Acórdão nº 2732/17.5T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelESPINHEIRA BALTAR
Data da Resolução13 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães M. L. instaurou a presente ação declarativa de condenação contra X Portugal - Companhia de Seguros, SA, e requereu a intervenção principal provocada, como sua associada, de E. L., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia líquida de € 549.595,82, acrescida de juros de mora, no dobro da taxa legal, desde a data da citação e até ao integral pagamento e a indemnização a liquidar posteriormente relativa a todos os gastos e prejuízos que eventualmente a autora venha a incorrer no futuro com tratamentos médicos e medicamentosos ou intervenções cirúrgicas e que derivem do acidente dos autos.

Alegou, em síntese, os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro que descreve, do qual resultou a morte do seu marido, Eduardo e lesões corporais e prejuízos materiais para a autora e cuja ocorrência imputa à conduta ilícita e culposa do condutor do veículo seguro na ré.

Mais alegou que a ré não apresentou qualquer proposta indemnizatória.

A ré seguradora apresentou-se a contestar, assumindo a responsabilidade pela liquidação dos danos emergentes do sinistro, mas impugnando, por desconhecimento, parte da factualidade atinente à dinâmica do acidente, os danos e os montantes alegados.

Alegou ainda ter suportado as despesas hospitalares da autora e que a mesma não reclamou qualquer indemnização, nem forneceu à companhia seguradora os elementos solicitados pela ré para o efeito.

Terminou pedindo que a ação seja julgada em conformidade com a prova a produzir.

A convite do tribunal, a autora juntou aos presentes autos certidão, com nota do trânsito em julgado, da sentença condenatória proferida no processo penal que teve por objeto o acidente dos autos.

Dispensada a realização da audiência prévia e elaborado o despacho saneador, foi proferido despacho a fixar o objeto do litígio e a enunciar os temas de prova.

Apreciados todos os requerimentos probatórios e produzida a prova pericial, designou-se dia para a audiência final, à qual se veio a proceder com inteira observância das formalidades legais, como consta das respetivas atas.

Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção intentada pela autora M. L. e, em consequência, condeno a ré X Portugal - Companhia de Seguros, SA a pagar-lhe: - a quantia de € 167.620,15 (cento e sessenta e sete mil, seiscentos e vinte euros e quinze cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora a contar da citação e até efectivo pagamento; - a quantia de € 152.500,00 (cento e cinquenta e dois mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a contar da data desta sentença até integral pagamento; e - a quantia que se vier a liquidar relativa aos danos aludidos nos pontos 38, 39, 43 e 44 do elenco dos factos provados; - absolvendo-a do restante pedido;” Inconformada com o decidido a ré interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões: “I.

  1. Pelo presente recurso, a recorrente impugna as seguintes decisões e omissões da douta sentença recorrida: a) Não ter considerado nem julgado provado que o défice funcional e permanente da integridade físico-psíquica e o grau de dano estético, decorrentes das sequelas do estrabismo do olho direito, será minimizado com o tratamento cirúrgico referido no artigo 39 dos factos provados.

    1. Não ter considerado nem julgado provado que à data do embate a autora não exercia a sua profissão porque foi opção da autora e do marido que não procurasse trabalho e tomasse conta da lide doméstica e ajudasse na organização do trabalho do falecido marido.

    2. Ter julgado provado que o vencimento do falecido marido da autora era a única fonte de rendimento do casal (artigo 59 dos factos provados).

    3. A condenação da recorrente a pagar à autora a quantia de € 2.700,00 pela necessidade de auxílio de terceira pessoa durante cerca de seis meses.

    4. A condenação da recorrente a pagar à autora a quantia de € 130.000,00, por perda de alimentos, a cargo do falecido marido.

    5. A condenação da recorrente a pagar à autora a quantia de € 70.000,00 por danos não patrimoniais decorrentes do quantum doloris e do dano estético por ela sofridos.

    6. A fixação em € 15.000,00 como indemnização pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima marido entre o momento do embate e a sua morte, e consequente condenação da recorrente a pagar à autora a quantia de € 7.500,00 a esse título.

    7. A fixação em € 80.000,00 como indemnização pelo dano da perda do direito à vida do marido da autora, e consequente condenação da recorrente a pagar à autora a quantia de € 40.000,00 a esse título.

    8. A condenação da recorrente a pagar à autora a quantia de € 35.000,00 por danos não patrimoniais por ela sofridos pela morte do marido.

    II.

  2. O relatório pericial de folhas 198 a 203 refere que o défice funcional e permanente da integridade físico-psíquica de que a autora padece atualmente “deverá ser alterado no que concerne às sequelas do estrabismo do olho direito o qual poderá ser minimizado com tratamento cirúrgico”. Este facto não foi tido em consideração nos factos provados pela sentença e não consta dos factos provados.

