Acórdão nº 23/19.6T8PRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | RAQUEL BATISTA TAVARES |
Data da Resolução | 03 de Outubro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório M. F., solteira, residente em …, Peso da Régua e M. B., solteira, residente no …, Peso da Régua, instauraram a presente acção de processo comum contra J. T. e mulher M. R., residentes na Rua …, Peso da Régua, M.M., viúva, residente na Rua do …, Peso da Régua, A. R. e mulher A. B., residentes na Rua …, Amarante, C. M. e marido S. A. residentes na Rua …, Viseu, por si, e em representação da HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE A. J., e S. V. e marido A. M., residentes na Quinta da …, Peso da Régua, na qual pedem que:
-
Os Réus sejam condenados a reconhecer o direito de propriedade das Autoras sobre o prédio rústico descrito no artigo 8.º da Petição Inicial; B) Se reconheça e declare às Autoras, o direito de haver para si o prédio rústico identificado no artigo 2.º da petição inicial, condenando os 3.ºs Réus a abrir mão do prédio a favor das Autoras, entregando-o no estado em que se encontrava à data da Escritura já referida, atribuindo-se a estes o correspondente direito de propriedade e aos Réus o direito ao levantamento do preço depositado, ordenando-se o cancelamento de quaisquer eventuais registos conservatoriais feitos com base na predita escritura, ou quaisquer outros que entretanto tenham sido efectuados.
Alegam, para tanto e em síntese: Que os primeiros e os segundos Réus venderam aos terceiros Réus prédio sobre o qual pretendem exercer direito de preferência enquanto proprietárias confinantes, por entenderem que, não obstante os compradores (3.º Réus) serem igualmente proprietários confinantes, o seu direito de preferência prevalece sobre o destes últimos.
Regularmente citados, os Réus J. T., e mulher M. R., M.M., A. R. e mulher A. B., C. M. e marido S. A. contestaram invocando não só que as Autoras não têm direito de preferência, mas também o abuso de direito, e pugnando pela improcedência da acção.
Regularmente citados, os Réus S. V. e marido A. M. apresentaram igualmente contestação em que pugnaram pela improcedência da acção, tendo ainda formulado pedido reconvencional para a hipótese da procedência da acção, pedindo a condenação das Autoras no pagamento da quantia de €7.578, ...
a título de benfeitorias por si efectuadas no imóvel, acrescidas dos correspondentes juros de mora.
Foi realizada a audiência prévia e foi proferido saneador-sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Em face do exposto, decido:
-
Julgar improcedentes os pedidos formulados pelas autoras e, em consequência, deles absolver os réus.
-
Condenar as autoras no pagamento das custas processuais, nos termos dos n.ºs 1 do artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.” Inconformadas, apelaram as Autoras, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “Em conclusão: 1. Entendeu o Tribunal a quo, que no âmbito dos presentes autos, não se mostra verificado um dos pressupostos constitutivos do direito de preferência de que as Autoras se arrogam titulares: “a venda do prédio objeto de preferência a quem não é confinante”.
-
Considerando, pois, como pressuposto constitutivo do direito de preferência que o prédio objeto de preferência tenha sido vendido a não confinante, julgou a presente ação totalmente improcedente, sem necessidade de produção de prova quanto ao mais.
-
Ora, é inegável que o prédio objeto de preferência foi vendido a confinante, tal mostra-se desde logo aceite e alegado pelas próprias Autoras.
-
Contudo, não podemos aceitar que o facto de o prédio objeto de preferência ter sido vendido a quem também é confinante invalide que outros confinantes, com direito de preferência prevalecente, possam fazer valer o seu direito.
-
Pois, se se atentar ao disposto no art.º 1380.º n.º 2, al. b), verificamos que o legislador teve o cuidado de prever que em situações em que existam vários confinantes, há que estabelecer um grau de prevalência relativamente ao direito de preferência.
-
Na redação do aludido art.º 1380.º n.º 1, não pretendeu o legislador, cremos, através do n.º 1 limitar o direito de preferência, apenas quando a aquisição tenha sido efetuada por não confinante.
-
Da conjugação dos n.º 1 e 2 do art.º 1380.º ressalta, apenas que, comprovando-se que a venda do prédio objeto de preferência foi vendida a não confinante, qualquer confinante pode exercer o seu direito de preferência, e que, existindo vários confinantes, há que atentar à graduação dos direitos de preferência efetuada pelo n.º 2.
-
Cremos, pois, que a cada um dos proprietários confinantes, assiste um direito de preferência autónomo, limitando-se o n.º 2 do art.º 1380.º a estabelecer um critério de prioridade entre os vários preferentes.
-
Cremos que a perfilhação do entendimento vertido na d. Sentença, esvaziaria de qualquer sentido, pratico-jurídico o disposto no n.º 2, al. b) do art.º 1380.º.
-
Neste sentido veja-se: D. Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 12-09-2006, proferido no âmbito do processo n.º 654/05.1TBNLS.C1, D. Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 28-09-2017, proferido no âmbito do processo n.º 420/16.9T8CHV.G1; D. Ac. Rel. Porto de 06/02/... - In, Col. Jur. 19... - 1o - 96); e Ac. Rel. Coimbra de 16/11/82 - In. Col. Jur.1982-5°.
-
Assim, a venda de prédio rústico a proprietário com aquele confinante não afasta, por si só, em caso de concurso de preferentes proprietários de prédios confinantes, a possibilidade de qualquer um destes poder exercer o direito de preferência, consagrado pelo artigo 1380º do CC.
-
Não olvidamos que, efetivamente, constitui um dos requisitos do direito real de preferência a que alude o disposto no art.º 1380.º do CC que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante ou, sendo-o, na hipótese de concurso de preferentes proprietários de prédios confinantes, não se tratando de um caso de alienação de prédio encravado, aquele que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona.
-
Termos em que se conclui que o entendimento vertido na d. Sentença viola por erro de interpretação o disposto no art.º 1380.º n.º 2 al. b), o qual deverá ser interpretado no sentido de que não constitui, nem pode constituir pressuposto constitutivo do direito de preferência que o prédio objeto de preferência tenha sido adquirido por não confinante, sob pena de total esvaziamento do sentido e significado que o legislador emprestou ao aludido preceito legal.
-
Ao assim decidir, revela-se precipitada a decisão proferida, devendo ser ordenado o prosseguimento dos autos, para tomada de posição quanto aos demais factos alegados pelas Autoras, essencialmente relativamente aos factos que alicerçam o invocado direito prevalecente e que se mostram expostos nos art.º 26.º a 37.º da Petição Inicial e que poderão conduzir ao reconhecimento do direito real de preferência alegado pelas Autoras.
Termos em que, a d. Sentença viola por erro de interpretação o disposto no art.º 1380.º n.º 1 e 2, al. b) do Código Civil, pelo que, concedendo V. Exas. total provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, substituindo-se por outra que decida de harmonia com as antecedentes conclusões, V/Exas., farão, como habitualmente, INTEIRA JUSTIÇA!” Pugnam os Recorrentes pela integral procedência do recurso e consequentemente pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra que decida julgar procedentes os pedidos dos Autores nos termos aqui restritos.
Os Réus S. V. e A. M. contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso confirmação da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
A questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelas Recorrentes, é a de saber se lhes deve ser reconhecido no caso concreto direito de preferência uma vez que a venda do imóvel não foi...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO