Acórdão nº 60/14.7GBVVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução28 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório No âmbito do processo comum singular n.º 60/14.7GBVVD do Juízo Local Criminal de Vila Verde, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, o arguido R. A.

, entre outros, foi julgado e condenado por sentença proferida em 10/01/2017, como autor de crime de furto qualificado, p. e p. nos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, f), um crime de furto qualificado, p. e p. nos artigos 202.º, d), 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, e), um crime de furto, p. e p. no artigo 203.º, n.º 1, e de um crime de dano, p. e p. no artigo 212.º, n.º 1, todos do C. Penal, nas penas de um ano, de três anos e seis meses, de dez meses, de oito meses e dez meses de prisão e, em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão.

Inconformado com a referida decisão, o arguido R. A. interpôs recurso, invocando a nulidade de todo o processado após prolação da acusação, nos termos do disposto na alínea c) do art. 119º do CPP e arts. 18º, n.º 1 e 32º, ambos da CRP, formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): «1. O recorrente impugna a sentença, de que se recorre, por considerar que o iter até ela percorrido, desde a notificação da acusação, ao ora recorrente, padece de nulidade insanável.

  1. Pois que o arguido nunca foi notificado da acusação, ficando assim, irremediavelmente prejudicado, o seu fundamental direito ao contraditório e defesa.

  2. No seguimento do interrogatório realizado ao arguido no dia 28/04/2014, o mesmo prestou TIR, dele constando a seguinte morada: Rua … Braga – fls. 134 do processo principal. 4. Sendo o único local, neste e em qualquer outro processo, onde essa morada se encontra associada ao arguido.

  3. Não constando da dita página 1/2 do TIR, qualquer assinatura ou rubrica do arguido.

  4. Não tendo o arguido, pese embora de forma negligente, por com certeza não ter lido e confiado que a morada que ali constava era a que efectivamente tinha indicado, se inteirado da morada que na dita página constava.

  5. Ou seja, “assinou de cruz”.

  6. Pois nela nunca residiu nem nunca a indicou como morada para posteriores notificações ao abrigo do disposto no artigo 196.º do CPPenal.

  7. Só podendo resultar a constância dessa morada em tal documento do, hoje-em-dia “vulgar”, lapso do copy/paste.

  8. Uma vez que o arguido indicou, como sempre o fez para todos os documentos oficiais, a sua efetiva morada, a Rua … Espinho (BRG).

  9. Morada essa, indicada nos TIR prestados nos processos 1494/15.5PBBRG – apenso A - e 687/14.8TABRG – apenso B.

  10. Aliás, tal morada consta de fls. 410, 412,416, 419 e 424, referentes aos pedidos de renovação do BI/CC do arguido, 595, 596, 597, 598, 599, 600, 601, 602 e 604, referentes ao CRC do arguido.

  11. Se dúvidas ainda subsistissem ao Ministério Público no que diz respeito à real morada do arguido, as mesmas teriam que ficar dissipadas após a tentativa de notificação da acusação para a morada constante de fls. 134.

  12. Pese embora o distribuidor postal tenha depositado a carta para notificação da acusação ao arguido na morada constante de fls. 134.

  13. Certo é que, depois de efectuado o depósito, a dita carta para notificação da acusação ao arguido, foi devolvida ao Tribunal com as seguintes anotações: no rosto, “DEPOIS DE DEVIDAMENTE ENTREGUE VOLTOU AO CIRCUITO DOS CORREIOS” - no verso, como nota de incidente: “NUNCA RESIDIU NESTA MORADA” – vd. fls. 519 verso dos autos principais.

  14. Assim, na sequência desta devolução, o DIAP de Vila Verde, diligentemente e bem, tentou a notificação da acusação ao arguido com a expedição de mandado de notificação à PSP de Braga – vd. fls. 521 dos autos principais.

  15. Que foi devolvido acompanhado de certidão com o seguinte teor: (…) “Certifico e dou fé, que para o cumprimento do mandado de notificação que antecede, NÃO NOTIFIQUEI, R. A., em virtude de não residir nas moradas indicadas. Das diligências efectuadas apurou-se que o referenciado consta estar trabalhar algures na Bélgica, desconhecendo-se a data do seu regresso. (…) – vd. fls. 521 a 524 dos autos principais.

  16. Também no relatório social para determinação da medida da pena, junto a fls. 720 e ss., é referido que o arguido não reside na Rua … Braga.

  17. Morada que, diga-se, é integrante de um condomínio fechado, de nível médio/alto, com piscina privada, nada condicente com as condições socioeconómicas do arguido.

  18. Consolidando aquilo que já era por demais evidente. O arguido não residia, não reside nem nunca residiu na Rua … Braga.

  19. E que a constância de tal morada no documento de fls. 34, só pôde resultar, como acima já se referiu, do hoje-em-dia “vulgar”, lapso do copy/paste.

  20. Importa agora saber se, ao ser apenas notificado por via postal simples para a morada constante do TIR, foi, no caso concreto, regular a realização da audiência na ausência do arguido.

  21. A notificação da acusação deve ser feita pessoalmente ao arguido, além do defensor, como expressamente refere o n.º 9 do art. 113.º do CPP.

  22. Esta exigência constitui um pressuposto do exercício efectivo do direito de defesa, dada a função processual do acto de acusação e da posição eminentemente pessoal do arguido perante os factos da acusação, como delimitação do perímetro dentro do qual se desenha o direito e se impõem as necessidades de defesa da pessoa acusada.

  23. Face ao plasmado no art.113.º, n.º10 do C.P.P., é pacífico que a acusação tem de ser notificada quer ao arguido, quer ao seu Defensor. A acusação tem de ser obrigatoriamente notificada não só ao Defensor, como também ao arguido.

  24. Já não existe a mesma unanimidade quanto à idoneidade da notificação da acusação por carta remetida por via postal simples para a morada indicada no TIR, quando a carta é devolvida.

  25. A notificação não pode considerar-se validamente efetuada, numa situação em que tendo o arguido prestado TIR e sido expedida carta (para notificação da data designada para julgamento) por via postal simples, para a morada que indicou, esta veio devolvida.

  26. Será idónea para o efeito da referida notificação, qualquer morada indicada pelo arguido, nos termos do artigo 196.º, n.º2, do Código de Processo Penal, desde que a mesma não seja devolvida, como foi a dos presentes autos, pois, neste caso, comprovando-se essa devolução (fls. 519 e 519 verso) e, independentemente de se considerar o arguido notificado ou não, o certo é que legalmente não se mostra notificado.

  27. Sendo um arguido apenas notificado por via postal simples para a morada constante do TIR, ali incluída sem indícios de culpa sua, e havendo nos autos outras moradas do arguido e bem assim três números de telefone, há que tentar todos os meios para se lhe dar conhecimento da acusação e facultar-lhe a respectiva defesa.

  28. Quando no artº 196º, nº 2 do C.P. Penal se diz que para o efeito de ser notificado mediante via posta simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha quis o legislador facilitar as tarefas das notificações, pelo que caberia a quem de direito alcançar o sentido e finalidades da lei, nomeadamente tendo em conta a gravidade do acto a realizar e das suas consequências.

  29. E a consequência da falta cometida só pode ser a da nulidade absoluta, tendo que se efectuar a notificação da acusação e seguir, depois, os demais trâmites, pois, de facto, estamos perante um vício capital, a qualificar como nulidade insanável, a prevista no artº 119º, al. c) do citado Código, tanto mais que, como se sabe, a falta de notificação da acusação implica a impossibilidade do mais elementar direito dos arguidos, o de defesa, com consagração constitucional.

  30. Com efeito, há violações da lei processual muito mais graves que as nulidades insanáveis, quais são aquelas que constituem uma omissão de fundo constitucional e que, por isso, mais que nulas, são afetadas de inconstitucionalidade.

  31. Esses vícios não estão - nem poderiam estar - incluídos no elenco das nulidades (insanáveis ou dependentes de arguição) e das irregularidades, pois são vícios maiores, que dizem respeito à própria substância dos direitos constitucionais.

  32. Aliás, nem fazia sentido que fosse possível arguir-se, e demonstrar- se, uma violação de natureza constitucional, vindo o ato (ou a omissão) a ser como tal declarado e anulado, se pela via dos vícios processuais apenas se descobrisse uma nulidade relativa ou uma mera irregularidade.

  33. Ou, por outras palavras, um vício que é considerado como ferido de inconstitucionalidade passaria a ser considerado, pelas regras do processo penal, como uma nulidade sanável ou como um vício menor! 36. Assim, a não notificação da acusação ao arguido, quando possível, e sobretudo quando tal falta lhe não seja imputável, tem que ser entendida como ferida de nulidade insanável.

  34. Importa saber se, ao ser apenas notificado por via postal simples para a morada constante do TIR, foi, no caso concreto, regular a realização da audiência na ausência do arguido.

  35. Ao arguido foi tomado TIR pela PSP, indicando-se ali a residência na Rua …, Braga; 39. Atente-se que, na simulação da concessão de apoio judiciário o arguido indica como casa de morada de família a residência do pai, vd. fls. 138 dos autos principais; 40. Estando a morada de tal residência – Rua … Braga - identificada nos autos por várias vezes e em diversos documentos; 41. A fls. 497, foi a acusação enviada ao arguido, por via postal simples, para a morada indicada no TIR; 42. A fls. veio a ser enviado ao arguido o despacho que designava datas para julgamento, também pela via postal simples e para a mesma residência do TIR; 43.Uma vez que a carta para notificação ao arguido foi devolvida - fls. 519 - ao circuito postal após o depósito), o Ministério Público promoveu que se considerasse que o arguido foi notificado e assim veio a ser decidido (fls. 534); 44. Em 28-10-16, verificando-se a ausência do arguido, foi dado início ao julgamento com a...

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