Acórdão nº 62/17.1GBCNF.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelBRIZIDA MARTINS
Data da Resolução08 de Maio de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

I.

Relatório.

1.1. Realizado pertinente contraditório[1], por sentença proferida e depositada na Secretaria do Tribunal supra mencionado, no dia 15 de Maio de 2018 (cfr. fls. 156), o arguido …, entretanto já mais identificado, acabou condenado pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, e em concurso efectivo, de dois crimes de ameaça agravada, previstos e punidos através das disposições conjugadas dos art.ºs 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, al. a), 14.º, n.º 1, e 26.º, todos do Código Penal, nas penas parcelares de 6 (seis) meses de prisão por cada um deles, e a que, em cúmulo jurídico logo operado, nos termos do art.º 77.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma, se fez corresponder a pena única de 8 (oito) meses de prisão.

1.2. Inconformado, almejando obter o arquivamento dos autos, por falta de legitimidade do Ministério Público em exercer a acção penal; a revogação do sentenciado por inverificação dos factos que ditaram a sua condenação, ou, concedendo, a aplicação de uma pena de substituição[2], recorre o arguido para este Tribunal da Relação sendo que da motivação através da qual minutou o dissídio, extraiu as conclusões que a seguir se transcrevem: «I - O crime de Ameaça Agravada tem natureza semi-pública, pelo que o Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 48.º do CPP não tinha legitimidade para promover o processo-crime, porquanto os ofendidos em cumprimento do artigo 49.º do CPP não exerceram o direito de queixa, devendo por via disso, ser o arguido absolvido da prática dos referidos crimes.

Caso assim não se entenda, II - O arguido, ora recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 412.º n.º 1 e observados os ónus impostos pelo artigo 412.º n.º 3 als. a) e b) e n.º 4, todos do CPP, impugna a matéria de facto dada como provada - pontos 1 a 3 -, a qual, com os fundamentos aduzidos supra, deve ser dada como não provada.

III - Dos depoimentos dos ofendidos … e …, considerados pelo tribunal a quo como “extremamente credíveis” e “coincidentes entre si no essencial”, resultaram incoerências e dúvidas insanáveis, precisamente no que é essencial, portanto, que o tribunal não podia ignorar, incorrendo a sentença recorrida em erro na apreciação das provas, e bem assim concluiu pela formulação de juízos ilógicos e contraditórios, os quais não se coadunam com as regras da experiência comum.

IV - O princípio da livre convicção do juiz constitui regra de apreciação da prova; todavia, para conduzir à condenação, tal prova deve ser plena, pelo que, na decisão de factos incertos, a dúvida determina necessariamente a absolvição, de harmonia com o princípio da presunção de inocência, chave mestra do direito processual penal.

V - Da prova realizada em julgamento resultam dúvidas que não poderiam levar à condenação.

VI - Se o recorrente proferiu a expressão “dou cabo de vós”, repetida pelo ofendido …, essa expressão integraria apenas o crime de ameaça simples, por isso o Ministério Público, dada a alteração não substancial, não teria legitimidade para promover o processo.

VII - A ter existido ameaça, e por referência ao depoimento do ofendido M (...) , considerado tão credível quanto o depoimento do ofendido …, a mesma não consubstanciava um mal futuro (necessário para o preenchimento do tipo).

VIII - O tribunal a quo não poderia por isso, com a certeza que lhe é exigida, decidir pela condenação do arguido, pois, ao fazê-lo preteriu-se do estatuído pelo artigo 32.º n.º 2 da CRP, violando o sentido do princípio da presunção de inocência do arguido e do princípio in dúbio pro reo, o que deve levar à absolvição do recorrente dos crimes pelos quais foi condenado.

Para o caso de assim não se entender e sem prescindir, IX - No que se refere à determinação da medida da pena aplicada, nomeadamente quanto ao seu modo de execução, a sentença recorrida violou os critérios dos artigos 40.º e 71.º do Cód. Penal, ao sobrevalorizar as circunstâncias agravantes ao ponto de afastar todas a possibilidades de substituição da pena de prisão por outras medidas previstas no Código Penal.

X - O recorrente reúne todas as condições para a execução de eventual medida a cumprir em comunidade, como concluiu a DGRSP.

XI - O esforço que o recorrente tem feito para levar uma vida conforme o direito e o outro rumo que deu à sua vida (até constituiu uma empresa) deve ser valorado em conformidade pelo Tribunal.

XII - O tribunal a quo não poderia atribuir valoração prejudicial ao facto de o arguido ter exercido legalmente o seu direito ao silêncio, o que inquina a sentença recorrida de ilegalidade, por violação do artigo 343.º, n.º 1 do CPP.

XIII - O tribunal a quo, ao optar por uma pena de prisão efectiva violou o disposto no artigo 50.º do CP.

