Acórdão nº 9/13.4GAADV.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução12 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório 1.

– Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no Juízo de Competência genérica de Ourique do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, a Associação de Caçadores e Pescadores “X”, com sede em Mértola, foi pronunciada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de danos contra a natureza, previsto e punido pelos artigos 278.º, n.ºs 1, al. a) e 5, e 11.º, n.º 2, al. b), ambos do Código Penal.

  1. A “Liga para a Protecção da Natureza” constitui-se assistente nos autos.

  2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, o tribunal singular decidiu julgar a pronúncia improcedente, por não provada e, consequentemente, absolver a arguida “Associação de Caçadores e Pescadores ‘X’”, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de danos contra a natureza, previsto e punido nos termos dos artigos 278.º, n.ºs 1, al. a) e 5, e 11.º, n.º 2, al. b), ambos do Código Penal.

    - 4. – Inconformada, veio a assistente interpor recurso da sentença absolutória, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES: A. O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida a 04.06.2018, com a referência 29628173 que absolveu a Arguida “Associação de Caçadores e Pescadores “X” pela prática, em autoria material e na forma consumada, de quatro crimes de dano contra a natureza.

    B. A Sentença proferida, ao decidir como decidiu, violou os preceitos legais constantes dos artigos 379.º, artigo 399.º, alínea b) do n.º 1 do artigo 401.º, n.º 1 do artigo 402.º, n.º 1 do 403.º, n.º 1 do artigo 406.º, n.º 1 do artigo 407.º, n.ºs 1 e 3 do artigo 410.º, n.ºs 1 e 3 do artigo 411.º, e 412.º, todos do Código de Processo Penal (doravante como “CPP”).

    C. Na medida em que absolveu a arguida da morte de três águias imperais, não se pronunciando, porém, sobre a morte da raposa, mediante a utilização de métodos ilegais de controlo de predadores.

    D. Da Sentença resulta evidente: (i) a existência da caixa armadilha ilegal encontrada na zona de caça gerida pela Arguida; (ii) da raposa encontrada morta a poucos metros da caixa-armadilha; (iii) e o controlo de predadores pela Arguida através de métodos ilegais.

    E. Da prova carreada nos autos, resulta provado (i.,e, o plano de ordenamento e exploração cinegético apresentado pela Arguida) - que a caça de Raposa é permitida entre Outubro a Fevereiro e não em Agosto – data da sua morte.

    F. O exercício da caça daquela espécie cinegética apenas é permitido através dos seguintes meios de caça: (a) armas de caça; (b) pau; (c) negaças e chamarizes; (d) aves de presa; (e) cães de caça; (f) furão; (g) barco; (h) cavalo, e nos meses de Outubro a Fevereiro – cfr. n.º 1 do artigo 78.º e n.º 3 do artigo 94.º, ambos do DL n.º 202/2004, de 18 de Agosto G. Por outro lado, e atento o disposto no n.º 1 do artigo 90.º do referido diploma, há que considerar que a caça apenas pode ser exercida mediante os seguintes processos, (a) de salto; (b) à espera; (c) de batida; (d) com furão; (e) a corricão; (f) de centraria; (g) de aproximação; (h) de montaria; (i) com lança.

    H. Ora tendo a raposa sido encontrada morta na zona de caça gerida pela Arguida perto de uma caixa armadilha ilegal, é forçoso concluir que a Arguida levava a cabo métodos de controlo de predadores ilegais.

    I. O que constitui a prática de um crime ao abrigo do artigo 30.º da Lei da Caça (Lei n.º 173/99, de 21 de setembro) J. Recordamos que as entidades gestoras das zonas de caça, no âmbito do contrato de concessão celebrado com o Estado, estão obrigadas ao cumprimento de uma serie de premissas, como resulta do artigo 19.º do DL 202/2004, de 18 de agosto.

    K. Recorrendo ao áudio da audiência de julgamento, questionado no minuto 15:12, JB, Presidente da Associação, da existência das armadilhas, declara que “nos anteriores anos, sempre recorreram à utilização de armadilhas, todavia, desde 2010, quando o guarda se fora embora, que deixaram de as usar”. (transcrição do áudio da audiência de julgamento) L. Questionado por V. Exa, no minuto 16:33, se a zona de caça fora sujeita a manutenção, mais uma vez, o Presidente da Associação responde “não”, declarando assim “que não havia necessidade disso, não era necessário manutenção o ano inteiro”; afirma também neste seguimento, que a zona de caça da Associação, “não era vigiada e que não sabia se haviam caçadas ou não; que se havia caçadores furtivos, não tinha qualquer conhecimento”. (transcrição do áudio da audiência de julgamento) M. Não restam dúvidas de que estamos perante uma violação do dever de gestão imposto, ao Presidente da zona de caça. A concessão a uma zona de caça, implica a realização de um Plano de Gestão, que também fora violado, estando o mesmo previsto no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 2/2011, de 6 de Janeiro.

    N. Face à morte da raposa através da utilização de métodos de controlo de predadores ilegal, e ainda que se considere não ser de aplicar no caso concreto a punibilidade pelo artigo 278.º do CP, dúvidas não poderão existir, face à prova carreada nos autos, que estarem preenchidos os pressupostos objectivos e subjectivos que determinam a prática do crime previsto no artigo 30.º da Lei da Caça pela Arguida.

