Acórdão nº 448/17.1GHVFX.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelVIEIRA LAMIM
Data da Resolução11 de Junho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: Iº 1. No Processo Abreviado nº448/17.1GHVFX, da Comarca de Lisboa Norte (Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira - Juiz 2), foi julgado, N. , acusado de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

O Tribunal, após julgamento, por sentença oral de 30Jan.19, decidiu: “… Condeno o arguido N. , como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, praticado em 07-10-2017, em Vialonga, p. e p.pelos artigos 292º, nº 1 e 69º nº 1 al. a), ambos do Código Penal, na pena de 75 (setenta) dias demulta, à taxa diária de 5,00 euros (cinco euros), o que perfaz o montante total de 375,00 euros(trezentos e setenta e cinco euros).

- Condeno o arguido N. , na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de todas as categorias, pelo período de 3 (três) meses.

…”.

  1. Desta sentença recorre o arguido, N. , tendo apresentado motivações, das quais extraiu as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso da, aliás, douta sentença proferida nos autos, na qual foi o recorrente condenado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, al. a) na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros, o que perfaz o montante total de 375,00 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de todas as categorias, pelo período de 3 meses.

  2. Com a mesma não pode conformar-se, limitando as razões da sua discordância a questões de direito, concretamente por estender ter sido violado o princípio de non bis in idem .

  3. O artigo 29º , nº 5 da Constituição da República Portuguesa consagra o mesmo ao nível do julgamento, nos seguintes termos : “ Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.

  4. Em anotação a este artigo, os Profs. Vital Moreira e Gomes Canotilho, consideram que a Constituição, “ (...) proíbe rigorosamente o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é óbvio que a proibição do duplo julagamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do mesmo crime” ( in Constituição da República Portuguesa anotada, Vol.I, pág. 497).

  5. A protecção constitucional abrange o duplo julgamento, mas também a “ aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do mesmo crime”, que seria, também na nossa modesta opinião, o que aconteceria com o não desconto das injunções já cumpridas em sede de suspensão provisória do processo pelo arguido- 5 meses- ao nível da proibição de condução, como decidiu o Tribunal a quo nos presentes autos.

  6. Revestindo as injunções natureza próxima das sanções penais, por força da intervenção do Juíz de Instrução, constitui uma “renovada sanção jurídico-penal”, o decidido na sentença revidenda não desconto da injunção já cumprida pelo arguido – a entrega da sua carta de condução por um período cumprido de 5 meses, em que esteve privado de conduzir-, sob pena de uma clara violação do princípio non bis in idem ínsito no texto constitucional.

  7. Tendo sido nos presentes autos acordada a suspensão provisória do processo, nos termos do artigo 281º do CPP, com a 1ª injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no nº 3 do preceito, e tendo aquela suspensão terminado – apesar dos vários requerimentos do arguido para que tal não viesse a suceder, oferecendo o pagamento imediato da 2ª injunçao pecuniária imposta- , determinando o prosseguimento do processo ao abrigo do nº 4 do artigo 282º do mesmo Código, o tempo de 5 meses em que o arguido esteve privado da cara de condução deveria ser descontado no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença revidenda.

  8. A tal não obsta o aresto de fixação de jurisprudência do STJ 4/2017, prolatado em 4 de Maio de 2017, mas cuja interpretação não foi apreciada, até este momento, pelo Tribunal Constitucional e não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 445º do CPP.

  9. Resulta dos elementos juntos aos presentes autos que o arguido, ora recorrente, cumpriu a injunção de abstenção de conduzir pelo período de 5 meses aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo, que, entretanto, prosseguiu por incumprimento de outra injunção que não a referida, nos termos do previsto na alínea a) do artigo 282º do CPP.

  10. O recorrente, foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 ( três) meses pela sentença recorrida, nos termos do artigo 69º, nº 1 , al. a) do CP.

  11. Assim, a pena acessória a que foi condenado deve ser extinta, por o recorrente já ter cumprido essa pena na suspensão provisória do processo.

  12. Destarte não existir norma a prever o desconto, o legislador não quis criar uma situação de injustiça obrigando o arguido a repetir a sanção acessória anteriormente cumprida.

