Acórdão nº 3587/16.2T8ENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS
Data da Resolução27 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 3587/16.2T8ENT.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém Inst. Local do Entroncamento - Secção de Competência Genérica I. Relatório (…), casada, residente no lugar de Alto da (…), (…), n.º 8, no Entroncamento, instaurou contra (…), casado, residente no Edifício (…), Rua de (…), n.ºs 83 e 87, em Fátima, e (…), casado, a residir na Rua (…), n.º 1-C, Entroncamento, acção declarativa, a seguir o processo especial de prestação de contas, pedindo a final a citação dos RR nos termos “dos artigos 941.º e seguintes do Código de Processo Civil para, em trinta dias, apresentarem as contas ou contestarem a acção, sob pena de não poderem deduzir oposição às que a autora apresente”, devendo ainda “ser condenados a entregar à autora o saldo que as contas apresentarem, o qual deve vencer juros de mora à taxa legal desde a data da citação”.

Alegou para tanto e em síntese ser casada com o réu (…) desde 8 de Agosto de 2008, casamento celebrado sob o regime imperativo da separação de bens, sendo o 2.º R filho do cônjuge marido. A solicitação do Réu seu marido outorgou três procurações, conferindo a este e também ao R. (…) poderes para movimentar as contas bancárias que identificou, todas elas abertas no ano de 2012, das quais é a única titular.

Mais alegou que à data da outorga das aludidas procurações as identificadas contas bancárias apresentavam saldos que no seu conjunto ascendiam a quantia superior a € 1.000.000,00, dinheiro que lhe pertencia em exclusivo, tendo outorgado as procurações por lhe ter sido garantido pelo 1.º R. que administraria os referidos saldos sempre no interesse da mandante, em favor de quem reverteria o proveito resultante da administração que fizesse.

Fazendo uso das procurações os RR foram movimentando as contas e administrando os respectivos saldos, fazendo diversas aplicações, tudo sem informarem a demandante, a quem não deram conta dos resultados da gestão.

  1. e R. vieram posteriormente a separar-se, correndo termos processo de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge instaurado pela primeira, tendo tomado entretanto conhecimento de que as contas bancárias se encontram praticamente saldadas, sobrando apenas escassas dezenas de euros. Interpelados, os RR recusam-se a prestar informação sobre o destino do dinheiro e dos proveitos que produziu a administração que vinham levando a cabo em representação da demandante, o que fundamenta a presente acção, devendo ser condenados a prestar contas de todas as operações que realizaram e a fazer entrega dos saldos que, a final, resultaram dos actos de administração praticados.

* Citados os RR, contestaram ambos e, tendo alegado que nunca foram pela autora interpelados para prestar contas, acrescentaram que não têm qualquer obrigação de o fazer uma vez que, conforme esta bem sabe, nenhuma das quantias depositadas nas contas bancárias identificadas lhe pertencia, mas antes ao R. (…), que pretendeu evitar que as mesmas passassem pelas contas de sociedades por si geridas, onde corriam o risco de ficar retidas, pelo que actua em claro abuso de direito, excepção que expressamente invocaram.

Tendo o R. (…) acrescentado que não ter feito uso de nenhuma das procurações, concluíram ambos pela improcedência da acção, mais tendo peticionado a condenação da demandante como litigante de má-fé.

A autora respondeu, reiterando que foram depositadas nas contas em referência quantias superiores a € 1.000.000,00 que lhe pertenciam, o que sempre haveria de se presumir considerando que é a única titular das mesmas, tal como os contestantes reconhecem, pelo que tem o direito de exigir a prestação de contas, impondo-se a improcedência da excepção aduzida.

* Tendo a Mm.ª juíza determinado que os autos prosseguissem segundo a forma do processo comum, conforme prevenido pelo art.º 942º do CPC, seu n.º 3, 2.ª parte, teve lugar audiência prévia, com delimitação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida douta sentença que, na parcial procedência da acção, decretou a absolvição do R. (…) e condenou o R. (…) a prestar contas à A. relativamente às contas bancárias indicadas em 1.3 dos factos provados.

Inconformado, apelou o R. condenado e, tendo desenvolvido em alegações as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: “a) Nos termos do disposto no artigo 941.º do C. P. Civil “a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”; b) A prestação de contas parte de um princípio basilar, que se traduz na existência de uma relação jurídica entre dois sujeitos, um o titular de bens administrados, outro o respectivo administrador; c) Foram dados como factos não provados – pontos 2.1 e 2.2 – que os saldos das contas (referidas em 1.5. a 1.7. dos factos provados) apresentassem, em conjunto, um saldo de mais de € 1.000.000,00, como também que os valores indicados em 1.9. dos factos provados pertencessem à aqui Recorrida; d) Muito embora não se dê como provado que todos os valores movimentados nas contas fossem pertença do ora Recorrente, certo é que se dá como não provado que tais valores eram propriedade da aqui Recorrida; e) O Tribunal a quo não deu como provado que as contas bancárias em causa apresentassem um saldo no valor de € 1.000.000,00 antes de passar as procurações a favor da Recorrida, pertencendo-lhe tal montante; f) O Tribunal a quo não deu como provado que posteriormente à emissão das mesmas [procurações], tivesse a Recorrida aportado a tais contas bancárias valores de que era titular; g) A sentença proferida pelo Tribunal a quo, tendo em consideração os factos dados como provados e não provados, está em contradição com os seus fundamentos (alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º); h) A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” estava obrigada a identificar, em concreto, quais os valores que eram propriedade da Recorrida; i) Face aos documentos juntos pelas entidades bancárias, o Tribunal “a quo” não podia deixar de se pronunciar, em concreto, sobre a titularidade dos valores cuja prova aí se encontra plasmada; j) Não o tendo feito incorreu na violação da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C., primeira parte; k) O conjunto de documentos enviados pelas entidades bancárias, no contexto em que foram solicitados, têm um valor probatório reforçado; l) O cheque mencionado em 1.13 [dos factos provados], junto pela entidade bancária competente, encontra-se emitido e assinado pelo Recorrente, não tendo sido suscitada, em sede de audiência de julgamento, qualquer dúvida quanto a tal facto, pelo que devia constar dos factos provados; m) O cheque mencionado em 1.15 [dos factos provados], junto pela entidade bancária competente, encontra-se emitido e assinado pelo Recorrente, não tendo sido suscitada, em sede de audiência de julgamento, qualquer dúvida quanto a tal facto, pelo que devia constar dos factos provados; n) A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” viola a alínea b) do n.º 2 do artigo 616.º do C.P.C.; o) Impondo ao Recorrente a obrigação de prestar contas à Recorrida, o Tribunal a quo tinha que fixar, em concreto, o objecto dessa mesma prestação, designadamente a conta e saldo; p) A sentença ora recorrida não esclarece/designa a conta/saldo objecto da prestação de contas, refugiando-se na ambiguidade de um saldo existente no todo das contas bancárias em apreço; q) A sentença recorrida é ambígua quanto a esta matéria e, consequentemente, ininteligível nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º, 2.ª parte, do C.P.C.; r) A obrigação de prestação de contas por parte do Recorrente também não encontra a sua sustentabilidade nos artigos 512.º e seguintes do Código Civil; s) É o próprio Tribunal a quo que afasta a presunção que decorre do artigo 516.º do Código Civil, ao dar como não provado que a Recorrida seja titular de qualquer dos valores depositados nas contas bancárias em apreço; t) O regime que decorre do artigo 512.º e seguintes do Código Civil apenas é aplicável caso tivesse sido provada a titularidade de qualquer montante por parte da Recorrida, o que não ficou provado; u) Não tendo ficado provado que o Recorrente estava a administrar valores propriedade da Recorrida, por maioria de razão, não se pode presumir que os mesmos valores se encontravam em comparticipação; v) As procurações conferidas pela Recorrida ao Recorrente eram no exclusivo interesse deste último; w) Não existe uma relação jurídica entre a Recorrida e o Recorrente, conquanto aquela não é titular dos bens que foram administrados por aquele; x) A Recorrida carece de legitimidade activa para exigir a prestação de contas ao Recorrente.

Com os aludidos fundamento requer a final seja revogada a sentença recorrida, com a consequente absolvição do recorrente.

* Contra alegou a apelada e, reconhecendo que a sentença apresenta o vício da contradição entre os fundamentos e a decisão, sustenta todavia que tal não importa erro de julgamento, devendo ser mantido o julgado.

A Mm.ª juíza pronunciou-se no sentido de não se verificarem as arguidas nulidades.

* Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, impõe-se que este Tribunal se pronuncie sobre as seguintes questões: - das nulidades da sentença recorrida e do pedido de reforma; - do erro de julgamento quanto aos fundamentos da obrigação de prestar contas.

* i. das nulidades da sentença recorrida O réu recorrente diz ser a sentença nula nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, als. c) e d), do CPC i. dada a existência de contradição entre os fundamentos e a decisão; ii. por ser ambíguo e ininteligível o dispositivo; iii. por ter sido omitida pronúncia sobre questões suscitadas pelas parte, requerendo finalmente a sua...

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