Acórdão nº 9/17.5PESTB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução08 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos autos de inquérito em referência, os arguidos, além de um outro, SM e NL, na sequência da sua detenção e do seu interrogatório judicial, foram sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva, determinada por despacho proferido no Juízo de Instrução Criminal de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal.

Inconformados com tal despacho, os arguidos interpuseram recurso, através de requerimento conjunto, formulando as conclusões: 1. Os Recorrentes encontram-se detidos preventivamente, na sequência de lhes ter sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva, em sede de primeiro interrogatório judicial, por decisão datada de 21/12/2017.

  1. Com todo o respeito, a decisão recorrida trata-se de um erro clamoroso da justiça.

  2. Trata-se de uma decisão efetuada contra jurisprudência firmada.

  3. Se atentarmos na decisão recorrida, facilmente chegamos à conclusão que a única prova indiciária relativamente aos arguidos recorrentes, se tratam de escutas telefónicas.

  4. Não existe nos autos qualquer outra prova indiciária relativamente aos arguidos aqui recorrentes.

  5. Muitas outras referências podem ser feitas, mas se atentarmos na prova indiciária indicada pelo Ministério Público e que, fundamentou a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, chegamos efetivamente à conclusão que apenas as escutas telefónicas serviram para fundamentar tal decisão.

  6. E contra jurisprudência fixada se decidiu prender preventivamente os arguidos aqui recorrentes.

  7. Dispõe o art.º 188.º, n.º 7, do CPP que: “Durante o inquérito, o juiz determina, a requerimento do Ministério Público, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coação ou de garantia patrimonial, à exceção do termo de identidade e residência.”.

  8. Ora, conforme se pode alcançar dos despachos que promoveram/requereram a validação das escutas telefónicas e bem assim dos que as validaram, em momento algum, qualquer uma das escutas telefónicas que serviram agora para validar a medida de coação de prisão preventiva dos arguidos aqui recorrentes, se encontra validada nos termos do art.º 188.º, n.º 7 do CPP.

  9. Ou seja, ao decidir da forma que decidiu o Mmo Juiz de Instrução Criminal decidiu contra a lei expressa e ainda jurisprudência fixada.

  10. Isto porque, para que as escutas telefónicas possam ser utilizadas para fundamentar a aplicação de medida de coação detentiva da liberdade, tinha que obedecer ao requisito e condição expressa no art.º 188.º, n.º 7, do CPP, sob pena de nulidade nos termos do art.º 190.º do mesmo código.

  11. Ou seja, o art.º 190.º do CPP dispõe que: “Os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º, 188.º e 189.º são estabelecidos sob pena de nulidade.”.

  12. Quer isto dizer que não foram os arguidos quem fizeram a lei, e que, o requisito imposto no art.º 188.º, n.º 7 do CPP, deve ser cumprido sob pena de nulidade.

  13. E essa nulidade em tempo foi invocada e assim deve ser declarada.

  14. Bem como se encontra definido no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 13/2009.

  15. Ou seja, a decisão recorrida é nula porquanto se fundamenta em escutas telefónicas que não foram transcritas ao abrigo do disposto no art.º 188.º, n.º 7, do CPP por referência ao art.º 190.º do CPP, e nesse sentido, deve a mesma ser revogada e substituída por outra que não se fundamente nas escutas telefónicas ordenando a libertação imediata dos arguidos recorrentes porquanto outra prova indiciária não existe contra os mesmos.

  16. Não foi inquirida uma única testemunha que infirme os factos indiciários indicados pelo Ministério Público.

  17. Não foi inquirida uma única testemunha que infirme os factos indiciários indicados pelo Ministério Público.

  18. Sendo que apenas as declarações de uma coarguida foram valoradas para a aplicação da medida de coação mais gravosa do nosso ordenamento jurídico.

  19. Por outro lado, essas declarações para além de não terem sido sujeitas ao princípio do contraditório, também não poderão à semelhança do que acontece em julgamento, só por si serem valoradas, conforme dispõe o art.º 345.º, n.º 4, do CPP.

  20. Não é a quantidade de estupefaciente apreendida nos autos, que poderá levar à aplicação da medida de coação mais grave no nosso ordenamento jurídico, até porque, 22. Em casos semelhantes, tem sido entendimento dos Tribunais superiores que esse não pode ser motivo bastante para se prender preventivamente.

  21. Neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa, processo 6945/08 - 3ª Secção, em que foi relator a Exma. Sr.ª Juíza Desembargadora, Dr.ª Paula Figueiredo.

  22. Acresce, que na realidade, aos arguidos aqui recorrentes não foi apreendida qualquer quantidade de estupefaciente, passando a determinada altura, sem que o processo tivesse sequer tido início com os arguidos como suspeitos e a determinada altura passassem estes a ser os autores de tudo e mais alguma coisa.

