Acórdão nº 1041/17.4PBVFX.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | MARIA DO CARMO FERREIRA |
Data da Resolução | 26 de Setembro de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam em conferência os Juízes da 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO.
No processo comum supra identificado, do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa-J2 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi proferido, pelo Mº.Pº. o despacho de arquivamento do inquérito; na sequência e inconformado, o Assistente AA, requereu a abertura da Instrução, a qual foi rejeitada por despacho de fls. 295 a 298 dos autos.
Inconformado agora com aquela decisão o assistente veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 308 a 334 dos autos, onde escreveu as conclusões que se transcrevem: I. A decisão do tribunal a quo que considera que a instrução pretendida pelo assistente é legalmente inadmissível e indefere totalmente o requerimento de abertura de instrução por este apresentado é inadmissível, devendo, em consequência, ser revogada e substituída por outra que dê cumprimento aos dispositivos legais aplicáveis.
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O crime que o assistente entende ter sido praticado pelas arguidas, p. e p. em face do disposto no art. 256.° do CP, tal como explicitado por MIGUEZ GARCIA e CASTELA RIO, é um crime que em que as condutas típicas são, muito genericamente, a fabricação de um documento e o uso (ou mesmo só a simples "detenção") de um documento não autêntico ou falsificado por terceiro, em qualquer dos casos para enganar o tráfico jurídico.
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O requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente cumpre todos os requisitos que se encontram enumerados no art. 287.°, n.°s 1 e 2 do CPP.
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Bem como, os requisitos que, por força desse preceito legal, constam das alíneas b) e c) do n.° 3 do art. 283.° do CPP.
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Nos termos do art. 287.°, n.° 3 do CPP, o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
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O requerimento de abertura de instrução foi apresentado dentro do prazo legal e o juiz é competente.
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Resta a eventual rejeição por inadmissibilidade legal da instrução, que, no caso concreto, ao contrário do que é pretendido pelo Tribunal a quo, não se verifica.
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Esclarece GERMANO MARQUES DA SILVA, relativamente ao requerimento de abertura de instrução apresentado por assistente, que "o requerimento do assistente tem de conformar uma verdadeira acusação e, por isso, o requerimento não é admissível se dele não constar a descrição da conduta típica (com os seus elementos objectivos e subjectivos) com a indicação das disposições legais violada?.
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Ora, é por demais evidente que o assistente, no requerimento apresentado, descreve exaustivamente e de forma completa a conduta típica com os seus elementos objetivos e subjectivos.
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Fazendo, ainda, a indicação cabal das disposições legais violadas pelas arguidas.
(Responsabilidade Limitada) 11. Relativamente à descrição da conduta típica com os seus elementos objectivos, com a indicação das disposições legais aplicáveis, salientam-se os art.s 1, 3 a 6, 19 a 21, 32, 33, 37, 39, 41, 43 e 51 do Ponto I do requerimento de abertura de instrução (razões de facto e de direito que justificam a prolação de acusação).
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Bem como, para os art.s 1 a 13 Ponto II do requerimento de abertura de instrução (da acusação que se impunha considerando a prova carreada para os autos).
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Já quanto à descrição da conduta típica com os seus elementos subjectivos, com a indicação das disposições legais aplicáveis, salientam-se os art.s 12 a 33 Ponto II do requerimento de abertura de instrução.
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Acresce que, aquando da formulação da "fórmula acusatória", o assistente condensa a final toda a imputação penal que é dirigida às arguidas CC e DD, nos seguintes termos: Com a conduta descrita, as arguidas praticaram os seguintes ilícitos de natureza criminal: d) Ao promoverem e executarem dois reconhecimentos falsificados, as arguidas DD e CC praticaram, em co-autoria material e na forma consumada, dois crimes de falsificação ou contrafacção de documento agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas do art. 256.°, n.° 1, alíneas a), b), d), e fi, n.° 3 e n.° 4, 26.° e 28.°, n.° 1, todos do Código Penal, e) Ao forjar a assinatura do ofendido e ao utilizar os documentos reconhecidos forjados, a arguida CC praticou, em autoria material e na forma consumada, dois outros crimes de falsificação de documento, nos termos do disposto no art. 256.°, n.° 1, alíneas a), c) e e), do Código Penal; f) Ao forjar a adenda "Adenda ao Registo n.° 2795892", a arguida DD praticou ainda, em autoria material e na forma consumada, um outro crime de falsificação de documento, nos termos do disposto no art. 256.°, n.° 1, alíneas a), c) e e), do Código Penal.
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Face ao exposto, não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo quando afirma que i) tal requerimento não contém a descrição integral de factos cuja prática se subsuma a qualquer incriminação"; ii) nunca descreve o assistente qualquer dos possíveis elementos subjectivos especiais da ilicitude da incriminação prevista no art. 256. °, n.° 1, do Código Penal; nenhuma das intenções ilícitas ali descrita se encontra descrita no RAI.
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A tese do Tribunal a quo de que o acordo/consentimento verbal do assistente serviria para afastar a conduta típica das arguidas não colhe.
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O bem jurídico protegido com a incriminação prevista no art. 256.° do CP é, em primeiro lugar, como já referido, a segurança e a credibilidade dos documentos no tráfico jurídico, especialmente no tráfico jurídico-probatório - a segurança e a fiabilidade do tráfico jurídico com documentos.
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Ou, como referido por PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, a segurança e a credibilidade na força probatória de documento destinado ao tráfico jurídico.
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E, posto isto, o mero acordo/consentimento do assistente, ainda que existisse, nunca serviria para afastar a responsabilidade penal das arguidas.
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Mas, como supra referido, esse acordo/consentimento nunca existiu.
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Na medida que a circunstância de o assistente ter concordado/autorizado a saída do menor não poderia ser confundia com qualquer concordância com o teor de um documento cujos elementos o assistente desconhecia, e, muito menos, com a concordância da oposição da sua assinatura (forjada) em tais documentos, como se de sua se tratasse.
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E, muito menos, confundido com a concordância de que a tais documentos fosse conferida fé pública, mediante um "reconhecimento presencial" da sua assinatura (forjada).
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Nunca o assistente autorizou/concordou com os actos praticados pelas arguidas, não só porque os desconhecia, como se tivesse tido conhecimento dos mesmos nunca teria aceite/concordado com a prática dos mesmos.
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Não concordou, também, com a utilização desse documento em juízo, no âmbito do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais do seu filho menor, quando a arguida CC, mediante requerimento enviado ao processo, fez a junção do documento falsificado como meio de prova a seu favor e com vista a prejudicar a posição processual do assistente.
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Procurou a arguida CC, iludir o Juiz e Procurador que acompanhavam o processo em causa, pretendendo convence-los de determinados factos, mediante a junção aos autos de um documento falsificado e a que havia sido dada fé pública pela arguida DD.
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Assim, tendo em conta a natureza os interesses jurídicos que se visam proteger com a incriminação em causa, o Tribunal a quo nunca poderia considerar que a conduta da arguidas se encontrasse ao abrigo de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
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Ou que o procedimento criminal não pudesse prosseguir ao abrigo de um alegado abuso de acção por parte do assistente, ao abrigo do disposto no art. 334.° do Código Civil.
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Ainda mais num crime de natureza pública.
Nestes termos e mais de Direito que doutamente serão supridos deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência: A) Ser revogada a decisão do Tribunal a quo que rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente e, em consequência, B) Ser essa decisão substituída por outra que, por legalmente admissível e tempestivamente requerida por quem tem legitimidade para o efeito, declare aberta a instrução nos presentes autos e ordene as diligências probatórias tidas por convenientes, bem como a realização do debate instrutório.
**Em resposta, o Mº.Pº. produziu as alegações que constam de fls. 348 a 351 dos autos, concluindo como vai transcrito: 3.1 O RAI contém a narração, ainda que sintética, dos factos imputados aos arguidos fundamentadores da aplicação de uma pena, ou seja, os factos preenchedores do tipo objetivo e subjetivo do crime pelo qual o assistente pretende ver os arguidos pronunciados, permitindo aos mesmos que deles possam ter a perfeita perceção e conhecimento de forma a delinear a sua defesa.
3.2 Do RAI não resulta de forma ostensiva/evidente a falta de tipicidade, pelo que o Mm. Juiz de Instrução, ao ajuizar que não há crime, entrou já numa apreciação de mérito da questão sub judice, pois faz um juízo de valoração sobre a existência de indícios da prática de crime, imiscuindo-se assim no mérito da peça processual, juízo que está reservado para a fase de instrução. O Mm. Juiz de Instrução antecipou uma decisão instrutória de arquivamento, sem quaisquer diligências e sem a realização do debate instrutório.
Pelo exposto, entende-se que o recurso deve ser julgado procedente, com a consequente revogação do douto despacho recorrido que deve ser substituído por outro que declare aberta a instrução, seguindo-se os demais trâmites previstos na lei.
***As arguidas responderam ao recurso, alegando no sentido da manutenção do despacho recorrido.
[1] Neste Tribunal a Ex.m.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu visto.
Cumpridos os vistos, procedeu-se a conferência.
Cumpre conhecer e decidir.
II- MOTIVAÇÃO.
É jurisprudência constante e pacífica (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, em www.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é...
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