Acórdão nº 215/14.4T2STC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelRUI MACHADO E MOURA
Data da Resolução26 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

P. 215/14.4T2STC.E1 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: (…) intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação dos RR., (…) e Companhia de Seguros (…), S.A., actualmente Seguradoras (…), S.A., a pagarem à A. a quantia de € 133.391,29, tendo como fundamento, no que tange ao 1º R., a responsabilidade civil emergente de contrato de mandato judicial celebrado com a A. e, no que respeita à 2ª R., o contrato de seguro celebrado com o 1º R., para quem este tinha transferido a responsabilidade por eventuais prejuízos causados a terceiros na sua actividade profissional de advogado.

Devidamente citados para o efeito contestaram os RR., por excepção e por impugnação, concluindo pela improcedência da acção.

Foi realizada a audiência prévia, lavrado despacho saneador e fixados os temas de prova.

Oportunamente veio a ser realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condenou a 2ª R. no pagamento à A. da quantia de € 20.000,00, acrescida dos juros moratórios à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento, absolvendo o 1º R. do pedido contra si deduzido.

Inconformados com tal decisão todas as partes apelaram da mesma para esta Relação. Todavia, o recurso do 1º R. não foi admitido, por falta de interesse em agir (atenta a sua absolvição na sentença proferida na 1ª instância), sendo que, relativamente à A., foi julgada extinta a instância recursiva (cfr. art. 281º, nº 1, do C.P.C.).

Assim, quanto à 2ª R,, foram por ela apresentas as respectivas alegações de recurso, tendo terminado as mesmas com as seguintes conclusões: A) Considera o Douto Tribunal que não se manifesta possível levar a cabo o “juízo dentro do juízo”, e como tal, atribui uma indemnização à Recorrida, segundo critérios de equidade, o que, salvo melhor opinião, não é a melhor opção no âmbito dos presentes autos; B) Com efeito, tenha-se em atenção o estabelecido no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, referente ao Proc. 276/12.0TVPRT.P1, de 17.05.2016, disponível em www.dgsi.pt: “Sendo a vitória judicial sempre de natureza incerta e tendo toda a causa um resultado aleatório, o autor não pode afirmar que a acção judicial teria sido julgada total ou parcialmente procedente, muito embora haja ficado, irremediavelmente, comprometida a obtenção do benefício subordinado que se mostrava inerente ao êxito do procedimento judicial.” C) Continua: “É essencial que se faça um «juízo dentro do juízo» quer na determinação da existência de uma “chance” séria de vitória no processo, quer, posteriormente, na fixação do “quantum” indemnizatório correspondente”.

D) “Defende-se mesmo que, devendo a probalidade ser avaliada, o mais possível, com referência ao caso concreto, o juiz está obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo, segundo o prisma de avaliação do juiz da acção “falhada”, por ser aquele que mais se coaduna com a noção de «perda de chance».” E) “O órgão decisor está obrigado a realizar um “juízo dentro do juízo”, isto é, uma representação ideal daquilo que teria ocorrido no processo que indague quais são as probabilidades para que pudessem ser atendidas as pretensões do cliente. O “juízo dentro do juízo” não é mais do que a aplicação particular a um âmbito concreto da realidade da regra geral de que a certeza do nexo causal se comprova através de um juízo de pronóstico de probabilidades com vista a saber se o facto ilícito foi condicio sine qua non.” F) No mesmo sentido, veja-se o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, referente ao Proc. 488/09.4TBESP.P1.S1, de 05.02.2013, disponível em www.dgsi.pt: “Porém, este «juízo dentro do juízo» é, de facto, essencial, quer na determinação da existência de uma “chance” séria de vitória no processo, quer, posteriormente, na fixação do “quantum” indemnizatório correspondente.” G) Continuando: “Considerando que a oportunidade perdida deve ser avaliada, o mais possível, com referência ao caso concreto, o juiz está obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo, segundo o prisma de avaliação do juiz da acção “falhada”, por ser aquele que mais se coaduna com a noção de «perda de chance».” H) Não se ignora que o cálculo da probabilidade de vitória na acção “falhada” será mais ou menos dificultado, consoante o tipo de acto ilícito em causa, sendo mais fácil nos casos em que, por exemplo, o advogado não interpôs recurso da decisão proferida, em primeira instância, deixando que a mesma transitasse em julgado (…)” I) Ora, face ao exposto, deveria o Douto Tribunal ter levado a cabo nos presentes autos o tal “juízo dentro do juízo”, reproduzindo de forma o mais fiel possível os factos referentes à aqueloutra acção que deu origem à presente demanda, proferindo uma decisão quanto à questão em crise.

