Acórdão nº 1146/16.9T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução27 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. nº 1146/16.9T8FAR.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório.

  1. (…), divorciado, residente na Praça da (…), 3 – 7º-B, dto., em Faro, instaurou contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, Câmara Municipal de Faro, com serviços centrais domiciliados no Largo da Sé, em Faro, Polis Litoral Ria Formosa- Sociedade Requalificação, Valorização da Ria Formosa, S.A.

    , com sede no Chalet João Lúcio, Pinheiro Marim, Guarda Nacional Republicana (Unidade de Ação Fiscal - Guarda Fiscal), com Comando Geral domiciliado no Largo do Carmo, em Lisboa e Polícia Marítima, com Comando Geral domiciliado no Largo do Carmo, em Lisboa, ação declarativa com processo comum.

    Alegou, em resumo, que construiu uma casa, no ano de 1979, no designado núcleo populacional da Ilha da Culatra, fora da faixa de 50 metros que constitui a margem das águas do mar, composta por dois quartos, cozinha e casa de jantar/sala comum, casa de banho, duas arrecadações e logradouro, com a área coberta de 53m2, num total de 168m2, a confrontar a Norte com (…), Sul com (…), Nascente com a Rua do (…) e Poente com (…) e que desde a referida data, vem cuidando da casa e logradouro, habitando-a como sendo sua e nela recebendo familiares e amigos, à vista de todos, sem disputas nem demandas de quem quer que seja.

    A Ilha da Culatra pertence ao domínio privado do Estado e, como tal, é suscetível de usucapião.

    Em Abril de 2015, foi-lhe comunicada uma deliberação do Conselho de Administração da ré Polis que determina a demolição da sua casa e a tomada de posse administrativa por parte da referida Ré, na sequência da qual o A. e outros moradores do local, intentaram providência cautelar, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, visando a declaração de nulidade ou anulação do ato administrativo, providência cautelar que se mostra suspensa para conhecimento da questão prejudicial que constitui o alegado direito de propriedade do A.

    Concluiu pedindo que se declare e reconheça que é dono e legítimo possuidor do prédio urbano, sito na Rua do (…), nº (…), no Núcleo do Farol, na Ilha da Culatra, Faro, com a composição e confrontações que identifica, por o haver adquirido por usucapião.

    A ré Polis contestou, em resumo, excecionando a ilegitimidade do A, por preterição de litisconsórcio necessário, a falta de personalidade judiciária e a ilegitimidade das rés Guarda Nacional Republicana, Polícia Marítima e Município de Faro, impugnando a generalidade os factos alegados pelo A. e defendendo a falta de condições de procedência da ação, por se situar a casa do A., construída sem licenciamento, em terreno pertencente ao domínio público do Estado e, assim, insuscetível de aquisição por usucapião.

    Concluiu pela improcedência da ação.

    O réu Estado Português contestou, em resumo, excecionando a falta de personalidade judiciária das rés Guarda Nacional Republicana e Polícia Marítima, impugnando a generalidade os factos alegados pelo A e defendendo a falta de condições de procedência da ação, por se situar a casa do A., construída sem licenciamento, em terreno pertencente ao domínio público do Estado e, assim, insuscetível de aquisição por usucapião.

    Concluiu pela improcedência da ação.

    Respondeu o A. por forma a admitir a falta de personalidade da Guarda Nacional e Polícia Marítima e a defender a improcedência da exceção de ilegitimidade do réu Município de Faro.

    Foi admitida a intervenção principal de (…), como associada do A. a qual, não obstante citada, não ofereceu articulado, nem fez qualquer declaração.

  2. Foi proferido despacho que julgou procedente a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária da ré Guarda Nacional Republicana e da ré Polícia Marítima, homologou a desistência da instância relativamente ao réu Município de Faro e conhecendo do mérito da causa julgou improcedente a ação.

    O A. recorreu, o acórdão desta Relação de 8/3/2018 deu-lhe razão e os autos prosseguiram com a identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

    Houve lugar à audiência de discussão e julgamento, seguindo-se a prolação de sentença, que dispôs a final: “Por todo o exposto, ao abrigo das disposições legais citadas, decido julgar a presente ação intentada por (…) contra Estado Português, representado pelo Ministério Público e Sociedade Polis Litoral Ria Formosa – Sociedade Requalificação, Valorização da Ria Formosa, S.A., em que é interveniente (…) improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo os réus do pedido.” 3. O A. recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso: “A) A decisão proferida que considera a Ilha da Culatra como leito, para poder concluir, pela lei da titularidade do domínio hídrico, tratar-se de domínio público do estado, faz, com o devido respeito, errada interpretação da lei, B) Desde logo porquanto o aluvião diz respeito a depósitos sedimentares em sistema fluvial, a material mais fino extravasado dos canais das cheias, sedimentos clásticos depositados em zonas estuarinas, C) Aluvião pode ser sinónimo de inundação, e o termo “aluvião” refere-se exclusivamente a um evento meteorológico, levando à formação sedimentar depositada nos rios. Assim consta em vários dicionários.

    1. Se é certo que a Constituição da República Portuguesa individualiza os bens que pertencem ao domínio público, a verdade é que deixa ao legislador a faculdade de, por lei ou decreto-lei, classificar outros bens como bens do domínio público, como decorre do artigo 84º e artigo 165º, n.º 1.

    2. Do artigo 84.º decorre, desde logo, como sendo do domínio público “As águas territoriais com os seus leitos (…) e as águas navegáveis ou flutuáveis, com os respetivos leitos.

    3. Porém é pelo diploma que estabelece a titularidade dos recursos hídricos, o Decreto-Lei 468/71, de 05 de Novembro (em vigor ao início da posse do Autor) e a Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, que se alcançam os três domínios hídricos: as águas do domínio público marítimo, as águas do domínio público lacustre e fluvial e as restantes águas e respetivos leitos.

    4. Sendo que, a definição de leito, tal resulta do artigo 2.º e do artigo 10.º dos citados diplomas, respetivamente, enuncia expressamente a noção de leito das águas do mar, quer no n.º 2 do artigo 2.º quer no n.º 2 do artigo 10.º dos citados diplomas, H) E o nº 3 dos citados artigos, em ambos os diplomas, expressamente se referem ao leito das outras águas, pelo que, dúvidas não podem subsistir que, o n.º 1 daqueles citados artigos dizem respeito apenas ao leito das águas lacustre e fluviais, tanto mais que apenas estas águas são influenciáveis por cheias extraordinárias e inundações. As águas do mar estão sujeitas à influência das marés, e as dos rios às cheias, I) Ao aplicar o n.º 1 e não o n.º 2 dos referidos artigos e diplomas legais, verifica-se erro na aplicação da norma, saindo violada a norma cuja aplicação se impõe, pois o legislador distingue, sendo no caso o intérprete que não o faz.

    5. A casa do Autor, que dista mais de 100m das águas do mar, só poderia, quanto muito, estar situada na margem, e nunca no leito, em domínio privado, como se alega.

    6. Verifica-se uma contradição insanável entre a matéria assente em 11, onde se lê “De modo contínuo, à vista de todos e sem oposição” e a decisão de julgar verificada a interrupção...

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