Acórdão nº 2895/16.7T8ACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Abril de 2019
Magistrado Responsável | MARIA TERESA ALBUQUERQUE |
Data da Resolução | 11 de Abril de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – F..., V... e M... instauraram acção declarativa comum contra C..., pedindo a condenação da R. a pagar-lhes indemnização a título de danos não patrimoniais, sendo na quantia de €7.500,00 ao A. F..., €8.750,00 ao A. V..., e €8.750,00 à A. M..., e pagar a todos os AA. indemnização a título de danos patrimoniais, num montante a fixar, nunca inferior a €25.000,00.
Alegam, em síntese, que nos embargos de executado que interpuseram por apenso a execução contra eles movida, após ter sido junta a respectiva petição inicial, renunciaram ao mandato que até então mantinham, e constituíram a R. como sua mandatária. Na medida em que a executada M... não tinha sido identificada na petição de embargos como embargante, foi a R., bem como a própria M..., notificadas pelo tribunal para operar o devido esclarecimento, e porque a R. nada disse e tão pouco entrou em contacto com a constituinte para aquele efeito, foi proferido despacho no sentido da exclusão da referida M... como embargante. Designado dia para julgamento nos referidos embargos, a audiência não se realizou em função do adiamento requerido pelos embargados. Tendo sido designado novo dia para julgamento, a R. foi notificada nesses autos da impossibilidade da notificação da testemunha dos embargantes ... A R. requereu o adiamento da audiência alegando não poder estar presente em função do agendamento de outra diligência. Por esse motivo e por impossibilidade de realização de videoconferências a audiência foi adiada, vindo de novo a ser remarcada, desta feita para 12/1/2016. A R., que fora já anteriormente notificada da impossibilidade de notificação da acima referida testemunha ..., voltou a sê-lo, nada tendo respondido ao tribunal. No dia 11/1/2016, pela 18 h, a R. requereu a marcação de nova data para o julgamento, alegando a falta de um documento e a impossibilidade de notificação de testemunhas. Não obstante, a audiência realizou-se, mas a Exma Juiza entendeu suspende-la marcando data para a sua continuação, de modo a potenciar à R. que indicasse a morada da testemunha ... ou viesse requerer a identificação da mesma por intermédio do tribunal e pudesse apurar o motivo por que a testemunha ... faltara. Relativamente à data designada para a continuação do julgamento, a R. requereu de novo o adiamento, referindo não ter conseguido averiguar a identificação ou morada da referida ... Esse requerimento foi indeferido, e tendo sido de novo notificada da impossibilidade de notificação da testemunha ..., a R. nada respondeu ao Tribunal. No dia aprazado teve lugar a continuação do julgamento, sem a presença de qualquer das testemunhas dos embargantes, tendo sido proferida sentença que julgou improcedentes os embargos e condenou os embargantes como litigantes de ma fé.
Referem os AA. que desconheciam que a sua testemunha - essencial no processo – não havia sido notificada pelo tribunal, sem que a R. os tivesse nunca informado dessa impossibilidade de notificação, e que eles nunca compareceram por lhes ser dito pela R. de que as audiências haviam sido adiadas, tendo assim procedido também relativamente à testemunha ... Entendem que a R. ao não ter apresentado as testemunhas, uma informando-a de que o julgamento havia sido adiado, a outra por não ter colaborado com o Tribunal para que a mesma fosse notificada, sem disso ter dado conhecimento aos AA., e bem assim tendo faltado a todas as sessões de julgamento que foram marcadas, pese embora os sucessivos adiamentos e remarcações, violando as normas estatutárias e contratuais a que se encontrava vinculada para com aqueles, causou-lhes danos que se objectivaram na impossibilidade de demonstrar a versão dos factos apresentados nos embargos, e, consequentemente, na inviabilidade de fazer valer, na totalidade ou em parte, o bem-fundado da sua pretensão.
A R. contestou, concluindo pela rejeição de qualquer responsabilidade. Refere, para tanto, e no essencial, que nada tem a ver com a omissão da embargante na petição de embargos por não ter sido ela a interpô-los, mas que, de qualquer modo, tal omissão não era apta a repercutir-se no resultado dos embargos, visto que uma decisão favorável nos mesmos se estenderia à referida M... Refere também que, depois de notificada da impossibilidade da notificação da testemunha ..., telefonou aos AA. e enviou-lhes email (doc nº 2), fazendo-o em 29/9/2015, sem que tenha obtido resposta. E refere ainda que não podendo comparecer à audiência de 12/1/2016 e sem que tivesse conseguido entrar em contacto telefónico com os AA., enviou ao A. F... email (doc nº 3) dando-lhe conta que iria faltar ao julgamento e que poderiam eles, AA., revogar a procuração e constituir novo mandatário.
