Acórdão nº 6320/18.0T8VNG-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelAMARAL FERREIRA
Data da Resolução12 de Setembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

TRPorto.

Apelação nº 6320/18.0T8VNG-B.P1 - 2019.

Relator: Amaral Ferreira (1252).

Adj.: Des. Deolinda Varão.

Adj.: Des. Freitas Vieira.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO.

  1. Declarada, por sentença transitada em julgado, a insolvência de B…, apresentou o administrador da insolvência (AI), decorrido o prazo da reclamação de créditos, informando não existirem créditos reclamados que tivessem sido reconhecidos ou reconhecidos em termos diversos da respectiva reclamação e não terem sido reconhecidos créditos não reclamados, a relação dos créditos reconhecidos na qual incluiu o crédito reclamado pelo “Banco C…, S.A.

    ”, no montante de € 162.478,20, dos quais € 127.293,22 respeitam a capital e € 35.184,98 a juros de mora, indicando o aval como fundamento do crédito, que classificou como comum.

  2. O insolvente deduziu impugnação do aludido crédito, concluindo pela sua procedência e que não fosse reconhecida a totalidade do crédito, invocando, para tanto: - A ilegitimidade do reclamante, com o fundamento que na sentença judicial condenatória figura como autora o “D…, S.A.”, pessoa jurídica diversa do reclamante, que não demonstra quaisquer factos constitutivos da sucessão que alega na reclamação de créditos; - A figura contratual da remissão abdicativa, mediante a alegação de que a devedora principal é a sociedade “E…, Ldª” que, como consta da sentença condenatória, proferida em 17/3/1997 no âmbito da acção nº 10775/94, que correu termos no extinto 8º Juízo Cível do Porto, 2ª Secção, já então se encontrava falida, tendo sido representada pelo respectivo liquidatário, sendo que os documentos que estão na base do crédito reclamado são livranças subscritas pela falida e avalisadas, entre outros, pelo impugnante e que, em 18/10/2012, como é do conhecimento do credor, que nele nada referiu, indicou ou reclamou, assim renunciando ao respectivo crédito, se iniciou o procedimento administrativo da liquidação oficiosa da sociedade, que culminou com a decisão administrativa de liquidação oficiosa, proferida em 14/11/2012 e registada nessa data, sem que tivesse sido apurado qualquer activo ou passivo; - Não poder o credor reclamante exigir dele, enquanto sócio de “E…, Ldª”, a dívida, porque a sociedade principal devedora foi, no âmbito do referido procedimento administrativo, declarada extinta e não houve qualquer partilha de activo ou passivo, sem propor acção contra a generalidade dos sócios justificando que, aquando do encerramento da liquidação, a extinta sociedade possuía bens ou valores, sócios que, ainda assim, só responderiam pelo passivo superveniente até ao montante que recebessem em partilha; - A figura do abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium ou supressio, uma vez que o credor teve um comportamento omissivo e passivo durante 19 anos e 9 meses, o que criou no insolvente a expectativa de que nunca reclamaria o crédito, insolvente que confiou que o credor tinha desistido do crédito ou que o direito nem sequer existia, pois que nunca foi interpelado para pagar o crédito reclamado e nunca foi confrontado com qualquer restrição ou acesso a serviços bancários, não constando sequer a responsabilidade em causa no mapa das responsabilidades do Banco de Portugal, confiança que saiu reforçada com a extinção da sociedade, sem que algum credor tenha reclamado créditos.

  3. Respondeu o credor impugnado que, sustentando a improcedência da impugnação do seu crédito, depois de referir que o insolvente aceitou a dívida, já que na petição de insolvência a indicou, e que integrara, por fusão, entre outros, o “D…, S.A.”, que era o autor na acção nº 10775, mais alega que o insolvente interveio activamente nessa acção, porquanto a contestou, que culminou com a condenação solidária todos os RR. a pagarem-lhe o crédito reclamado, e que, independentemente da confiança que criou de que o crédito não lhe iria ser exigido, o insolvente demonstra conhecer o prazo ordinário da prescrição de 20 anos e reconhece que foi citado três meses antes de a mesma operar, tendo optado, não obstante a condenação, por não liquidar voluntariamente a dívida, sendo que instaurou execução passados 19 anos porque apenas então conseguiu apurar a existência de bens susceptíveis de penhora pertencentes aos obrigados e que permitissem o pagamento, pelo menos parcial da dívida, e é irrelevante para a decisão o facto de o impugnante não estar incluído na Central de Riscos do Banco de Portugal, que apenas visa alertar as instituições de crédito para o eventual risco na concessão de crédito, mas não constitui nem elimina responsabilidades, situação que o favoreceu.

  4. Junta pelo administrador da insolvência, que foi notificado para o efeito, a reclamação de créditos que lhe havia sido dirigida pelo credor impugnado, e a informação de que o insolvente havia sido citado para a execução que lhe moveu o credor e que não deduzira oposição, e tendo-se frustrado a tentativa de conciliação designada, foi proferida decisão que, além do mais, julgou improcedente a impugnação apresentada pelo insolvente e considerou reconhecidos os créditos incluídos na lista apresentada pelo AI.

  5. Inconformado, apelou o insolvente que, nas pertinentes alegações, formula as seguintes conclusões: I. A decisão recorrida é passível de censura, no que tange à matéria de direito.

    II. O Tribunal a quo decidiu em total desacerto, não revelando a sentença uma criteriosa avaliação da prova produzida, bem como do seu enquadramento legal.

    III. O aqui Recorrente/Insolvente invocou a remissão abdicativa por parte do Recorrido em virtude de o mesmo, apesar de devidamente notificado para o procedimento administrativo de liquidação nos termos do RJPADLEC, oficiosamente instaurado, não indicou que era titular de qualquer crédito, nem interveio no dito procedimento.

    IV. Tal procedimento terminou com o registo de encerramento da liquidação, sem que tenha sido apurada a existência de qualquer ativo ou passivo a liquidar.

    V. Nomeadamente e de forma muito sucinta, o Tribunal a quo refere: “Sendo um contrato, a remissão exige o consenso entre as partes e, assim, a emissão de, pelo menos, duas declarações negociais, estando uma delas a cargo do credor, declarando renunciar ao direito de exigir a prestação, e a outra na disponibilidade do devedor, declarando aceitar a renúncia.” VI. E acrescenta: “Contudo, o facto de o credor não ter intervindo no aludido procedimento não pode ser entendido como renúncia ao crédito de que era titular, designadamente perante o insolvente, inexistindo qualquer declaração expressa (ou tácita) nesse sentido.” VII. Acabando por concluir: “Inexiste qualquer elemento que permita concluir que estamos perante uma remissão abdicativa.” VIII.

    A vontade de perdoar a dívida como a de aceitação do perdão não exigem uma declaração expressa, podendo deduzir-se de manifestações que, não tendo expressão direta por palavras ou escritos, IX.

    As revelem com um grau de probabilidade que as tornem inequívocas, quando apreciadas à luz do padrão de comportamento que rege a tomada de decisões por uma pessoa sensata.

    X. Ora este entendimento está plasmado em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12-03-2008, no âmbito do processo 3380/07 - 4ª Secção, disponível em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=26820&cod area=3 XI. E no que diz respeito às manifestações que são necessárias, que não tendo expressão por palavras ou escritos, as quais com um grau de probabilidade se tornem inequívocas à luz das regras da experiência, XII. Haverá alguma mais evidente do que durante cerca de 20 anos o Recorrido nunca tenha exigido ou cobrado o seu alegado crédito junto do Recorrente/Insolvente? XIII. Haverá alguma manifestação mais inequívoca do que durante praticamente 20 anos o Recorrido não tenha dirigido ao Recorrente/Insolvente uma missiva a interpelar para a sua alegada dívida? XIV. Haverá manifestação mais forte do que nunca o Recorrido tenha comunicado ao Banco de Portugal a alegada dívida de que o Recorrente/Insolvente é devedor? XV. Resulta, pois, à saciedade que a declaração negocial pode ser expressa ou tácita.

    XVI. A dissolução e liquidação da sociedade operada ao abrigo do Regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais (Anexo III do DL 76-A/2006 de 29 de Março) contempla um procedimento especial de extinção imediata da sociedade, divergindo do estabelecido no Código das Sociedades Comerciais sobre a Dissolução da sociedade.

    XVII. Deste modo, e tendo em consideração o que se disse supra no âmbito desta temática, as declarações de inexistência de ativo e passivo a liquidar da sociedade, tem óbvias implicações no destino da presente demanda, cujo objeto consubstancia a reclamação e reconhecimento em juízo de um crédito por parte do Recorrido, emergente alegadamente de uma obrigação da entretanto declarada extinta sociedade.

    XVIII. Resulta à saciedade que o Recorrido/Credor, nos termos do procedimento de dissolução e de liquidação da sociedade supra referido, nada referiu, nada indicou, nada reclamou.

    XIX. O Credor/Recorrido através da sua omissão renunciou ao seu alegado crédito.

    XX. Comportamento, por omissão, que nos conduz à figura da remissão abdicativa.

    XXI. A remissão abdicativa constitui uma das causas de extinção das obrigações, traduzindo-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe é devida, caracterizando-se como uma verdadeira renúncia do credor ao poder de exigir a prestação que lhe é devida pelo devedor.

    XXII. E, uma vez extinta a obrigação, extinguem-se também as garantias da mesma.

    XXIII. No caso o aval prestado pelo aqui...

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