  23. Mais, os factos que inicialmente deram origem a que os arguidos fossem investigados, prendiam-se essencialmente com a ligação destes ao arguido CC.

  24. Chegando o Ministério Público a indicar factos que ligavam estes três arguidos, mas em sede de alegações para aplicação de medida de coação, veio o Ministério Público a reconhecer que não existiam indícios, muito menos prova, suficientes que os arguidos aqui recorrentes, mormente o arguido NL, tenha qualquer ligação relacionada com o tráfico de estupefacientes com o arguido CC.

  25. Quer isto dizer, que se iniciou a investigação ao arguido NL, sem que fosse apurada qualquer factualidade relativamente a este.

  26. No entanto, e versando o processo o crime de tráfico de estupefacientes na comarca de Setúbal, rapidamente se transformou num processo de tráfico de estupefacientes entre a comarca de lisboa e os Açores.

  27. Sem que existisse qualquer fundamento, os arguidos passaram a ser escutados.

  28. Sem a realização de qualquer diligência, os arguidos passaram a ser suspeitos da prática de crimes, e autorizado que fossem escutados.

  29. Os pressupostos da realização de escutas telefónicas foi amplamente violado nos presentes autos.

  30. Parece bastar aparecer a suspeita de que determinado cidadão pode estar envolvido em um processo qualquer e a partir daí já se podem escutar, violando todos os direitos de privação da vida privada a que todos temos direito.

  31. Se olharmos então para o facto de que, efetivamente o arguido NL não tem qualquer ligação com o arguido CC no tráfico de estupefaciente, então, por que motivo se passou a investigar o arguido aqui recorrente.

  32. São pois nulas todas as escutas telefónicas que foram efetuadas aos arguidos aqui recorrentes, pois fora dos casos previstos na lei, na medida em que não eram suspeitos de nada para que se tivesse iniciado escutas aos seus telefones e se terem intrometido na sua vida privada.

  33. Por outro lado, e colocando as escutas telefónicas de lado, que diga-se nada se extrai de ilegal das mesmas, ficamos apenas com as declarações da tal coarguida, que pressionada com o facto de poder ficar presa preventivamente, declarou o que bem entendeu para se defender e tentar por tudo ficar em liberdade, conforme aliás acabou por ficar.

  34. Isto para dizer, que para a aplicação da medida de coação mais gravosa do nosso ordenamento jurídico, a mesma foi aplicada, sem a existência de qualquer indício forte ou suficiente.

  35. Ou seja, salvo melhor opinião, a medida de coação visa salvaguardar os perigos elencados no art.º 204.º, do CPP e não uma antecipação de qualquer pena ou o seu cumprimento.

    Vejamos, 36. Será que aquando a prolação do despacho que ora se recorre, se verificavam na íntegra todos os referidos perigos que estiveram na base da aplicação de medida de coação de prisão preventiva? 37. Com todo o respeito entendemos que não.

  36. Reitera-se o respeito que é muito, mas não podemos concordar, que se prenda primeiro para se investigar depois.

  37. Nesta medida, a natureza excecional e residual da prisão preventiva é acentuada nos artigos 193.º, n.º 2 e 202.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, postulando que aquela medida de coação só é aplicável quando as restantes medidas se revelarem inadequadas e insuficientes e houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos.

  38. Trata-se de crimes de especial gravidade e que pressupõem a inadequação ou insuficiência das restantes medidas de coação, reconhecida a sua insuficiência nociva sobre os arguidos a ela sujeitos.

  39. À sua aplicação presidem princípios de necessidade, adequação, proporcionalidade, subsidiariedade e precariedade, integralmente reproduzidos no artigo 193.º do CPP, ditados pelo princípio da presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da condenação - Acs. do TC n.º 35/87, de 20.12.87; n.º 7/87, de 09/01, in DR I Séria, de 09.02.87; J. Castro Sousa, in a Prisão Preventiva e outros meios de coação, in BMJ 337-49; Odete Faria de Oliveira, in As medidas de coação no novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal, CEJ, pg. 169 e 182 e ss..

  40. A aplicação de qualquer medida de coação deve obedecer, necessariamente, aos princípios da adequação e da proporcionalidade, consagrados no art.º 193.º do C.P.P., sendo que, nos termos do n.º 2 do referido artigo, "a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação".

  41. In casu, face aos circunstancialismos supra referidos, entendem os requerentes que a prisão preventiva se revela inadequada, para além de ilegal, no caso em apreço.

  42. No caso em apreço, os requerentes entendem que a aplicação de outras medidas de coação, em detrimento da prisão preventiva, não são inconvenientes, inadequadas ou insuficientes face à prova indiciária e valida para aplicação de medidas de coação existentes nesta fase do processo.

  43. Com todo o respeito pela posição assumida pelo Tribunal a quo, não podemos concordar com a mesma...

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