Foi proferido despacho-saneador com dispensa da audiência prévia, no qual foi fixado o valor da causa, apreciada a regularidade dos pressupostos da instância, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenando a R. a pagar aos AA. a quantia de €9.000,00 a título de indemnização devida pelos danos patrimoniais decorrentes da perda de chance de obtenção de procedência dos embargos de executado, mais condenando a R. a pagar aos AA. F... e V..., a título de indemnização por danos patrimoniais, decorrentes da sua condenação como litigantes de má-fé no âmbito dos referidos embargos de executado, a quantia de €1.122,00, €510,00, a título de condenação em multa e €612,00 a título de indemnização, condenando ainda a R. a pagar ao A. F... a quantia de €1.000 a título de danos não patrimoniais, absolvendo a R. do demais peticionado.
II – Do assim decidido apelou a R. que concluiu as respectivas alegações do seguinte modo: ...
Os AA. apresentaram contra alegações nelas concluindo pela manutenção da decisão recorrida.
III – O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos: ...
IV – Do confronto entre as conclusões das alegações e a sentença recorrida, resulta constituir objecto do presente recurso, saber se procede a impugnação da matéria de facto pretendida pela apelante e se, mesmo na improcedência dessa impugnação, a acção deveria ter sido julgada improcedente, por não ter sido feita prova da probabilidade séria e real da procedência dos embargos.
...
Refere António Arnault [1] ser discutível «se a responsabilidade civil do advogado é de natureza contratual, extra contratual, ou mista.
Defendendo-se na primeira tese que ela resulta de contrato do mandato, ou de contrato sui generis, atípico ou inominado; na segunda, o carácter público da actividade forense e a violação dos deveres que legalmente lhe são exigíveis; na terceira, adoptando-se a concorrência de ambas as responsabilidades, podendo o acto ou omissão do advogado constituir responsabilidade contratual ou extra contratual, havendo que fixar em concreto o respectivo regime jurídico».
Tem, no entanto, sido recorrentemente decidido pelo STJ que a responsabilidade do advogado para com o cliente é contratual, «desde que o ilícito se traduza no incumprimento do específica ou genericamente clausulado (aqui incluindo os deveres colaterais deontológicos) no mandato forense, só sendo extra contratual se o ilícito consistir em conduta violadora de outros deveres – ou normas legais – não precisamente contratuais. Já a responsabilidade do advogado para com terceiros é sempre extra contratual» [2] Movendo-nos na responsabilidade contratual, beneficia o lesado da presunção de culpa do lesante, nos termos do art 798º CC o que, no âmbito do mandato judicial, implica que, provando o mandante a execução defeituosa do mandato, não tenha que provar que a mesma advém da culpa do mandatário, sendo a este que compete exclui-la. Há, no entanto, que ter presente, como ponto de partida para a avaliação da ilicitude do mandatário no mandato forense, que a obrigação do Advogado que patrocina o seu cliente não é uma obrigação de resultado, mas de meios. Distinção que se situa na circunstância de ali o devedor se obrigar a garantir um determinado resultado em benefício do credor, e aqui não se obrigar à produção de qualquer resultado – como seria o de ganho na causa onde desenvolve o patrocínio judiciário – mas apenas a realizar determinada actuação, esforço ou diligência, para que o resultado pretendido pelo credor se venha a atingir, devendo para tanto utilizar as regras de arte adequadas nesse sentido, e que, no caso do advogado, se traduzem, essencialmente, nos seus conhecimentos jurídicos e prática judicial, ou, se se quiser - com a propriedade que advém do disposto no art 95º/1 al c) do EOA, que enumera os deveres do advogado para com o cliente - no «estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade».
Nestas obrigações de meios só depois do credor provar que o devedor não empregou a diligência devida ou o meio exigível em função do contrato é que competirá ao devedor dessa obrigação provar que não foi por culpa sua que não utilizou o meio devido ou omitiu a diligência exigível [3].
È indiscutível, vista a natureza da obrigação de meios em questão que a circunstância dos aqui AA. terem visto improceder os embargos de executado, só por si, não constitui a aqui R, mandatária dos mesmos naquela acção, em responsabilidade pela violação dos deveres jurídicos emergentes do contrato de mandato. A responsabilidade desta terá de advir, antes de mais, da violação das diferentes obrigações de meios que a concreta execução do contrato de mandato naqueles autos veio sucessivamente a implicar sendo que só se poderá falar de violação destes deveres se se concluir previamente que a R. naquela execução não usou da diligência e zelo que qualquer Advogado «medianamente competente, prudente e sensato» teria usado em concreto. Por isso, se terá de perguntar, perante cada uma das falhas que os AA. apontam à R. na...
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