XIV - Face às exigências de prevenção geral e sobretudo especial a nível positivo, a ser aplicada a pena de prisão efectiva, a mesma deverá ser suspensa, eventualmente condicionada ao cumprimento de deveres, uma vez que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

XV - Ainda que se decida pelo cumprimento da pena de modo privativo da liberdade, deve a mesma ser substituída pelo cumprimento em regime de permanência na habitação, de acordo com a nova redacção do artigo 43.º do CP, por se encontrarem preenchidos os seus requisitos, e para a qual o arguido dá o seu consentimento.» 1.3. Proferido despacho admitindo o recurso interposto (vd. fls. 146), e fixando o seu regime de subida e efeito, notificado para o efeito, respondeu o Ministério Público sufragando da sua improcedência, atento, em síntese, que a) Os crimes de ameaça agravada ajuizados revestem ambos natureza pública; b) A prova produzida em julgamento foi devidamente valorada e motivada pelo M.mo Juiz a quo; c) A medida da pena é dotada da dosimetria penal necessária e adequada aos factos escrutinados, à reposição da confiança comunitária na norma violada e exigentíssima necessidade de conformar o recorrente a um caminho de mãos dadas com o Direito; d) A decisão recorrida não violou qualquer normativo, designadamente, os invocados pelo recorrente.

1.4. Observadas as formalidades devidas, remeteram-se os autos para este Tribunal da Relação, onde, aquando do momento previsto pelo art.º 416.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer conducente também ao total improvimento do recurso interposto.

No âmbito do subsequente art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, nenhuma resposta foi apresentada a tal parecer.

Aquando do exame preliminar dos autos, porque se não descortinou a emergência de fundamento que obstasse ao prosseguimento do recurso e também porque não vinha requerida a realização de audiência, ordenou-se a recolha dos vistos devidos, o que sucedeu, e sua submissão a conferência.

Dos trabalhos desta emerge a presente apreciação e decisão.

* II.

Fundamentação.

2.1. A Fundamentação de facto constante da sentença sob censura tem o teor seguinte: «Matéria de facto provada Da acusação 1. Em data não concretamente apurada de Junho ou Julho de 2017, cerca das 17:00 horas, no largo da igreja de (...) , o arguido, dirigindo-se aos ofendidos … e …, proferiu a seguinte expressão: “Posso perder € 5.000,00, mas mato os dois quando isto acabar”, referindo-se aos presentes autos, os quais, tiveram origem numa queixa apresentada pelo ofendido … e em que o ofendido … é testemunha.

  1. Ao agir da forma descrita, e ao proferir a expressão supra referida nas circunstâncias em que o fez, e no tom sério e credível em que a proferiu, anunciando a prática de 2 crimes de homicídio, o arguido sabia que a sua conduta era adequada a fazer os visados e ofendidos a sentir receio pela sua integridade física e a perturbá-los na sua vida, o que quis, representou e conseguiu.

  2. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

    Quanto aos antecedentes criminais do arguido: 4. O arguido José foi condenado, no âmbito do Proc. n.º 134/09.6GARSD, por decisão de 3/8/2009, transitada em julgado a 27/8/2009, pela prática, a 1/8/2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 6€ e em pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de 4 meses, penas essas já extintas pelo respectivo cumprimento.

  3. Foi condenado, no âmbito do Proc. n.º 890/09.1GAMCN, por decisão de 14/6/2011, transitada em julgado a 7/7/2011, pela prática a 3/10/2009, de um crime de simulação de crime, em pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 6€, já extinta pelo cumprimento.

  4. Foi condenado, no âmbito do Proc. n.º 76/12.8GARSD, por decisão de 4/3/2013, transitada em julgado a 29/4/2013, pela prática, a 18/4/2012, de um crime de furto simples, em pena de 290 dias de multa, à taxa diária de 6€, já extinta pelo pagamento.

  5. Foi condenado, no âmbito do Proc. n.º 102/13.3GTBRG, por decisão de 20/5/2013, transitada em julgado a 30/3/2016, pela prática, a 19/5/2013, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e sujeita à condição de entregar 400€ aos bombeiros voluntários de Guimarães, no prazo de 8 meses, e ainda em pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 12 meses.

  6. Foi condenado, no âmbito do Proc. n.º 120/16.0GBPNF, por decisão de 10/3/2016, transitada em julgado a 11/9/2017, pela prática, a 18/2/2016, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em pena de prisão de 1 ano, suspensa na sua execução por igual período de tempo e sujeita à condição de entregar aos Bombeiros Voluntários de Penafiel a quantia de 400€, e ainda em pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 9 meses; 9. Foi condenado, no âmbito do Proc. n.º 18/14.6GARSD, por decisão de 11/2/2014, transitada em julgado a 13/3/2014, pela prática, a 3/2/2014, de...

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