J) Com efeito, o juízo em apreço consistia apenas em qualificar, no âmbito de um processo de prestação de contas, se os honorários despendidos com mandatário o haviam sido feitos por conta e interesse pessoal da cabeça de casal, ou se, ao invés, tais despesas tiveram como beneficiário a herança.

K) As despesas alegadamente realizadas pela Recorrida com mandatário, apresentadas no processo de prestação de contas que correu termos na Vara Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, Proc. 6762/07.0TBSTB, não foram realizadas na qualidade de cabeça de casal e no interesse da herança, uma vez que foram apresentadas para defesa de interesses próprios e pessoais da mesma, não podendo nem devendo ser consideradas como despesas relativas e atinentes à administração da herança, nos termos dos arts. 2078.º, 2079.º, 2087.º, 2088.º, 2091.º, 2092.º, 2093.º, 2096.º e 2104.º, todos do Código Civil.

L) Veja-se o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora referente ao Proc. n.º 155/11.9T2STC.E1, no qual também era R. a aqui Recorrida e A., já junto aos autos, dizia respeito a uma outra prestação de contas, em tudo semelhante à da acção que deu origem aos presentes autos, e no qual foram igualmente desconsideradas as verbas referentes a honorários despendidos com mandatário, por se considerar que as mesmas foram gastas para benefício pessoal da Recorrente.

M) Também naquele processo, a Recorrida aqui A. despendeu quantias referentes a honorários com mandatário – tal como nos presentes autos – as quais foram consideradas como sendo do seu próprio interesse.

N) Ora, o referido Acórdão não foi tido em conta pelo Douto Tribunal para efeitos de elaboração do já aludido “juízo dentro do juízo”, pois se o tivesse feito, não poderia ter referido na Douta Sentença que não dispunha de meios probatórios para emitir uma decisão que “substituísse” aquela que seria tomada no caso de ter havido interposição de recurso.

O) Face ao exposto, o Douto Tribunal de Primeira Instância poderia e deveria ter levado a cabo um “juízo dentro do juízo”, uma vez que dispunha de todos os meios para o fazer, e concluir assim pela absolvição da R. aqui Recorrente na totalidade do pedido.

P) Por outro lado, e no caso de se confirmar a decisão de condenação da Seguradora aqui Recorrente, sempre se diga que o R. Dr. (…) terá que suportar a franquia contratual no montante de € 5.000,00, pois o seguro de responsabilidade civil em apreço é facultativo. Sendo facultativo, não poderá ser seguido o entendimento do Douto Tribunal a quo no que a este ponto diz respeito.

Q) Conforme tem vindo a decidir a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, a apólice que segura a responsabilidade civil profissional dos Advogados, “integra o regime comum do seguro de responsabilidade civil obrigatório, apresentando-se por isso, como facultativo e inteiramente submetido à total liberdade das partes” (v. Ac. RE de 2012.03.22, Apelação n.º 2827/09.9TBSTR-A, da 2ª Secção Cível; cfr. Ac. RE de 2010.07.08, Proc. 1190/08.0TBSTC.E1, in www.dgsi.pt; cfr. Art. 99.º, n.º 1 do EOA e art. 9.º CC.).

R) No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 13.12.2012, no âmbito do Proc. 1156/10.0TVLSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.

S) Neste tipo de contratos “os princípios e razão de ser subjacentes ao seguro obrigatório não se aplicam, naturalmente e com os mesmos fundamentos, ao seguro facultativo (no qual) está essencialmente em causa a liberdade contratual das partes e, por esse motivo, poderão no mesmo fazer incluir as cláusulas que lhes aprouver (v. Ac. RC de 2011.10.25, Proc. 770/07.5TBGRD.C1, in www.dgsi.pt; cfr. Ac. RE de 2008.09.18, CJ, Tomo IV, p. p. 265).

T) Assim, dúvidas não restam que estamos perante um seguro de natureza facultativa, e como tal, a franquia no valor de € 5.000,00 terá necessariamente de ser suportada pelo R. Dr. (…), conforme contratualmente estabelecido.

U) Nestes...

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