Acórdão nº 52/16.1GDFTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução22 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório 1.

– Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm seus termos no Juízo de Competência genérica de Fronteira do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, o MP deduziu acusação contra JL casado, nascido a 3 de Setembro de 1967, imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de desobediência, previsto e punível nos termos do artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível nos termos dos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, e de dois crimes de injúria agravada, previstos e puníveis nos termos dos artigos 181.º e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal.

  1. O Ministério Público, em representação do Estado português, deduziu pedido de indemnização civil (a fls. 161 e ss), peticionando o pagamento da quantia de € 16,10, correspondente aos danos que suportou em resultado da atuação do arguido, acrescida de juros até integral pagamento.

    Também a Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano, EPE, deduziu pedido de indemnização civil (a fls. 172 e ss), peticionando fosse o arguido/demandado condenado a pagar-lhe a quantia de € 116,01, correspondente às despesas que suportou em resultado da assistência hospitalar prestada ao ofendido AC, acrescida de juros legais desde a data da citação até efetivo e integral pagamento daquela quantia.

  2. Realizada Audiência de julgamento, o tribunal singular decidiu: - Condenar o arguido pela prática de um crime de desobediência, previsto e punível pelas disposições conjugadas do artigo 152.°, n. 1, al. a) e 3 do Código da Estrada e artigo 348.°, n.1, al. a) do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros); - Condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de 7,00 (sete) Euros, depois de operada a convolação jurídica do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l), do Código Penal, por que o arguido vinha acusado; - Condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, na pena, para cada um, de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 7,00 (sete) Euros.

    - Condenar o arguido na pena única de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), no total de € 1.260,00 (mil duzentos e sessenta euros), em cúmulo das penas parcelares de multa aplicadas; - Julgar improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público, por não provado, e, em consequência, absolver o arguido/demandado do mesmo.

    - Condenar o arguido/demandado no pagamento à Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano, EPE, da quantia de € 116,01 (cento e dezasseis euros e um cêntimo) a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescidos dos juros legais respetivos desde a data da notificação do pedido até integral pagamento daquela quantia.

  3. – Inconformado, o arguido vem recorrer da sentença condenatória, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: «Conclusões: 1. O arguido entendia e entende que a correcta interpretação do art. 153º nº 8 do C.E permite o entendimento segundo o qual o condutor objecto de acção de fiscalização rodoviária, perante a solicitação do agente autuante para realizar teste de pesquisa de álcool no sangue, pode fazê-lo – por sua opção – quer através do aparelho de ar expirado quer por colheita de sangue.

    O tribunal entendeu de maneira diferente, considerando que, tendo-se recusado a realizar o teste por pesquisa de ar expirado sem motivo justificativo aparente faria incorrer o arguido na prática do crime de desobediência, tal como veio a ser condenado.

  4. O arguido entende que, face ao previsto no art. 153º nº 8 do CE, a sua posição tem cobertura legal em virtude de aí se referir que: “se não for possível a realização da prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido à colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico em estabelecimento oficial de saúde para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool”.

  5. O que importa dilucidar passa por se perceber qual o sentido que se deve conferir ao segmento da norma do art. 153º nº 8 do CE onde se refere: “se não for possível a realização da prova por pesquisa de álcool no ar expirado…”.

    Será que o legislador pretendeu apenas incluir no motivo de recusa razões médicas ou de saúde do examinando ou será que naquela expressão caberá tudo o que, no caso concreto, inviabilize ou torne impossível a realização do exame por ar expirado? 4. Parece-nos pois que a impossibilidade da realização do teste por ar expirado a que se alude no art.153 n.8 do C. Estrada, não se reconduz apenas à impossibilidade mencionada no art. 4º da Lei 18/2007, pois nesse diploma apenas se regula a impossibilidade física da realização do teste pelo condutor objecto da fiscalização, daí que no mencionado preceito se diga que após três tentativas sucessivas o examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste ou quando as condições físicas não lhe permitam a realização do mesmo, se procede à colheita de sangue.

  6. Conjugando o art. 4º com o art. 7º da Lei 18/2007 de 17-05, é possível concluir que aquele concreto diploma regula apenas a impossibilidade de pesquisa de álcool no sangue por ar expirado que seja causado por razões físicas inerentes às condições de saúde do examinando e não por qualquer outro motivo que impossibilite a realização do mesmo.

  7. Sendo assim, se o art. 153º nº 8 do CE refere que se não for possível a realização da pesquisa de álcool por ar expirado o examinando deve ser sujeito a colheita de sangue para análise, não se evidenciando naquela norma que a impossibilidade de realização do teste se deva apenas às condições físicas ou de saúde do examinando, prejudicada não ficará a conclusão segundo a qual se afirme que a impossibilidade de realização do teste de pesquisa de álcool no sangue para efeitos do art. 158º nº 3 do C. Estrada pode resultar de qualquer outro motivo diverso daquele.

  8. Não é pois correcta a interpretação do mencionado preceito no sentido de se dizer que só a impossibilidade (por razões físicas e de saúde) da realização do teste por ar expirado abre para o examinando a possibilidade de o fazer por colheita de sangue, como foi o entendimento da douta sentença recorrida. Qualquer que seja o motivo que determine a impossibilidade de realização do teste de ar expirado – entre eles a recusa do examinando em sujeitar-se ao mencionado teste – tem de permitir o recurso à colheita de sangue em estabelecimento de saúde autorizado.

    Neste sentido o tribunal “a quo” efectuou uma incorrecta interpretação do art. 153º nº 8 do CE, que inequivocamente violou.

  9. Admitindo-se como adequado e correcto o art. 153º nº 8 do CE, no sentido de ser um direito do arguido examinado optar pela pesquisa de álcool no sangue através do exame por ar expirado ou através da colheita de sangue, no caso de impossibilidade de realização do primeiro por qualquer causa determinante dessa impossibilidade, tal deve ser explicitado e comunicado ao examinando no acto da fiscalização.

  10. Só a correcta, cabal e adequada informação do agente autuante ao examinando sobre as possibilidades de realização do teste de pesquisa de álcool no sangue, nos termos atrás referidos e o sancionamento dessa conduta impeditiva de realização do teste com a imputação de um crime de desobediência, permite ao examinando ter a consciência absoluta do alcance e conteúdo da ordem que lhe é dada e das sanções penais em que a mesma o fará incorrer. Caso assim não aconteça, não podemos considerar válida a ordem dada pelo agente autuante para efeitos da sua desobediência fazer incorrer um examinando na prática do crime de desobediência.

  11. Veja-se a este propósito o que ficou provado na douta sentença recorrida: “1) No dia 12 de Agosto de 2016, cerca das 22h:30m, o arguido JL conduzia o veículo automóvel de matrícula OB nas imediações da Avenida da Coudelaria, em Alter do Chão, o que fazia sem ter colocado o cinto de segurança.

    2) Nestas circunstâncias de tempo e lugar, a patrulha da GNR de Alter do Chão, constituída pelo cabo AS e pelo guarda DR, deu ordem de paragem ao arguido, o que ele acatou.

    3) No decurso da fiscalização, como o arguido cheirava a bebidas alcoólicas, o cabo AS disse-lhe que tinha de ser submetido ao teste...

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