    O. Resta saber porque razão o Tribunal não se pronunciou sobre estes factos, os quais foram dados como provados, ainda que - a final, decidisse pela absolvição da Arguida.

    P. A decisão que ora se recorre limitou-se a absolver a Arguida pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de danos contra a natureza, previsto e punido nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º e alínea a) do n.º 1 e n.º 5 do artigo 278.º do Código Penal, não se pronunciando sobre a violação das normas de Lei de Caça, que constituem crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 30.º da Lei supra mencionada, como de resto foi requerido pela Arguida em sede de alegações.

    Q. E nem se argumente com o n.ºs 1 e 3 do artigo 358.º do CPP o qual determina que, «sempre que haja alteração da qualificação jurídica dos factos há que dar oportunidade ao arguido para salvaguardar os seus direitos de defesa e lhe ser proporcionado o exercício do direito ao contraditório».

    R. Pois a jurisprudência tem sido unânime em defender, não ser de aplicar aquela disposição legal, quando a alteração da qualificação jurídica redunda na imputação ao arguido de uma infracção que representa um minus relativamente à da acusação ou da pronúncia: S. Isto é, quando a qualificação jurídica se mantiver dentro do mesmo tipo legal de crime, cuja moldura penal abstracta passa a ser inferior (o exemplo mais comum é a situação em que o arguido vem acusado ou pronunciado por um crime qualificado e vem a ser condenado pelo crime base do tipo um crime simples, como acontece frequentemente nos crimes de furto e homicídio) – Cfr. Ac. STJ de 30/4/1991, in CJ XVI, T. 2, pág. 17.

    T. E bem se compreende que assim seja, pois a Arguido não seria surpreendida com a nova qualificação, antes seria beneficiada, ao deixar de ser qualificado o crime como crime de dano contra a natureza, previsto no artigo 278.º do Código Penal, por remissão do artigo 11.º do mesmo diploma, com moldura penal bastante superior ao crime previsto no artigo 30.º da Lei da Caça.

    U. Neste sentido escreve o Conselheiro Maia Gonçalves sustentando «não ser necessária a comunicação da alteração da qualificação jurídica, relativamente aos factos que já constavam da acusação, ao arguido é para uma infracção que representa um minus relativamente à da acusação ou da pronúncia, pois que o arguido teve conhecimento de todos os seus elementos constitutivos e possibilidade de os contraditar ou tomar a posição que bem entendesse» V. Porém, uma vez que a sentença não se pronunciou sobre estes factos, quer condenado quer absolvendo a Arguida, dúvidas não restam de estarmos perante uma nulidade da sentença, consubstanciada numa omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP.

    1. A acrescer, a falta de indicação, na sentença, dos meios de prova quer serviram para formar a convicção do tribunal constitui nulidade dependente de arguição, prevista nos artigos 374.º n.º 2 e 379.º alínea

    1. CPP. 2- (neste sentido, Ac. STJ de 1989.07.05, Processo n.º 40094, disponível em www.dgsi.pt).

    X. Recordamos que o Tribunal considerou como provado que (i) a caixa armadilha fora encontrada dentro da zona da caça da arguida e que, (ii) a raposa fora encontrada morta por disparos de caçadeira, também na zona de caça sob gestão da associação arguida.

    Y. Atendendo aos factos provados é questionável a razão pela qual o Tribunal não valorou esta questão, não se tendo debruçado, quer absolvendo quer condenado a Arguida pela morte da raposa, existindo uma verdadeira omissão de pronúncia.

    Z. Por não o ter feito, violou a alínea c), do n.º 1 e n.º 2 e do artigo 374.º CPP, e por sua vez, a violação da alínea c), do n.º 1 do artigo 379.º, estando preenchidos os requisitos para arguição de nulidade da sentença – cuja declaração se requer.

    NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, DEVE SER DECLARADA NULA A SENTENÇA RECORRIDA E, EM ALTERNATIVA, SER O TRIBUNAL DA PRIMEIRA INSTÂNCIA OBRIGADO A PRONUNCIAR-SE SOBRE A PRÁTICA PELA ARGUIDA DE UM CRIME PREVISTO NO ARTIGO 278.º DO CÓDIGO PENAL, EX VI ARTIGO 11 DO MESMO DIPLOMA POR MORTE DA RAPOSA ATARVÉS DE MÉTODOS DE CONTROLE DE PREDADORES ILEGAIS E, SUBSIDIÁRIAMENTE, CONDENAR A ARGUIDA PELA PRÁTICA DE UM CRIME PREVISTO NO ARTIGO 30.º DA LEI DA CAÇA, NOS TERMOS ACIMA EXPOSTOS, NÃO SENDO APLICÁVEL AO CASO CONCRETO OS N.S 1 3 DO ARTIGO 358.º DO CPP.» 5. – Notificado para o efeito, o MP junto do tribunal a quo apresentou a sua resposta, pugnando pela improcedência do recurso.

  3. - Nesta Relação, o senhor Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido, considerando, para além...

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