  13. O tribunal a quo , sempre com o maior respeito, violou o artigo 29º, nº 5 da CRP, na medida em que duplicou a mesma punição.

  14. E, de novo com todo o respeito, o tribunal recorrido também violou o artigo 281º, nº 3 do CPP, na medida em que não considerou a inibição de conduzir imposta na suspensão provisória do processo uma verdadeira pena.

  15. As injunções e regras de conduta aplicadas na suspensão provisória do processo têm natureza penal.

  16. A suspensão provisória do processo e a aplicação das injunções e regras de conduta, implica a “ concordância do Juíz de instrução” ( artigo 281º, nº 1 do CPP), o que confere às mesmas , s.m.o., uma natureza jurisdicional.

  17. Esta natureza jurisdicional resulta, desde logo, da interpretação histórica da norma.

  18. O projeto original do Código de Processo Penal de 1987 não previa a intervenção do juíz de instrução na suspensão provisória do processo , sendo tal competência exclusiva do Ministério Público.

  19. No Acórdão do Tribunal Constitucional nº 7/87, de 9.01.1987, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade do Código de Processo Penal, veio-se a considerar tal solução inconstitucional ao considerar que “ (...) Já se não aceita, porém, a atribuição ao Ministério Público da competência para a suspensão do processo e imposição das injunções e regras de conduta previstas na lei, sem a intervenção de um juíz, naturalmente o juíz de instrução, e daí a inconstitucionalidade, nessa medida, dos nºs. 1 e 2 do artigo 281º, por violação dos artigos 206º, e 32º, nº 4 da Constituição” .

  20. Assim, a intervenção do juíz de instrução e a sua concordância vieram, em obediência a tal acórdão, a ser consagradas no CPP aprovado e, nessa medida, não podem deixar de ter consequência na natureza das injunções.

  21. Na verdade, não faz sentido considerar que as injunções mantêm a mesma natureza com ou sem a intervenção do juíz de instrução, quando a solução sem a sua intervenção era inconstitucional.

  22. A intervenção do juíz de instrução, com a sua concordância na suspensão provisória do processo, exigida pelo Tribunal Constitucional e assumida pelo legislador, confere às injuncões uma natureza que as aproxima das sanções penais e como tal devem ser consideradas.

  23. A voluntariedade na aceitação das injunções é irrelevante para se aferir da natureza das mesmas . Não é, pois, a voluntariedade que determina a natureza da sanção, mas, antes, o facto de, na mesma, intervir ou não um Juíz.

  24. Esta mesma ideia é reforçada quando o legislador veio a exigir, no nº 3 do artigo 281º do Código de Processo Penal, a obrigatoriedade da injunção de proibição de de conduzir veículos com motot. Aqui a voluntariedade já não existe, existindo, pelo contrário, uma espécie de contrato de adesão com o qual o arguido concorda ou não concorda e, nem por isso, a ideia subjacente ao mecanismo de suspensão provisória do processo, que é a voluntariedade, fica abalada. Portanto a voluntariedade é irrelevante para aferir da natureza da injunção.

  25. O grande argumento que se pode invocar para o não desconto é, na verdade, o artigo 282º, nº 4 do Código de Processo Penal, quando estabelece que em caso de incumprimento e de o processo prosseguir, “ as prestações não podem ser repetidas”, tal como acontece no artigo 56º, nº 2 do Código Penal, em relação à revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

  26. Mas o que podemos entender com tal expressão “ As prestacões feitas não podem ser repetidas” ? : “ Todas as prestações feitas, só algumas?” .

  27. Se, por exemplo, estivermos em face do pagamento em prestações de uma indemnização, as prestações pagas não são abatidas numa futura condenação? A resposta só pode ser afirmativa, pois caso contrário também aqui estaríamos perante um enriquecimento ilícito e sem justa causa.

  28. A expressão “prestações” não se refere à proibição de conduzir veículos com motor, ainda que “prestação” numa acepção civilista seja a actividade ou acção, positiva ou negativa com vista à satisfação do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT