivação do recorrente, o Exmo. Procurador-Adjunto na primeira instância pronunciou-se pela improcedência do recurso, por entender que não se verifica o apontado vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão nem a existência de qualquer erro de julgamento da matéria de facto e que a expressão dada como provada contém o anúncio de um mal futuro, o qual, para efeitos do crime de ameaça, é aquele que se dirige não só ao futuro mais longínquo mas também ao imediato, conquanto não se confunda com atos de execução (tentativa) do crime ameaçado, o que no caso não sucedeu, e que seja suscetível de causar medo e inquietação na pessoa visada.

    1. Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, entendendo que a sentença é nula, por falta de análise crítica da prova, pelo que deve ser declarada a sua nulidade nos termos do disposto nos arts. 374º, n.º 2, e 379º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, com o reenvio dos autos à 1ª instância para que aí se elabore nova sentença que supra aquela nulidade.

    2. No âmbito do disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve qualquer resposta a esse parecer.

    3. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do mesmo código.

    II.

    FUNDAMENTAÇÃO 1. QUESTÕES A DECIDIR Dispondo o art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal que "a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido", são, pois, as conclusões que constituem o limite do objeto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

    Assim, balizadas pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a apreciar são as seguintes: a) - A existência, na sentença recorrida, dos vícios decisórios de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova.

  2. - A impugnação da matéria de facto por erro de julgamento.

  3. - O não preenchimento dos elementos típicos do crime de ameaça.

    1. DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1 – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição): «1- No - de Junho de 2017, pelas 20h30, na Rua …, lote …º, Braga, residência comum, o arguido disse à assistente L. G., depois de discutir com a mesma, que esta, bem assim a filha de ambos, ia “aparecer morta dentro de casa”.

    2- As supra referidas expressões foram proferidas em tom sério e convicto, causando à assistente L. G. medo e perturbação, temendo pela sua integridade física e pela sua vida.

    3- Com a atuação descrita o arguido pretendeu transmitir a L. G. que estava na disposição de atentar contra a sua integridade física e vida em momento que escolhesse, com o intuito, concretizado, de a deixar com medo e perturbada.

    4- No contexto de tempo e de lugar supra descrito, o arguido dirigiu à assistente as expressões “puta” e “vaca”, na presença do seu amigo e de sua filha menor.

    5- Ao proferir as palavras referidos no ponto 4., o arguido pretendeu e conseguiu ofender e humilhar a assistente na sua honra, dignidade e consideração.

    6- O Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, apesar de a sua capacidade para se determinar de acordo com essa avaliação se encontrasse diminuída, por força da sua dependência alcoólica.

    7- A assistente foi companheira do arguido, tendo uma filha menor em comum.

    8- No dia 23 de Junho de 2017, quando a assistente chegou a casa vinda do trabalho na companhia de sua filha menor, o arguido encontrava-se acompanhado por um amigo e influenciado pela ingestão de bebidas alcoólicas.

    9- Arguido e assistente encontram-se separados desde os factos apurados no ponto 1 dos factos provados, tendo a assistente abandonado, nesse próprio dia, a residência comum, acompanhada de sua filha.

    10- No dia -/06/2017, pelas 12H30M, o arguido deslocou-se ao local de trabalho da assistente, em Braga, ficando esta com medo e perturbada.

    11- Em consequência das condutas do arguido em apreço nos autos e supra descritas, a demandante receou permanecer dentro da sua própria casa, temendo que o arguido concretizasse o mal anunciado.

    12- Sentiu-se também desassossegada, com medo de voltar a ser humilhada na frente de quem quer que fosse, designadamente no dia -/06/2017.

    13- O que se repercutiu num estado de mal-estar físico e psicológico, desalento e exaustão.

    14- Perdeu o apetite e mergulhou num estado de angústia e ansiedade.

    15- A demandante é pessoa calma, séria e honrada.

    16- Trabalha como empregada doméstica e vive com sua filha menor.

    17- O arguido encontra-se desempregado, recebendo €180,00 mensais de RSI.

    18- Vive num quarto arrendado, beneficia de apoio alimentar da Cruz Vermelha.

    19- O arguido não possui antecedentes criminais.» 2.2 – Por seu lado, o tribunal a quo considerou como não provados os seguintes factos (transcrição): «- No dia - de Junho de 2017, pelas...

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