  3. Esse facto, provado por documento emitido por organismo oficial e não impugnado, complementa e concretiza a factualidade alegada na petição inicial no que se refere ao défice funcional e ao grau de dano estético decorrentes do estrabismo que sofre de momento a autora, sendo, por isso, de atender no momento da quantificação dos danos não patrimoniais sofridos pela autora em função do dano estético e do dano biológico, tanto mais que o dano estético foi fixado pelo senhor perito no grau 4 numa escala de 7 teve em conta, precisamente, o estrabismo, dano estético esse que será minimizado após a realização da cirurgia.

  4. Por imposição dos artigos 5º, nº 2, al b) e 607º, nº 4 do Código de Processo Civil, aquela factualidade, deveria ter sido atendido pela senhora juíza a quo e dada como provada. Não o tendo sido, deve o tribunal de 2ª instância ampliar a matéria de facto (artigo 662º do Código de Processo Civil), e aditar aos factos provados o seguinte: “O défice funcional e permanente da integridade físico-psíquica e o grau do dano estético, decorrentes das sequelas do estrabismo do olho direito, serão minimizados com tratamento cirúrgico referido no artigo 39 dos factos provados.” III.

  5. A autora confessa no artigo 186º, nº 11 da douta petição inicial que “foi opção da autora e do falecido marido que ela não procurasse trabalho e tomasse conta da lide doméstica e ajudasse na organização do trabalho do de cujus”. Esse facto deve ser considerado pelo julgador, já que se mostra de particular importância para quantificação do eventual dano relativo à perda de alimentos, designadamente, quanto ao requisito específico da necessidade da prestação alimentícia e da possibilidade de a autora provir pelo seu sustento.

  6. Sendo esse facto instrumental, e estando provado por confissão reduzida a escrito, deveria ter sido julgado provado pela 1ª instância (artigos 5º, nº 2, al. a) e 607º, nº 4 do Código de Processo Civil). Não o tendo sido, deve este tribunal de recurso fazê-lo, ampliando a matéria de facto provada (artigo 662º do CPC), e proceder à alteração do teor do artigo 57º dos factos provados, que deve passar a ter a redação seguinte: “À data do embate, a autora tratava das lides domésticas do casal, procedendo à limpeza, confeção dos alimentos, tratamento de roupa, etc, e não exercia a sua profissão porque foi opção da autora e do falecido marido que ela não procurasse trabalho e tomasse conta da lide doméstica e o ajudasse na organização do trabalho deste.” IV.

  7. Ouvidas as declarações prestadas em audiência de julgamento, constata-se que em momento algum, quer a autora, quer as testemunhas P. F. e A. F., confirmaram ou sequer mencionaram, que o vencimento do falecido marido da autora era a única fonte de rendimento que suportava as despesas do casal. Essa ausência de prova contraria o que consta na motivação da sentença quanto ao julgamento dos factos constantes no artigo 59 dos factos provados.

  8. Por outro lado, e quanto às declarações do IRS, que a sentença invoca para julgar provado esse mesmo facto, esses documentos provam apenas que a autora e seu falecido marido participaram à Autoridade Tributária o que neles consta, não sendo lícito delas retirar outros factos senão esses, designadamente, que os rendimentos ali declarados eram os únicos auferidos pelo casal.

  9. A realidade é que a autora não esboçou tão pouco em cumprir com o ónus que recaía sobre si, de provar que o vencimento do seu marido era a única fonte de rendimentos do casal, não o fazendo por si, nem por intermédio das testemunhas por si arroladas, e que lhe eram próximas, porquanto sua irmã e sobrinha/afilhada.

  10. Não tendo a autora cumprindo com esse ónus, os factos vertidos no artigo 59 dos “factos provados” (o vencimento do falecido marido da autora era a única fonte de rendimento que suportava as despesas do casal com alimentação, vestuário, higiene, saúde, eletricidade, água, gás, telefone, veículos automóveis férias e lazer) devem ser julgados não provados.

    V.

  11. Apesar de referir expressamente que a autora não provou ter despendido qualquer quantia por ter vivido em casa da irmã durante cerca de seis meses (artigo 29 dos factos provados), a Meritíssima Juíza a quo entendeu que lhe assistia o direito “a ser indemnizada a esse título enquanto dano decorrente do acidente”, arbitrando uma indemnização de € 2.700,00, o que não é admissível. Com efeito, 12. No âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, o artigo 483º do Código Civil exige que “para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja um dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª ed., pág. 523). Não tendo sido provado que a autora tenha suportado...

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